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BDI Nº.8 / 2002 - Assuntos Cartorários Voltar

CONDOMÍNIO ADQUIRINDO BEM IMÓVEL: FALTA DE PERSONALIDADE JURÍDICA NÃO IMPEDE

Aos 83 anos de idade, repito o que aprendi no meu já distante curso de Direito: “O Direito é uma ciência dinâmica”. Pela sua própria destinação, só poderia ter tal característico axiomático. A jurisprudência reflete o direito aplicado; e seu aplicador – o magistrado – tem a oportunidade de deixar, nessa importante missão, a marca de sua cultura específica, mas também humanística, social e filosófica. São esses os que transformam a JURISPRUDÊNCIA em FONTE DE DIREITO. Esta simples introdução que ora faço é para chamar a atenção dos nossos estudiosos leitores carto-rários para o teor da sentença do MM. Juiz de Direito da Primeira Vara de Registros Públicos da Capital do Estado de São Paulo, Doutor VENÍCIO ANTONIO DE PAULA SALLES, da qual tomamos conhecimento, após termos sido alertados pela prestimosa colaboradora do Diário das Leis Imobiliário e competente advogada Dra. IULI RATZKA FORMIGA, do Guarujá/SP. O assunto é por nós colocado no BOLETIM CARTORÁRIO, a fim de ser apreciado, estudado, debatido e questionado por todos, especialmente pelos cartorários brasileiros, já que a solução final se relaciona com o ato cartorário de REGISTRO DE CARTA DE ADJUDICAÇÃO. “A Primeira Vara de Registros Públicos da Capital de São Paulo sempre foi referência para os registradores prediais, notários e demais profissionais que atuam na área imobiliária. As decisões desta vara especializada têm a virtude de irradiar-se como índice e pauta de discussões que empolgam os juristas especializados. Confirmando a tradição, seu atual Juiz Titular - Magistrado Venício Antônio de Paula Salles - tem enfrentado os temas mais delicados e polêmicos. Emprestando sua contribuição pessoal em decisões arrojadas, trazendo o desafio da transformação e arejando conceitos estabelecidos, o Magistrado Paula Salles diz a que veio. Apreciando um caso de dúvida suscitada pelo 3º Registro de Imóveis da Capital de SP., decidiu pela admissibilidade de aquisição de bens imóveis por condomínios. A decisão é inovadora. Sua fundamentação é tecnicamente articulada. Confronta e contrasta a jurisprudência, descerra sentidos inesperados na norma, reconhece e traduz a expectativa social que se expressa em fenômenos de caráter coletivo. Identifica e valoriza a aglutinação de quereres individuais em organismos sociais que o ordenamento vem de reconhecer legitimidade - justamente para fazer valer interesses singulares dessas pequenas comunidades. Mas há mais do que simples interesses que devam ser defendidos. Sendo um “tertius genus” no permeio de uma mera comunidade de bens e entes autônomos, não se pode ignorar que os condomínios têm uma função cada vez mais relevante nos grandes centros urbanos. Seria um exagerado rigorismo formal negar-lhes a possibilidade de contratar serviços, adquirir bens móveis de valor muitas vezes superior aos imobiliários e figurar, enfim, como sujeitos ativos e passivos de direito no tráfico jurídico negocial. O direito é dinâmico e a jurisprudência joga um papel fundamental na vitalização da norma. O debate está posto, portanto. Que os estudiosos do Direito possam dar sua contribuição para enriquecer as discussões e fomentar os estudos especializados. (SJ)” ________________________________ “Vistos, etc... Cuida-se de procedimento de dúvida suscitada pelo 3º CRI em face do CONDOMÍNIO EDIFÍCIO BARRO BRANCO. Destaca que é um condomínio constituído na forma da Lei 4.591/64, e nesta condição ajuizou ação de cobrança de débitos condominiais contra Wagner da Cruz e Rosana Freitas da Cruz. Na fase de execução, o requerente arrematou o imóvel arrestado, sendo expedida a carta de sentença, tendo o C.R.I. se recusado a proceder ao registro da arrematação, anotando que o Condomínio não tem personalidade jurídica para adquirir bens imóveis. Argumenta o Condomínio que não é pessoa física, que se encontra muito próximo das jurídicas, sendo admitido a postular em juízo, registrar empregados, que possui CNPJ, conta bancária e propriedades comuns, de forma que não pode ser impedido de exercer os demais atos da vida civil. Ao final, pugna pela improcedência, para efeito de ser acolhida a pretensão, determinando o registro da Carta de Arrematação. Juntou os documentos de fls. 14/76. Ao se pronunciar o Oficial do 3º CRI informou que adotando entendimento jurisprudencial pacífico, entende que o CONDOMÍNIO não tem personalidade jurídica, e como tal, não pode conquistar patrimônio imobiliário. Juntou a ficha da matrícula imobiliária. O Ministério Público se posicionou pela improcedência da dúvida suscitada destacando que CONDOMÍNIO é uma realidade fática e jurídica. Foi promovida a juntada de novo instrumento de mandato. É o relatório. DECIDO: Trata-se de procedimento de dúvida, levantada em face da recusa de registro da CARTA DE ARREMATAÇÃO conquistada pelo CONDOMÍNIO suscitado. O registrador, adotando entendimento jurisprudencial pacífico, negou registro à CARTA JUDICIAL, observando que CONDOMÍNIO não tem “personalidade jurídica” para inscrever em seu nome patrimônio IMOBILIÁRIO. Examinando os precedentes jurisprudenciais, constata-se que os Julgados do E. Conselho Superior da Magistratura de São Paulo se mostram unânimes em declarar e reconhecer a ausência de personificação dos CONDOMÍNIOS de que trata a Lei 4.591/64, concluindo que em face de tal carência jurídica, não se encontram os CONDOMÍNIOS credenciados para a aquisição de imóveis. As decisões que se debruçaram sobre o tema, apresentam argumentos consistentes e coerentes, destacando que a FACULDADE que confere aos CONDOMÍNIOS atributos postulatórios em juízo, não é suficiente ou capaz de lhes outorgar PERSONALIDADE JURÍDICA. Ademais, os Julgados destacam que a previsão do art. 63, da Lei 4.591/64 que estabelece a possibilidade do CONDOMÍNIO incorporador ADJUDICAR imóvel de adquirente inadimplente, igualmente não confere a este, a condição de pessoa jurídica, observando que tal dispositivo, representaria uma mera “exceção” à regra geral, e como tal apenas se prestando para confirmar o conteúdo e alcance da própria REGRA. A decisão abaixo transcrita bem espelha o entendimento dominante: Ementa: A capacidade do condomínio limita-se à postulação em juízo, não lhe é atribuída capacidade aquisitiva. Ausência do princípio da continuidade. Obrigatoriedade de o título ser original. Exegese do art. 221 da Lei 6.015/73. ITBI obrigatório em razão da transmissão imobiliária. IPTU devido a partir do auto de adjudicação. Apelação improvida. ApCiv 70.660-0/9 – Conselho Superior da Magistratura de São Paulo – j. 04.05.2000 – rel. e Corregedor-Geral da Justiça Luís de Macedo. ACÓRDÃO – Vistos, relatados e discutidos estes autos de ApCiv 70.660-0/9, da Comarca de Guarujá em que é apelante Condomínio Edifício Simone e Betina e apelado o 1º Tabelião de Notas e Oficial de Registro de Imóveis da mesma Comarca. “....” Procede ainda o último óbice para o registro, considerando-se que os condomínios não possuem personalidade jurídica para aquisição imobiliária. As disposições legais do art. 63 da Lei 4.591/64 aplicam-se às construções de edificações em condomínio. O legislador procurou criar mecanismos para que os condomínios em construção possam arrematar as unidades em débito, propiciando aos condôminos a possibilidade de continuação da obra e o levantamento de recursos financeiros com a venda dessa unidade adquirida. “o art. 63 da Lei 4.591/64 criou instituto rápido e eficiente de resolução do contrato nas construções chamadas de preço de custo, visando preservar a massa de condôminos e evitar que a conclusão do empreendimento sofra solução por insuficiência de recursos financeiros de um dos adquirentes” (rel. Des. Márcio Bonilha, ApCív 30.786-0/0-07.06.1996). “...” A capacidade processual do condomínio e o simples fato de possuir CGC/MF não lhe proporcionam poderes de aquisição. Sua figura possui como finalidade as relações e atribuições administrativas condominiais. Falta-lhe para possuir personalidade jurídica affectio societatis, segundo leciona Pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado. São Paulo: RT. T. 12, p.1.311). Não se confunde capacidade postulatória em juízo com capacidade aquisitiva especial do condomínio. A primeira é resultante do art. 12, IX, do CPC e a segunda dos casos de incorporação por construção a preço de custo. O condomínio apelante não pode adquirir direito real e não há impedimento para que seus condôminos, se desejarem, constituam uma associação que, revestida de personalidade jurídica, poderá em seu nome possuir propriedade imobiliária. “...” - São Paulo, 04 de maio de 2000 – (a) Luís de Macedo, Corregedor-Geral da Justiça e relator (DOE de 06.06.2000) A despeito da profundidade como o tema tem sido tratado, e a forma reiterada como este entendimento vem sendo declinado nos diversos julgados da Corte Paulista, necessário, - em função das alterações sociais e econômicas que alteraram sobremaneira as relações jurídicas envolvendo a chamada “vida” condominial – que seja feita uma revisão ou uma certa reavaliação dos conceitos e da interpretação sobre o tema. É certo que as relações individuais vêm, gradativamente, cedendo espaço para a participação de entidades ou grupos aglutinados de pessoas, reunidas em função da comunhão de interesses ou de propósitos. Várias associações e organismos estão sendo criadas para a defesa de interesses gerais ou para cumprimento de desideratos comuns. Neste contexto, também os condomínios tradicionais conquistaram maior espaço e mais relevo, fatores que devem ser considerados e respeitados em qualquer análise interpretativa. A análise destas alterações ou mutações sociais ocorridas ao longo dos anos, deve inspirar uma reapreciação ou um reexame da legislação de regência, para que o novo perfil e as novas atribuições sociais dos condomínios não resultem limitadas ou reduzidas em virtude de interpretações de consistência meramente formais. Principalmente nas metrópoles e grandes centros urbanos, os condomínios especiais, como os demais, passaram a desempenhar funções múltiplas e cada vez mais amplas, se distanciando daquela antiga figura estática, instituída exclusivamente para cumprir •••

(www.irib.org.br)