NÓTULAS EM TORNO DA ATA NOTARIAL BRASILEIRA
A Teoria Geral do Direito ensina que, quando acontecimentos ocorrem e estão previstos em uma norma de Direito, nasce o que chamamos de Fato Jurídico. Quando o acontecimento é natural e normal, como a morte, dizemos que há um fato jurídico em sentido estrito e ordinário. Quando, apesar de natural, é um fato anormal, como um furacão etc., dizemos que há um fato jurídico em sentido estrito mas extraordinário. Tudo, bem entendido, ocorrido de fato e previsto em uma norma jurídica. Mas, a tipologia do fato jurídico ainda comporta uma importante classificação. É quando entra em cena o ser humano. O homem tem vontade e toma atitudes de acordo com a sua vontade. Tais atitudes, quando manifestadas no mundo real, produzem efeitos que são de acordo com a sua vontade, ou não. Quando os resultados das atitudes do indivíduo estão em conformidade com a sua vontade, dizemos que ocorreu um fato jurídico humano voluntário. Para ser mais preciso, dizemos que ocorreu um ato jurídico, no caso, voluntário. Se a atitude humana tem correspondência com outra, ela é plural e produz o chamado ato jurídico em sentido lato, também chamado ato jurídico bilateral. São exemplos disso uma compra e venda, um casamento, um testamento. Quando o ato jurídico é voluntário e unilateral, como uma promessa de recompensa, diz-se que ocorreu um ato jurídico em sentido estrito. Se o ato chega a regular interesses diferentes e contrários entre si, há o chamado negócio jurídico. Quando as coisas não sairam como previsto, teremos um fato jurídico humano involuntário, ou, mais apuradamente, um ato ilícito (contrário ao Direito). É importante lembrar o ensino do grande Hans Kelsen sobre o ato ilícito. O ato ilícito não deixa de ser ato jurídico. O ato ilícito, afinal, está previsto em norma jurídica, funcionando não como negação do Direito, mas como sua condição. Desse modo, o ato ilícito suscita não um direito especificamente, mas um dever. O dever de prestar a sanção que a norma prevê para o caso de seu descumprimento (ato ilícito). Os conceitos acima são indispensáveis para enquadrarmos um documento que está para o Direito como o conto para a literatura. De fato, a ata é uma das primeiras formas de manifestação documental que o homem criou. Sua finalidade primacial e histórica é documentar fatos em todas as suas modalidades. Ao contrário do que possa sugerir a sua etimologia vocabular latina (ata vem de acta que daria no vernáculo "coisas feitas"), a ata não teve origem no Direito Romano. Seu nascimento se confunde com a própria origem da escrita. Mas, foi no Direito Romano que a ata passou ao seu uso popular. No início, servia como registro das resoluções senatoriais. Era proibida de divulgação porque considerava-se indignidade o conhecimento das tais decisões pelo povo! Mais tarde, o exato contrário aconteceu. A ata foi adotada para levar ao público as resoluções dessas instituições, virando como que um diário oficial. O tempo firmou mundialmente o uso histórico da ata: um escrito dos fatos de uma reunião. A dogmática jurídica atual permite classificarmos com segurança a ata em duas espécies: a ata pública e a ata particular. A ata pública tem por objeto atos administrativos, judiciais e notariais. A ata particular, também chamada ata em sentido estrito ou ata comum, traz no seu bojo o registro de fatos de particulares, vale dizer, atos sem a interferência estatal. Chamamos juridicamente de ata notarial a ata pública que é escrita por um notário ou tabelião, a pedido de alguém, que a doutrina estrangeira apelidou de requerente, na forma requerida pela lei. A ata notarial brasileira tem semelhança na França com o acte authentique; na Espanha com a acta legalizada ou ainda a escritura notarial; nos países do common law com o deed; e na Alemanha com o Akte ou Die öffentliche Urkunde. •••
Regnoberto Marques de Melo Júnior - Notário e Registrador Substituto em Fortaleza, Ceará