COMANDOS CORRECIONAIS
Estamos relendo alguns livros que integram nossa biblioteca, pacientemente acumulados ao longo de nossos anos já vividos. O fato de estarmos relendo alguns de nossos livros não equivale a dizer que já tenhamos lido todos, que são inúmeros. Nunca compramos livros para preencher estantes. Muito menos para enfeitar paredes. Compramos, sim, para serem lidos. Assim, quando relemos um livro, assalta-nos uma saudade, até mesmo de um tempo em que sonhávamos e acreditávamos naquilo em que sonhávamos. Quando tomamos um livro para relê-lo, além da saudade de um tempo já passado, sentimos, também, uma sensação de in Justiça para com aqueles outros, que continuam eretos nas estantes, mas que ainda não sentiram a carícia de nossas mãos na maciez de suas páginas, a sensualidade do nosso olhar na procura do seu conteúdo e até mesmo de sua mensagem e a gula do nosso cérebro na procura do saber, e, porque não dizer, da verdade! O único livro que não relemos, porque o lemos constantemente, é "OS SERTÕES", do IMENSURÁVEL EUCLIDES DA CUNHA, o mais sábio dos nossos sociólogos, o mais erudito escritor de nossa língua. No dia 11 de novembro de 1994, pegamos para reler o livro "QUE SABE VOCÊ SOBRE PETRÓLEO?", escrito pelo polêmico mas autêntico GONDIN DA FONSECA, homem que não tinha "papas na língua", o que vale dizer, falava com franqueza, dizendo verdades duras, mas precisas e necessárias. No pórtico desse seu livro, quarta edição, 1955, Livraria São José, registra ele este pensamento de MONTAIGNE, "Eu digo a verdade: não tanto quanto desejo, mas tanto quanto ouso; e vou ousando mais à medida que envelheço". MONTAIGNE foi um escritor e filósofo francês que procurou, com seus "ENSAIOS", de onde foi extraído aquele transcrito pensamento (Liv. III, Cap. II), expor o seu pensamento a respeito do comportamento humano, registrando que a tranqüilidade da alma humana "está na prudência, na eliminação da inquietude, no viver de acordo com a natureza íntima do eu". Não conhecemos a filosofia de MONTAIGNE. Esse desconhecimento aqui confessamos. Não lemos seus ENSAIOS. Sequer o possuímos. Seu pensamento filosófico o extraímos do DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO "TUDO", cuja síntese registramos acima. Achamos magnífica esta afirmativa de que a tranqüilidade da alma humana está na prudência do homem e o homem prudente é aquele que consegue eliminar de sua vida a inquietude, a angústia e o sofrimento, que tanto atormentam a alma. O homem tranqüilo é o homem prudente e o homem prudente é aquele que efetivamente vive de acordo com a sua natureza. Essa divagação filosófica aqui exposta tem um motivo. O assunto do livro de GONDIN DA FONSECA, que agora vamos reler, pelo que recordamos de sua primeira leitura feita há muitos anos, é tão polêmico quanto outros que apreciamos através de publicações no BOLETIM CARTORÁRIO, suplemento do BDI, com o propósito de conscientizar os que exercem ou praticam serviços notariais e registrais, que devem praticá-los BEM E COM PRUDÊNCIA. Só assim agindo, terão eles, funcionalmente, a tranqüilidade d´alma preconizada pela filosofia de MONTAIGNE. A filosofia de MONTAIGNE data de quatro séculos. O mundo de nossos dias não é idêntico ao de mil e quinhentos. O relacionamento humano de hoje, altamente conflitante, não assegura a certeza de tranqüilidade ao homem de nossos dias, pelo simples fato de pautar seu comportamento com a natureza íntima do seu "eu". Outros comportamentos influem no seu. Se o homem for um "cartorário", expressão que está se tornando pejorativa, não basta ser ele simplesmente PRUDENTE. Tem que ser DILIGENTE, e, no que tange à HONESTIDADE, deve possuí-la com os característicos da mulher de César, estar acima de qualquer suspeita. Em tudo o que escrevemos no BOLETIM CARTORÁRIO procuramos transmitir, aos notários e oficiais registradores, consciência da importância dos serviços que realizam, não tanto quanto desejamos, mas sim quanto podemos, sempre ousando mais, à medida que envelhecemos. Aqui vai uma verdade ousada: Hoje teríamos medo de exercer no Estado de São Paulo as atividades notariais, por nós exercida durante cincoenta e um anos. E vamos esclarecer porquê. Quando é ramos notário na Comarca de Mirandópolis, nos idos de 1950, foi realizada na Comarca de Pereira Barreto uma CORREIÇÃO GERAL pelo então Corregedor Geral de Justiça, Desembargador Doutor PEDRO CHAVES, que, pelo seu alto saber jurídico e pela sua reputação ilibada, foi elevado ao alto cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Além daquele ilustre Desembargador, acompanhavam-no dois magistrados e o Escrivão da Corregedoria. Mirandópolis, comarca limítrofe a Pereira Barreto, tinha como juiz o Dr. Agnaldo Santos, que nos convidou para acompanhá-lo até Pereira Barreto, para uma visita de cortesia ao Corregedor Geral. Nessa ocasião, tivemos oportunidade de ouvir, na sessão de instalação dos trabalhos correcionais, de improviso, do então ilustre Corregedor Geral, esta tranquilizadora afirmativa, que até hoje a temos em nossa memória: "A Correição que ora se instalava na Comarca de Pereira Barreto, não se constituía, em hipótese alguma, num "comando correcional", a exemplo dos comandos fiscais nas atividades comerciais. A correição não era para punir, afirmava o Desembargador Pedro Chaves, mas o seu propósito era corrigir o que estava errado; orientar corrigindo, para que os erros encontrados não mais fossem repetidos." Pereira Barreto e Mirandópolis eram sertanejas comarcas no sertão da noroeste. Como sertanejas comarcas, também sentiram elas as ações dos "comandos fiscais", notadamente os de natureza federal, que efetivamente eram verdadeiros "furacões tributários", atemorizando aqueles desbravadores, mas também povoadores da região, que exerciam atividades comerciais. As palavras do ilustre Desembargador PEDRO CHAVES, se foram tranquilizadoras, suas atitudes no desenvolvimento dos trabalhos correcionais foram paternalistas e igual comportamento adotavam os dois Juízes auxiliares. Hoje, verificamos que as CORREIÇÕES realizadas pela equipe de Juízes Corregedores da Corregedoria Geral são autênticos "COMANDOS CORRECIONAIS". O que mudou? É o que indagamos. Mudaram os que exercem hoje as atividades notariais e registrais ou mudaram os juízes que realizam as correições? Estariam os atuais serventuários de Justiça extrajudiciais tão corrompidos, de modo a justificar a exclamação •••
Antonio Albergaria Pereira - Advogado