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BDI Nº.21 / 2014 - Assuntos Cartorários Voltar

Procuração com cláusula de irrevogabilidade

É comum aparecer na serventia um usuário solicitando a lavratura de um ato notarial de revogação de procuração que ele mesmo outorgou com cláusula de irrevogabilidade. Em um exame leigo e superficial do caso poder-se-ia concluir: ora, se ele deu uma procuração dizendo ser irrevogável, não pode agora querer revogar. Porém, existem situações em que se torna inafastável a postura do Tabelião de lavrar a revogação da procuração, ainda que o outorgante tenha inserido cláusula de irrevogabilidade. Situações fáticas e questões jurídicas fundamentam esta conclusão. Veja-se o caso da esposa que outorga procuração com cláusula de irrevogabilidade ao marido para que ele administre o patrimônio da família. Havendo quebra de fidelidade, por exemplo, fatalmente estará aniquilada a confiança embasadora da outorga, não sendo crível que esta esposa fique impossibilitada de revogar os poderes que outorgou quando o afeto vigia. Outra situação que se teve conhecimento foi a de uma pessoa que outorgou procuração para que um despachante procurasse e adquirisse um imóvel para ela. Esse despachante fez inserir outros poderes na procuração, passando a contrair obrigações em nome da mandante e ainda a gravou com cláusula de irrevogabilidade. Seria razoável impedir que a outorgante revogasse unilateralmente esta procuração pelo fato de conter cláusula de irrevogabilidade? Diante dessas situações, o Tabelião deve se valer de alguns institutos jurídicos para embasar a sua decisão de lavrar ou não o pretendido ato. Em primeiro lugar, importante diferenciar procuração e mandato, apesar de que em muitos momentos o próprio legislador confunde tais institutos. Mandato é contrato, e pode ser bilateral quando o mandatário for remunerado ou unilateral quando gratuito. É ainda consensual, aperfeiçoando-se com a mera manifestação de vontade e informal, vez que sequer precisa ser instrumentalizado (Art. 656 do Código Civil). Finalmente, é um contrato preparatório que visa outra relação jurídica e também personalíssimo, calcado na confiança. Por seu turno, a procuração é um ato jurídico unilateral, por meio do qual uma pessoa outorga poderes de representação para outrem. A outorga da procuração pode ser anterior, concomitante ou posterior ao contrato de mandato. Ela servirá apenas para instrumentalizar o mandato para um terceiro. Com essas premissas, pode-se adentrar ao âmago da questão, ou seja, saber se é possível revogar uma procuração que contenha cláusula de irrevogabilidade. As causas de extinção da procuração seguem as mesmas diretrizes da extinção do mandato, incluindo-se apenas a hipótese de substabelecimento sem reserva. Nesta senda, a revogação e a renúncia são formas de resilição unilateral, sendo permitidas apenas nas hipóteses previstas em lei. Não se trata, então, de resilição bilateral que se daria por distrato, com a participação das duas partes, mas sim de ato unilateral de revogação quando a extinção se der pelo outorgante ou •••

Luis Flávio Fidelis Gonçalves*