A força probante do compromisso de compra e venda de imóvel sem registro – Parte I
1. INTRODUÇÃO Tarefa árdua é recuperar crédito em execução judicial. É sabido que o tempo do processo não é o mesmo dos negócios jurídicos, felizmente ágeis e eficazes segundo a vontade de seus pactuantes, segundo o que reclama o mundo moderno. O compromisso de compra e venda[1] de imóvel é contrato sério, enraizado à realidade brasileira, porém às vezes usado de maneira insidiosa para prejudicar terceiro. A lida diária na execução civil revela que muitos compromissos particulares de compra e venda de imóveis mais transparecem artimanhas forjadas para fraudar a execução do que negócios idôneos, dotados de boa-fé. O presente estudo objetiva descortinar indícios de seu mau uso e, à luz do sistema processual vigente, propor a melhor valoração probatória que referido contrato deve merecer quando suscitado em disputa com credor penhorante do mesmo bem. Antes, contudo, carece ser dito que a matéria nada tem de inusitada. Pelo contrário. Trata-se de tema bastante dissecado nas lides país afora que, no entanto, às vezes não recebe a solução mais consentânea com o sistema processual vigente. 2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA O cerne do problema consiste em saber se o instrumento particular reflete com fidedignidade a data de imissão na posse do imóvel pelo compromissário comprador. Dúvida inexiste quando a compra e venda é celebrada por escritura pública ou contrato particular levado a registro no Cartório de Imóveis. A publicidade que informa estes atos permite apontar com segurança a data da compra e venda. Contudo, a problemática reside no compromisso de compra e venda de imóvel não registrado e desacompanhado de mínima nota de publicidade, a exemplo de reconhecimento de firma das partes ou extração de cópia autenticada do instrumento contratual (contrato de gaveta). Nesse caso, margem imensa de dúvida existe sobre a verdadeira data de celebração do negócio jurídico. A saber, penhorado um imóvel, não raro o exequente depara-se com terceiro embargante reivindicando precedência sobre o bem. Legitima-o a Súmula 84 do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Serve-lhe de fundamento contrato particular de compromisso de compra e venda não registrado apontando data de celebração anterior à execução aforada contra o devedor alienante. Nesse contexto ganha relevo discutir se referido instrumento contratual, por si só, constitui prova idônea da data da compra e venda a ponto de preterir penhora do exequente. 3. DO COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL Sem a pretensão de esgotar o tema, cumpre ao menos gizar os seus contornos básicos. Sílvio de Salvo Venosa[2] leciona que: “Pelo compromisso de compra e venda de imóvel (...) os poderes inerentes ao domínio, ius utendi, fruendi et abutendi, são transferidos ao compromissário comprador. O promitente vendedor conserva tão-somente a nua-propriedade, até que todo o preço seja pago. Nessa situação, o ius abutendi, direito de dispor, não é transferido de todo, mas esmaece para o vendedor à medida que o preço é pago. Embora a função de garantia nesse contrato não seja sua característica principal, é elemento marcante do instituto”. Diversas razões concorreram para a larga utilização do compromisso de compra e venda no Brasil. Uma delas está implícita na doutrina acima. A saber, tratando-se de bens imóveis, geralmente de elevada monta, convém que suas transações se façam mediante parcelamento do preço. Nesse contexto o compromisso de compra e venda assume relevante papel ao propiciar que o promitente vendedor adie a transferência do direito real de propriedade até o pagamento integral do preço[3]. Assim, enquanto não adimplido todo o preço o compromissário comprador conserva mero vínculo obrigacional em face do promitente vendedor, cujo direito é proporcional ao montante amortizado. Posteriormente, abusos perpetrados pelo promitente vendedor, lesivos ao interesse do comprador, revelaram a necessidade de se introduzir um direito real (inferior ao de propriedade) oponível erga omnes desde que registrado o contrato. A saber, no início do século passado o compromisso de compra e venda favoreceu a especulação imobiliária. Para não perderem expressiva valorização experimentada pelo bem[4], promitentes vendedores valiam-se do direito de arrependimento previsto no artigo 1.088 do Código Civil anterior[5]. Dessa forma muitos compromissos de compra e venda foram desfeitos em prejuízo de pessoas humildes que se viam despojadas de seu único imóvel e sem receberem justa indenização. Para combater essa prática adveio o Decreto-lei 58/37 (aplicável inicialmente apenas a terrenos loteados), que ao atribuir ao compromissário comprador direito real oponível a terceiro (se registrado o contrato[6]), subtraiu do promitente vendedor o direito de arrependimento. O artigo 15 do mesmo diploma confere ao comprador, pago todo o preço, direito de exigir a outorga da escritura. Posteriormente o regime do Decreto 58/37 foi estendido a terrenos não loteados por força da Lei 649/49, sendo ambos derrogados pela Lei 6.766/79 que passou a regular os compromissos de compra e venda de imóveis urbanos. Superado esse brevíssimo delineamento do contrato de compromisso •••
José Eduardo Battaus*