Cláusulas restritivas de direito dispostas em testamento e a possibilidade de quebra pela via judicial
Uma vez comprovados os prejuízos suportados pelos herdeiros com a manutenção da cláusula e a necessidade de afastá-la em prol da defesa de seus direitos, há para o julgador a possibilidade de abrandar a lei e garantir o direito de propriedade com a quebra das cláusulas restritivas. A cláusula de inalienabilidade é uma prerrogativa legal conferida com o escopo de impedir que os herdeiros alienem o bem herdado. Esta cláusula era inicialmente permitida pelo artigo 1.676 do Código Civil de 1916 que dispunha: A cláusula de inalienabilidade temporária, ou vitalícia, imposta aos bens pelos testadores ou doadores, não poderá, em caso algum, salvo os de expropriação por necessidade ou utilidade pública, e de execução por dívidas provenientes de impostos relativos aos respectivos imóveis, ser invalidada ou dispensada por atos judiciais de qualquer espécie, sob pena de nulidade. Esta limitação poderia ser estendida à legítima dos herdeiros necessários nos termos do artigo 1.723 do antigo diploma legal: Não obstante o direito reconhecido aos descendentes e ascendentes no art. 1.721, pode o testador determinar a conversão dos bens da legítima em outras espécies, prescrever-lhes a incomunicabilidade, confiá-los á livre administração da mulher herdeira, e estabelecer-lhes condições de inalienabilidade temporária ou vitalícia. A cláusula de inalienabilidade, entretanto, não obstará, a livre disposição dos bens por testamento e, em falta deste, a sua transmissão, desembaraçados de qualquer ônus, aos herdeiros legítimos. Destarte as boas intenções motivadoras da imposição da inalienabilidade aos bens da herança, nada obstava que o testador, respaldado pelo sistema do Código Civil de 1916, fizesse uso da limitação para dificultar a utilização da herança por vingança ou retaliação, vez que não tinha o direito de privar os herdeiros necessários da legítima, mas poderia obstar a livre utilização e fruição econômica dos mesmos. Diante do inconformismo dos herdeiros, que por vezes tinham os bens herdados reduzidos à inutilidade, bem como do repúdio doutrinário acerca do absolutismo que revestia a cláusula de inalienabilidade, os elaboradores do Código Civil de 2002 não tiveram alternativa senão modificar a norma jurídica para abrandá-la. Sendo assim, o novo diploma legal, em seus artigos 1.848 e 1.911, restringiu a utilização das cláusulas restritivas de direito aos bens componentes da legítima apenas para quando o testador motivasse de forma justa tal imposição. Ademais, previu o legislador a possibilidade de excetuar-se a cláusula imposta por conveniência econômica do herdeiro mediante autorização judicial, hipótese em que o produto da venda seria convertido em outros bens, perfazendo uma sub-rogação da cláusula impeditiva, nos termos do artigo 1.848, § 2º do Código Civil. Ocorre que, a sub-rogação da cláusula, por si só, não livra o herdeiro do principal empecilho que o levou inicialmente a necessitar do afastamento desta limitação ao bem originalmente gravado. Por esta razão, têm os tribunais pátrios concedido a quebra da inalienabilidade em prol dos herdeiros que de fato necessitem da livre disposição do bem herdado para sua subsistência ou para se livrar de um impedimento que não mais atende os motivos pelos quais foi criado. Vejamos. Possibilidade de Quebra das Cláusulas Restritivas As cláusulas de inalienabilida-de, impenhorabilidade e incomu-nicabilidade quando impostas aos bens da legítima são consideradas pela maioria da doutrina como um dissenso jurídico, pois permitem que se extraia de um herdeiro necessário a possibilidade dele dispor de um bem que lhe pertence por expressa determinação legal fundada no direito suces-sório. Defendem estes juristas que mais importante do que a vontade do testador, são os princípios constitucionais que regem a função social da propriedade, a livre circulação dos bens na economia e o estado democrático de direito, dos quais se depreende que de fato não é possível obstar a livre circulação dos bens por se opor à lei fundamental da economia política[1]. O direito de propriedade, contido no artigo 5º, XXII, da Constituição Federal de 1988, é um dos princípios regentes da atividade econômica nacional, tendo por escopo assegurar a existência digna e a justiça social, nos termos do artigo 170 e incisos II e III, do texto Magno. O Código Civil, em seu artigo 1.228, confere ao proprietário a faculdade de usar, gozar e dispor do bem; e o § 1º deste mesmo artigo impõe que o direito de propriedade seja exercido em consonância com suas finalidades econômicas e sociais. Assim, temos que, ao retirar o bem do mercado, deve se ter noção das consequências •••
Fernanda Dal Sasso de Resende*