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BDI Nº.33 / 2009 - Assuntos Cartorários Voltar

INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NAS ATIVIDADES NOTARIAIS E DE REGISTRO SOB O ENFOQUE DA RESPONSABILIDADE CIVIL

1. Introdução As dificuldades, encontradas pelos doutrinadores, são grandes na hora de conceituar o instituto da responsabilidade civil, ora enveredando para a questão da culpabilidade propriamente dita e seus elementos constitutivos, ora buscando seu aclaramento através de um prisma mais vasto e complexo ao analisá-la como uma busca pela repartição dos prejuízos entre as partes envolvidas de forma a equilibrar seus direitos, objetivos e interesses. Sílvio Rodrigues, sem enfrentar o tema em sua essência, afirma que: “...o problema em foco é o de saber se o prejuízo experimentado pela vítima deve ou não ser reparado por quem o causou. Se a resposta for afirmativa, cumpre indagar em que condições e de que maneira será tal prejuízo reparado. Esse é o campo que a teoria da responsabilidade civil procura cobrir”.[1] Serpa Lopes, por sua vez assevera que “a responsabilidade significa a obrigação de reparar um prejuízo, seja por decorrer de culpa ou uma outra circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma circunstância meramente objetiva”.[2] Já José Afonso da Silva diz que “responsabilidade civil significa a obrigação de reparar os danos ou prejuízos de natureza patrimonial (e, às vezes, moral) que uma pessoa cause a outrem”.[3] Maria Helena Diniz, após ponderar a definição que a doutrina nacional reserva à responsabilidade civil, como lhe é costumeiro, define-a como “a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal”.[4] Definiu Ulderico Pires dos Santos a responsabilidade como “causa determinante do dever de não violar o direito alheio, seja por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, isto é, seja lá através de que procedimento for”.[5] Por sua vez, o renomado processualista Pontes de Miranda considera, no conceito de responsabilidade civil, um “’aspecto da responsabilidade social’, enxergando nela ‘um processo de adaptação’, que mais se corporifica nas sanções.” Para usar as palavras do mestre: “A responsabilidade resulta de fatos sociais, de relações de vida, porque também ela é fato social, sujeito a tentativas de caracterização e de exame em estado bruto, ou purificado de elementos que o obscureçam.... O conceito de responsabilidade é aspecto da realidade social, representação psicológica das instituições...... Os ensaios e tentativas de utilizar o processo de adaptação, que se contém na responsabilidade, ou, mais largamente, nas sanções, não se estenderam somente para fora do mundo das relações entre os homens.... No direito, o que é responsável, isto é, mais amplamente, o que é suscetível de sanção, muito já possui do que é necessário para ser tido como pessoa.”[6] Aponta Caio Mário da Silva Pereira que o grande mestre, “em rigor, deixa sem resposta a indagação básica do em que consiste a responsabilidade civil”[7],. Entretanto, em conclusão à exposição do pensamento de diversos autores, o jurista dá a seguinte definição, que nos parece lapidar: “A responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio responsabilidade civil, que então se enuncia como princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano. Não importa se o fundamento é a culpa, ou se é independentemente desta. Em qualquer circunstância, onde houver a subordinação de um sujeito passivo à determinação de um dever de ressarcimento, aí estará a responsabilidade civil.”[8] Até mesmo por levar em consideração a opinião dos mais diversos doutrinadores que trataram do tema, essa nos parece ser a definição mais serena, mormente por analisar a questão sobre o enfoque da reparabilidade, sendo, assim, a que adotamos. 2. Responsabilidade Objetiva e Subjetiva Como bem esclarece Sílvio Rodrigues, em rigor não se pode afirmar que a responsabilidade objetiva e a responsabilidade subjetiva são espécies diferentes de reparar o dano. “Se o fato em consideração o valor moral e social do ato feito, a responsabilidade é dita subjetiva. O juiz deve, com efeito, para a determinar, analisar a conduta do autor do ato: aquele que está em falta será condenado è reparação. Se, ao contrário, o juiz busca unicamente a pessoa capaz de assegurar a reparação e a condena somente porque o dano é sobrevindo em certas condições, sem que existisse lugar de apreciar sua conduta, a responsabilidade é dita objetiva; condenar-se-á aquele que criou o risco. Estas expressões não são muito claras: aquela de responsabilidade objetiva foi imaginada por oposição àquela de responsabilidade subjetiva, e não é feliz; mas elas são consagradas pelo costume.”[9] Ou seja, na responsabilidade subjetiva, além dos três elementos que são intrínsecos à própria natureza do instituto, quais sejam: ação ou omissão do agente devidamente comprovada, dano suportado pela vítima e nexo causal entre ambos, ainda é necessário que se prove a culpa com que agiu o agente. Diferentemente, na responsabilidade objetiva, essa culpa é irrelevante, sendo suficientes os requisitos acima enumerados.Não é frutífero discorrer aqui sobre os fundamentos de uma e de outra uma vez que se trata de assunto de há muito discutido entre os mais variados doutrinadores, todavia é essencial afirmar a possibilidade de coexistência das duas teorias, não sendo uma necessariamente excludente da outra como bem ensina o Prof. Caio Mário da Silva Pereira: “ ...a culpa exprimiria a noção básica e o princípio geral definidor da responsabilidade, aplicando-se a doutrina do risco nos casos especialmente previstos, ou quando a lesão provém de situação criada por quem explora profissão ou atividade que expôs o lesado ao risco do dano que sofreu”.[10] José de Aguiar Dias, demonstrando a convivência das duas teorias, aponta que a doutrina objetiva é acolhida em diversos dispositivos de nossa legislação, quais sejam: arts. 1.519, 1.520, parágrafo único, e 1.529 do Código Civil, Decreto nº 24.637/34, Decreto-lei nº 7.036/44, Lei nº 6.367/76, arts. 96 e ss. do Código Brasileiro do Ar, Decreto-lei nº 483/38, Decreto-lei nº 32/66, com as alterações do Decreto-lei nº 234/67, Decreto-lei 277/67 e Leis nºs 5.710/71, 6.298/75, 6.350/76, 6.833/80, 6.997/82, 7.565/86 e 8.078/90.[11] No entanto, o que é importante registrar é que a responsabilidade objetiva, por ser regra de exceção, para que possa vir a ser aplicada é necessária sua expressa previsão legal, uma vez que a regra legal é a responsabilidade advinda de culpa nos termos do art. 186 e 927 do Código Civil. Para uma melhor compreensão do assunto, necessário se faz uma análise dos institutos da teoria do risco assim como da culpa, de forma mais esmiuçada, oportunidade em que analisaremos os pressupostos da Responsabilidade Civil, temas esses a seguir delineados. 3. Responsabilidade Civil dos Notários e Registradores à luz do Código de Defesa do Consumidor O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) traz o conceito de fornecedor, destacando que pode se tratar de pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, até mesmo de entes despersonalizados, desde que desenvolvam atividades de produção, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Da análise pormenorizada do conceito dois elementos merecem destaque: o subjetivo, ou seja, aquele a quem se atribui o conceito, e o objetivo, representado por uma qualidade externa que somada ao próprio sujeito irá identificá-lo como fornecedor. Da análise do elemento subjetivo percebe-se o enquadramento da mais variada gama de pessoas integrantes do nosso Direito, inclusive entes despersonalizados, desde que estejam realizando as atividades elencadas no caput do artigo 3º do CDC. Ao mencionar as pessoas jurídicas assim não o fez o legislador a esmo, até mesmo porque a norma legal não faz uso de palavras desprovidas de sentido jurídico, mas sim por vislumbrar nesses entes considerável potencial para seu enquadramento como fornecedores de produtos e serviços, o que nos leva à conclusão de que pode haver relação de consumo envolvendo o Estado. Tupinambá Miguel Castro do Nascimento fortifica esse entendimento ao expressar que “tanto pode ser fornecedor a pessoa jurídica de direito público como a pessoa jurídica de direito privado, nacional ou estrangeira.”[12] Ainda no direito público podemos vislumbrar a coexistência nessas modalidades de relações dos entes despersonalizados, encontrando inclusive expressa menção no art. 82, inciso III do Código de Defesa do Consumidor. Por sua •••

Thales Pontes Batista (*)