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BDI Nº.6 / 2008 - Assuntos Cartorários Voltar

A MATRÍCULA NO REGISTRO DE IMÓVEIS: CAUTELAS NA SUA ABERTURA NOS CASOS DE DESMEMBRAMENTO DA SERVENTIA À LUZ DO ARTIGO 169, I, DA LEI Nº 6.015/73 – PARTE I

1. Introdução Com a vigência da Lei 6.015/73 a partir de 01.01.1976, o sistema registral brasileiro busca garantir maior segurança jurídica dos atos praticados dentro do registro imobiliário, ao substituir o fólio pessoal (onde o cadastro das pessoas era o foco) pelo fólio registral (onde o imóvel é a base). Com esse objetivo a lei permitiu o encerramento gradual dos antigos livrões, levando essas informações para as fichas, abertas e numeradas indefinidamente, as quais formariam os livros de folhas “soltas”. O principal livro passou a ser o Livro de Registro Geral (também chamado livro 2), comumente denominado Matrícula, embora com esta não se confunda, que, por sua vez, receberia, a primeira, o nº 1, a segunda, o nº 2, e assim sucessivamente. Busca-se nesse trabalho, após breves considerações sobre conceitos doutrinários, princípios e natureza jurídica da matrícula, identificar em que momento atos registrais permitem ao registrador ABRIR A MATRÍCULA NOS CASOS DE DESMEMBRAMENTRO DA SERVENTIA, tanto na Serventia que sofreu o desmembramento (denominado cartório primitivo, anterior ou antigo) quanto na nova Serventia (cartório novo) oriunda do desmem-bramento e que recebeu a nova atribuição. Analisar-se-ão, especificamente, as hipóteses de incidência do inciso I do artigo 169 da Lei Registral, com as cautelas que deverão ser tomadas por ambos os registradores frente à determinação do citado inciso, quanto à prática dos atos de averbação para a abertura da matrícula – dever ou faculdade? –, limitando-se, ainda, apenas às serventias desmembradas na vigência da lei 6.015/73. 2. Conceitos: A matrícula, com o advento da Lei 6.015, tornou-se a “vedete” do registro de imóveis. Vista às vezes como livro, outras, como ficha, e outras, ainda, como ato de registro, tem merecido atenção especial dos doutrinadores, os quais, ao longo dos anos, apresentaram-nos importantes conceitos sobre ela. Destacamos alguns: a) Arthur Rios (2006): a matrícula é o “Berço do imóvel”; é “o batismo do seu nascimento público.”¹ b) Luiz Richter (2003), “Matrícula é a base física, porque confeccionada em ficha de papel com os requisitos da LRP, e jurídica, porque tem como suporte o domínio”. E mais: “É um ato jurídico lato senso, que não cria, modifica ou extingue direito, mas fixa o atributo de dominialidade [...]”² c) Edson Oliveira (1976), “A matrícula é um ato cadastral.”³ d) Jacomino (2000): “Matrícula é a primeira inscrição no fólio real.”4 e) Maria Gandolfo (2002): “Matrícula é um ato de registro, no sentido lato, que dá origem à individualidade do imóvel na sistemática registral brasileira, possuindo um atributo dominial derivado da transcrição da qual se originou.”5 f) Gilberto Valente (2002): “A matrícula não é ato de registro, no sentindo de que ela, pura e simplesmente, não cria, não modifica, não extingue direitos. Ela é ato de registro no sentido lato porque só existe dentro do sistema registrá-rio.”6 g) Walter Ceneviva (1997): “A matrícula é o núcleo do novo registro imobiliário.”7 Para nós, matrícula é ato registral formal que identifica e singulariza o imóvel, capaz de comprovar a aquisição da propriedade e exteriorizar o caráter dominial deste imóvel e as ocorrências onerativas ou modificativas de direto nele operadas. 3. Princípios A despeito de diversos princípios que regem o registro imobiliário, exaustivamente expostos por nossos doutrinadores – notadamente o da Especialidade (arts. 176, § 1º, II e 225 da LRP) e o da Continuidade (art. 195 e 237 da LRP), não restou dúvida de que um dos principais objetivos da Lei 6.015/73 foi o de assegurar que cada imóvel passasse a ter uma matrícula própria, individualizada. A mudança era necessária para que o registro de imóveis pudesse ser, de fato, o repositório de imóveis e não uma seqüência de registro de títulos e de proprietários independentemente da quantidade de imóveis constante desses títulos. Com isso, tornou-se uma afronta a esses objetivos a abertura de uma mesma matrícula para mais de um imóvel, pois se feria um princípio que então exsurgia: o Princípio da Unicidade Matricial ou Princípio da Unitariedade consagrado pelo art. 176 § 1º, I da LRP, o qual estabelece que um imóvel não pode ser matriculado mais de uma vez: “cada imóvel deve possuir uma única matrícula e cada matrícula deve possuir um único imóvel”. Considerando que o Princípio aplica-se a todos os registros imobiliários, vislumbram-se graves conseqüências do Desmembramento da Serventia quando realizado sem o devido acompanhamento e a indispensável comunicação da abertura de matrícula na nova Serventia, pois é possível UM MESMO IMÓVEL TER MATRÍCULAS ABERTAS NAS DUAS SERVENTIAS as quais, sem a devida comunicação e anotações de praxe, seriam passíveis de receber, simultânea e concomitantemente, atos de averbação capazes de alterar uma realidade fática e comprometer a segurança das informações. 4. Natureza Jurídica da Matrícula A matrícula exprime atos de movimentação de direito real, sendo a aquisição da propriedade o mais importante, cujos efeitos só se aperfeiçoam com a inscrição no livro próprio. Para Afrânio de Carvalho (2006) “o atributo dominial, inerente à transcrição, continua inerente à matrícula”. Tanto assim o é que ao se lançar na matrícula a descrição exata do imóvel, menciona-se, a seguir, o seu proprietário. Afirma, mais, que “se se negasse o caráter dominial – e jurídico – da matrícula [...] o ato subseqüente transmissivo ou onerativo seria nulo por carência de objeto” pois “[...] ficaria sem base dominial onde descansar.”8. 5. O Desmembramento da Serventia e a Competência Residual Temporária Embora o artigo 29 da lei 8.935/94 estabeleça em seu inciso I que “São direitos do notário e do registrador exercer opção, nos casos de desmembramento ou desdobramento de sua serventia”, a despeito da discussão doutrinária sobre a existência ou não de distinção desses dois institutos (REGNOBERTO9, 2000; CENEVIVA10, 1996; ALBERGARIA11, 1995), para nosso estudo interessa o fato de que são institutos distintos objetivando a criação e conseqüente instalação de um novo serviço notarial e ou registral, a partir da divisão de um serviço primitivo. Com respaldo na lei 8.935/94 têm sido freqüentes, nos Estados, as hipóteses de desmembramento ou desdobramento de serventias imobiliárias, seja por alteração na lei de organização judiciária, seja por ato administrativo (embora este tenha sido objeto de apressadas ADIs junto ao Supremo Tribunal Federal), objetivando a transferência da atribuição de registro de imóveis de uma Serventia ou Cartório Primitivo para uma Serventia ou Cartório Novo. Nosso propósito aqui não é tratar da permissão legal de que as Serventias de Registro de Imóveis podem, isoladamente, abrir matrículas com atos de registro ou de averbação, nas hipóteses enumeradas pela própria lei de registros públicos. Mas atentar para os cuidados a serem tomados por ambas as serventias, na abertura das matrículas, após o desmembramento territorial e a instalação da nova serventia. A questão primordial no desmembramento é estabelecer, a partir da instalação ou da assunção da nova atribuição registral imobiliária pela nova Serventia, quais atos podem ser considerados residuais e ainda de competência do Cartório Primitivo, à luz do que determina o art. 169, I da LRP, e se a Nova Serventia poderá abrir, de forma indiscriminada, matrícula “ex officio”, ou por provocação, com ato de averbação, extinguindo-se a competência residual do Cartório Primitivo com a indispensável comunicação da abertura dessa matrícula. Por que não encerrar de vez a competência do ofício anterior com a instalação da nova Serventia? Não há dúvida de que, assim que instalada uma nova serventia oriunda de um desmembramento, a ela competiria a prática de todos os atos sobre os imóveis pertencentes à sua circunscrição, encerrando de vez a competência da •••

Valmir Gonçalves da Silva (*)