DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA EM FIANÇA LOCATÍCIA
INTRODUÇÃO A impenhorabilidade do bem de família foi introduzida pela Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990, segundo a qual, o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável, não respondendo por dívida de qualquer natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses legalmente previstas. Com o advento da Lei nº 8.245 de 1991, foi acrescentado no artigo 3º da Lei nº 8.009, ou mais precisamente através do inciso VII, que a impenhorabilidade não poderia ser oponível em processo de execução por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, e sobre tal tema se restringirá o presente estudo. Muito embora a constituciona-lidade da exceção prevista para os casos decorrentes de fiança locatícia já tivesse sido objeto de discussão nas mais diversas instâncias judiciais, é certo que a Emenda Constitucional nº 26 de 14 de Fevereiro de 2000[1] , ao considerar a moradia como um direito social, promoveu uma relevante modificação neste quadro, provocando diversos e acalorados debates doutrinários e jurisprudenciais. Recentemente o Supremo Tribunal Federal decidiu por maioria de votos nos autos do Recurso Extraordinário 407688, em que foi relator o Ministro Cezar Peluso, pela possibilidade de penhora do único bem de família do fiador no contrato de locação. Tal decisão, contestada por muitos, parece não ter posto fim à discussão, haja vista, que o próprio STF já proferiu decisões em sentido oposto manifestadas nos Recursos Extraordinários de nº 352940 e 449657. Desta maneira, este pequeno trabalho não tem a pretensão de abordar todos os aspectos que a impenhorabilidade do bem de família em fiança locatícia pode ensejar, o que por certo ainda será objeto de análises aprofundadas, mas, todavia, tentará trazer em seu conteúdo, posições controversas, e por fim, uma conclusão isenta e baseada nos diversos aspectos do tema. POSIÇÃO PELA CONSTITUCIONALIDADE Com as alterações que a nova Lei de Locações (8.245/91) promoveu em face da lei do bem de família (8.009/90), nossa jurisprudência dominante passou a entender pela constitucionalidade da constrição sobre o bem de família em casos de fiança locatícia. Não raros são os julgados, no sentido de considerar válida a penhora sobre o bem do fiador ainda que este constitua um bem de família, isto porque, a citada lei de locações autorizou expressamente a penhora do bem de família para garantir débitos decorrentes de fiança locatícia.[2] A eminente professora Maria Helena Diniz ensina que: “...perante esta disposição normativa, o fiador de contrato de locação não poderá opor a impenhorabilidade do imóvel que lhe serve de moradia, no processo de execução contra ele movido, em razão de fiança prestada (AASP, 1.810:6, 1.733:3). Se o inquilino não cumprir seus deveres locativos, abrir-se-á execução contra o seu fiador, e o seu imóvel onde este reside não estará coberto pela garantia de insuscetibilidade de penhora.”[3] Com a constitucionalização do direito à moradia, as discussões sobre o tema ganharam maior complexidade, pois diversos juristas passaram a considerar que o artigo 3º, inciso VII, da Lei 8.009/1990 não foi recepcionado pelo artigo 6º da Constituição Federal. Entretanto, há teses que sustentam que a referida lei ainda mantém sua constitucionalidade, uma vez que, os invocados princípios da isonomia e da moradia não teriam sido violados, isto porque no caso da isonomia, não se poderia confundir as figuras do locatário e do fiador, por terem esses naturezas jurídicas diversas[4] , sendo que apesar do gravame maior recair sobre o fiador, tal fato, por si só não representaria uma ofensa ao princípio da isonomia. Ainda no que tange ao princípio da isonomia, já se tem defendido também, que ofensa a este haveria no caso do reconhecimento da inconstitucionalidade da norma, eis que, a aplicação da lei em benefício exclusivo do fiador trataria as partes de maneira desigual, ferindo, portanto, o que determina o artigo 5º caput da Constituição Federal. No que infere ao princípio constitucional da moradia, argumentam os contrários à tese de inconstitu-cionalidade que a incidência do direito social de moradia agora previsto no artigo 6º caput da CF, trataria-se de norma programática, carecendo, portanto, de regulamentação, sem a qual não possuiria eficácia plena[5]. Defendeu-se ainda o posiciona-mento de que, o direito à moradia não estaria sendo afrontado com a penhora, eis que, ao garantir a lei do inquilinato esta exceção à regra de impenhorabilidade dos bens de família, aumentou-se as garantias locatícias, trazendo menos risco a essa modalidade de contrato, e, portanto, menores preços aplicados no mercado, o que, na prática refletiria até mesmo em maior garantia de acesso ao direito de moradia. Tal tese parece ter sido a adotada pelo ministro Cezar Peluso ao relatar o Recurso Extraordinário 407688.[6] Finalmente, suscitou-se a respeito do tema, tese na qual a liberdade de contratar implica em riscos e assim há que prevalecer o •••
Marcos Alexandre de Abreu (*)