O REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL E SEUS REFLEXOS NO REGISTRO DE IMÓVEIS – POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO REGIME, NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO
1. Introdução Antes de adentrarmos nos efeitos do regime legal de bens (comunhão parcial) no registro imobiliário, faz-se necessário falarmos sobre os regimes de bens e as peculiaridades de cada um deles, uma vez que a união pelo casamento traz reflexos patrimoniais para o homem e a mulher, especialmente após o desfazimento do vínculo conjugal. Assim, o regime de bens entre os cônjuges compreende uma das conseqüências jurídicas do casamento. Conceitualmente, “regime de bens é o estatuto que regula as relações patrimoniais entre os cônjuges, e entre estes e terceiros” (Santos, 1999:291). Sílvio de Salvo Venosa preceitua que “o regime de bens constitui a modalidade de sistema jurídico que rege as relações patrimoniais derivadas do casamento. Esse sistema regula precipuamente a propriedade e a administração dos bens trazidos antes do casamento e os adquiridos posteriormente pelos cônjuges”. Assim, não podemos falar em casamento sem a existência de um regime de bens. Ainda que haja o silêncio dos cônjuges, a lei supre sua vontade e disciplina o regime patrimonial de seu casamento. O artigo 1.639 do Código Civil Brasileiro previu a liberdade de escolha pelos cônjuges do regime de bens no casamento: “É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”. O código de 1916 estabeleceu a imutabilidade do regime de bens, contudo, tomando o exemplo do direito comparado, o Código de 2002 passou a admitir a alteração do regime de bens, “mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros” (art. 1.639, § 2º). Neste tópico a grande polêmica se firmou em virtude do que preceitua o artigo 2.039 do CCB; “Art. 2.039. O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido”. Assim, fazendo uma singela leitura do artigo 2.039 seria inviável juridicamente a alteração do regime de bens, nos casamentos celebrados na vigência do CCB de 1916. Contudo, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime, julgou possível a alteração do regime de bens de casamentos contraídos antes da vigência do novo Código Civil brasileiro. O recurso era de um casal que, em 1995, havia adotado o regime de comunhão parcial e queria, em fevereiro de 2003, passar ao de separação total. A primeira instância negou o pedido, sustentando que o art. 2.039 do novo Código Civil explicitamente afirma que “os regimes de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido”. O casal alegava também que havia solicitado ao cartório, quando do casamento, a elaboração de pacto antenupcial com a previsão do regime de separação de bens, o que não foi realizado por erro. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) negou a apelação do casal nos mesmos termos da sentença. Daí o recurso especial ao STJ. O ministro Jorge Scartezzini, relator do recurso na Quarta Turma, explicou que o Código Civil de 1916 realmente impedia a alteração do regime de bens escolhido pelos que se casam, exceto em alguns casos excepcionais, sendo irrevogável durante a vigência do casamento. No entanto, afirmou o relator, o novo Código Civil, de 2002, inovou, dispondo, em seu art. 1.639, ser “admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”. Assim, acrescentou o ministro Jorge Scartezzini, “editou-se, também, o art. 2.039, ora focado, localizado no Livro Complementar das Disposições Finais e Transitórias, o qual determinou, quanto ao regime de bens dos casamentos celebrados anteriormente à vigência do novo Estatuto, que se aplicassem as regras do antigo Código.” Correntes doutrinárias - O ministro esclareceu ainda que as instâncias ordinárias, seguindo parte dos doutrinadores nacionais, adotaram uma orientação “literalista” ou “textualista” da norma, pressupondo que a permissão de alteração do regime de bens é cabível apenas aos casamentos ocorridos após a entrada em vigor do novo Código Civil. Essa interpretação se fundamentaria no respeito ao ato jurídico perfeito consagrado pela Constituição Federal, que forçaria a manutenção do pacto relativo ao regime de bens. Para essa corrente doutrinária, o artigo do novo Código Civil afirma que os casamentos realizados antes de sua vigência são regidos pelo Código anterior e se aplicaria não só às regras específicas, que tratam de cada um dos aspectos peculiares dos regimes, mas também às regras gerais, como as que prevêem a responsabilidade do marido ante a esposa e herdeiros em se tratando de rendimento comum. Por outro lado, continua o relator, nomes de relevo na doutrina brasileira defendem a possibilidade de alteração do regime de bens com relação a casamentos ocorridos antes do novo Estatuto Civil, desde que ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos •••
Telma Lúcia Sarsur (*)