CAUÇÃO DE IMÓVEIS
Muito se fala em “caução de imóveis”, especialmente depois do advento da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, a atual Lei de Locações. É que a partir desta lei, expressamente passou-se a admitir que imóveis garantissem o pagamento das obrigações decorrentes do contrato de aluguel. O imóvel é excelente garantia, sempre o foi. A nova Lei de Locações inovou apenas ao prever a garantia imobiliária para escudar os contratos de locação, mas remeteu (ou deixou) todo o demais para a lei civil (tipificação do direito real, instrumentalização e constituição da garantia). As propostas deste trabalho são analisar: 1) como se tipifica a garantia (caução) imobiliária; 2) como se instrumentaliza o título tendente à constituição da garantia; e 3) como efetivamente se constitui esta garantia. CAUÇÃO CAUÇÃO é o GÊNERO dos direitos de garantia. CAUÇÃO é sinômo de GARANTIA. Caução de imóvel não existe como direito; é plural de direitos. Caução real não é instituto jurídico, é coletivo destes. Quando a lei refere-se a “dar em caução”, “constituir caução”, quer dizer o mesmo que “dar em garantia”, “constituir garantia”. E cabe aos contratantes (ou ao juiz, nas cauções judiciais forçadas) estabelecer qual o tipo de garantia - hipoteca, anticrese, penhor, fiança, caução de títulos ou direitos etc. A caução “não é figura específica no direito processual, pois sua presença se encontra, freqüentemente, nos mais variados ramos do direito e até sob a forma de cláusulas contratuais em negócios privados e públicos. Sempre que se impõe ou se dá garantia de cumprimento do pactuado, do prometido ou do determinado, depara-se com a figura jurídica da caução”. (HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, in Processo Cautelar, Livr. Ed. Universitária de Direito, 10ª ed., nº 211. pp 255-256). As cauções podem ser REAIS ou PESSOAIS, estas também chamadas fidejussórias. Quando a caução (portanto quando a garantia) for REAL, deve ela consubstanciar-se em um dos DIREITOS REAIS DE GARANTIA existentes no Direito Positivo Brasileiro - HIPOTECA e ANTICRESE quando o bem for imóvel; PENHOR, quando o bem for móvel. “A caução, segundo nos ensina DE PLÁCIDO E SILVA, em seu Vocabulário Jurídico, é termo genérico, complementar a uma relação jurídica principal .... No sentido lato engloba a hipoteca, o penhor e a anticrese, que são os direitos reais de garantia disciplinados pelo Código Civil.(SYLVIO CAPANEMA DE SOUZA, in Da Locação do Imóvel Urbano, ed. Forense, 1999, p. 234). É no léxico que encontramos outras definições de caução: Caução. (dir. proc. civ.) Nos casos em que no decorrer de um processo haja necessidade de caução de uma das partes, ela será prestada mediante hipoteca, depósito, fiança ou penhor. Prevenção. Precaução. Caução. (dir. civ.) Garantia de terceiro para pagamento de uma obrigação do devedor. Pode ser real, quando recai sobre bens móveis ou imóveis (penhor, anticrese, hipoteca, jóias, títulos, dinheiro, valores), ou fidejussória (mediante fiança pessoal). Pode ser representada também por direitos. A caução de direitos ou de títulos de crédito é considerada modalidade de penhor. Os direitos caucionados podem ser de natureza real ou obrigacional. (LEIB SOIBELMAN, in Enciclopédia do Advogado, Thex Editora). Beira a exaustão a forma pela qual os autores enfatizam a diferença entre CAUÇÃO - termo genérico que não corresponde a nenhum direito de garantia específico, e o DIREITO REAL em espécie (hipoteca, penhor, anticrese). “A caução, em sentido lato, significa garantia. ... Diante da multiplicidade de natureza e conteúdo que a caução pode assumir, é possível classificá-la da seguinte maneira: a) cauções legais; b) cauções negociais; c) cauções processuais.” ... “As cauções negociais constituem-se na garantia que uma parte dá à outra do fiel cumprimento do contrato ou um negócio jurídico. São exemplos típicos dessa caução o penhor, a hipoteca e a fiança ...”. “Já vimos, ao iniciarmos o estudo da caução, que caução é garantia. Aquele que for obrigado a prestar caução pode oferecer a garantia que melhor lhe convenha, desde que aceita pela outra parte e considerada idônea pelo juiz”. .... “E o imóvel, pode ser oferecido em garantia e, portanto, em caução?” “Sem dúvida que sim. Oferecido um imóvel em garantia para ser objeto de caução, a roupagem jurídica que a caução se constituirá é a hipoteca.” (ELVINO SILVA FILHO, in as Medidas Cautelares no Registro de Imóveis, publicada na Revista de Direito Imobiliário do IRIB - Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, de nº 22, p. 7 e ss.). E não se diga que o contexto da Lei do Inquilinato é outro. Não se afirme que aquela lei “criou” novo instituto, novo direito real de garantia, somente porque em seus artigos 37 e 38 refere-se à possibilidade de ser oferecida CAUÇÃO DE IMÓVEL como garantia locatícia. É claro que pode haver CAUÇÃO DE IMÓVEL, desde que escolhido o direito real correspondente - HIPOTECA, ao que tudo indica, mas também a ANTICRESE, se assim o quiserem as partes. Os autores mais renomados que já fizeram a análise da questão afirmam: CAUÇÃO REAL não é um DIREITO REAL, é o COLETIVO DOS DIREITOS. Para que não se fique somente na minha palavra, vejamos: “Na Lei de Locações (Lei nº 8.245, de 18-10-1991), há indicação das garantias locatícias, entre elas a fiança, o seguro de fiança locatícia e a caução sobre bens móveis e imóveis. Esta última, a caução imobiliária, é direito real de hipoteca.”. (TUPINANBÁ NASCIMENTO, in Hipoteca, Aide Editora, 2ª ed., 1996, p. 12). Ou, nas palavras do festejado Desembargador Sylvio Capanema de Souza, a quem mui justamente se atribui a autoria dos melhores estudos preliminares que culminaram com a edição da atual Lei de Locações: “Poderá, ainda, o locatário oferecer em garantia bens imóveis, seus ou de terceiros, o que equivale à hipoteca.” (SYLVIO CAPANEMA DE SOUZA, in A Nova Lei do Inquilinato Comentada, ed. Forense, 3ª ed., 1993, p. 149). A propósito dessa manifestação de SYLVIO CAPANEMA DE SOUZA, trago aqui uma indagação que parece estar bem no cerne da questão discutida: Há quem afirme que o legislador quis criar mecanismos jurídicos “mais fáceis, menos burocratizados”, para que fossem constituídas as garantias dos contratos de locação. E, para tornar mais fácil, menos burocrático, teria admitido a “caução imobiliária” constituída no próprio instrumento do contrato de locação, portanto admitindo que o fosse por instrumento particular, e ainda mais, querendo que o ato registral fosse também eventualmente mais simplificado, de averbação e não de registro. A estes lanço o repto: se o próprio mentor intelectual da nova lei nega tudo isto, se é o próprio SYLVIO CAPANEMA DE SOUZA, do alto de sua autoridade intelectual, quem diz que a caução imobiliária da lei do inquilinato deve ser hipoteca e que deve ser celebrada em escritura pública, qual é mesmo a tal “vontade do legislador” de que falam? O articulador da lei não quis nada assim, eis que, imediatamente após a edição da lei, brinda o mundo jurídico nacional com duas formidáveis obras sobre a matéria, e nas duas é enfático em dizer que a caução imobiliária deve ser por escritura pública de hipoteca. Mas mesmo que se admita que o legislador quisesse criar nova modalidade de garantia real - •••
Mario Pazutti Mezzari - Oficial do 1º Registro de Imóveis de Pelotas, RS