O ENGRAXATE E O JORNALEIRO: UM ALVITRE AOS CARTORÁRIOS PAULISTANOS
Entre o prédio do Tribunal de Justiça de São Paulo e o Fórum de Primeira Instância da Capital, está a Praça João Mendes, assim denominada em homenagem a um grande jurista do passado. Por tal praça, nos dias úteis, passa uma enorme quantidade de pessoas, muitas das quais se dirigem a um daqueles prédios. São magistrados, promotores, advogados, peritos, funcionários dos cartórios judiciais, bem como cartorários; entre estes, notários e registradores. Por ali passa também o “povão”, que carrega no seu andar as angústias que o martirizam e os sonhos que lhe dão vida e esperança. Nessa praça há uma estátua, suportada por um pedestal de granito, perante a qual eu sempre paro, a fim de admirar a expressão humilde e sofrida que o sensível escultor colocou naquelas duas figuras: o engraxate e o jornaleiro. Quando eu morava no interior e tinha necessidade de vir a São Paulo, conheci vivas aquelas duas figuras que marcaram o centro velho da cidade e que não desapareceram, por estarem perpetuadas no bronze. O jornaleiro, em geral, era um menino vestido com calça de brim, camisa de riscado parcialmente fora da calça e suspensório de pano, saltando de um bonde para outro com muita agilidade, sem nenhuma agressividade, oferecendo com voz estridente, compassada e ritmada: “Fanfula, Noite Ilustrada, Diário, o Estado”. E o engraxate, num desvão de esquina, oferecia seu humilde serviço, com uma expressão que era um misto de oferta e de pedido: “Vai graxa, moço?”. Veio o progresso. O menino engraxate e o menino jornaleiro desapareceram. O que vemos hoje no centro de São Paulo? Nem é bom esclarecer. Qualquer menino que lá encontramos não é nem engraxate nem jornaleiro. Estes existem apenas na estátua que vejo quando passo pela Praça João Mendes e diante dela paro, emocionado e saudoso daquele “velho tempo”, que procuro e não encontro no “centro velho” de São Paulo. Cassiano Ricardo, em versos, registrou a agilidade do “menino jornaleiro” vendendo sua mercadoria. Tanto o engraxate quanto o jornaleiro foram figuras humildes, mas admiráveis e empolgantes do nosso passado, e, por assim serem, estão perpetuadas em versos e em estátua. Mas os centros urbanos submetem-se também ao inexorável princípio de Lavoisier, segundo o qual “na natureza, nada se cria e nada se perde, mas sim tudo se transforma”. O nosso centro paulistano transformou-se; porém, nessa triste transformação, o artista perpetuou no bronze a lembrança de que um dia efetivamente existiram o engraxate e o jornaleiro na praça que leva o nome de um grande jurista do passado, a comprovar a afirmativa do poeta de que “a praça é do povo”. Só naquela praça tal •••