COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - REVISÃO CONTRATUAL - CLÁUSULA DE REAJUSTE ABUSIVA
ACÓRDÃO O instituto da lesão, já prenunciado no projeto do novo Código Civil, é apropriado para adeqüação de cláusula financeira de venda e compra de um terreno de 125 m2, sem rede de água, esgoto e energia elétrica, em bairro periférico, negociado por valor quase cinco vezes maior que o preço de mercado à pessoas inexperientes - Provimento parcial para valorização da concepção social do contrato, consagrando o princípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CF) e da boa-fé na relação de consumo (arts. 29, 51, IV e § 1º, II, da Lei nº 8.079/90 e 5º da LICC). Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 115.014-4/2, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes Antonio Carlos Gomes e outro, sendo apelado Zitune Empreendimentos Imobiliários S/A.: Acordam, em Terceira Câmara de Férias Janeiro/2001 de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, dar provimento, em parte, ao recurso. Antonio Carlos Gomes e Euclides Barbosa são vizinhos de casas no Jardim Bandeirante, Bairro de Itaquera, nesta Capital e movem, com as respectivas esposas, ação de reconhecimento de nulidade parcial de contrato de venda e compra com valor parcelado que fizeram dos terrenos (de 125 m2), nos quais construiram suas residências, por abuso econômico na composição do preço, contextualizado como astronômico e impagável. Citam os arts. 26, V, da Lei 6766/79 – de parcelamento do solo; 46, 6º, II, IV e V, da Lei 8078/90 – defesa do consumidor e 147, II, c.c. o art. 153, do Código Civil. Figura como ré a empresa Zitune Empreendimentos Imobiliários ltda. O negócio foi fechado por R$ 70.052,32. Pagou-se R$ 2.500,00 como sinal e o restante foi parcelado em 144 prestações, sendo que as primeiras 24 seriam de R$ 250,00, com reajustes bienais na seguinte ordem: R$ 312,50; R$ 390,62; R$ 488,28; R$ 610,35 e R$ 762,93. Os autores exibiram três laudos que informam o prêço de mercado dos terrenos como inferior a R$ 15.000,00 (fls. 98/100). Os autores querem manter os imóveis, pagando o preço justo ou o corrente e pediram ao Juiz a revisão do preço, além da exclusão de uma outra cláusula (oitava), que obriga os compradores ao pagamento dos impostos. Não obtiveram sucesso e recorrem da r. sentença que declarou a improcedência. É o relatório. Apegar-se demasiadamente ao princípio da autonomia da vontade em ações contratuais é, na disputa por justiça comutativa, correr o risco de ser ultrapassado por técnicas saudáveis do dirigismo contratual ou intervenção que salva o negócio da opressão que revolta. Este o pecado da r. sentença, no que concerne ao fundamento principal. A cláusula oitava é legítima. A que compõe o preço, não. A lesão, causa de anulabilidade do ato jurídico, inclusive da compra e venda, era prevista na Consolidação de Teixeira de Freitas (arts. 359, 561, 562 e 564), valendo anotar que para o comprador era caracterizada quando “comprou por mais de quinze o que, na verdadeira e geral estimação, vale dez ao tempo do contrato” (Typ. Laemmert, 1876). O fundamento da lesão consistiria na falta de correlação que sustenta o princípio da equivalência das obrigações ou “quando a cousa que se recebe não chega em valor à metade do que se dá”, uma desigualdade repelida pelo direito romano (Lacerda de Almeída, Obrigações, Typ. Reinhart, 1897, p. 261). No limiar do novo milênio não será, por certo, o vácuo do ordenamento próximo da jubilação (o nosso Código Civil de 1916) o ponto neutro do sistema que impede a restauração da justiça contratual. O Instituto da lesão é mais uma técnica de conscientização jurídica na política contra o contrato estrangulatório, aquele que é celebrado •••
(TJSP)