ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL
Eduardo de Assis Brasil Rocha (*) 1.- Há quase um ano publicada, a Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1.997, que criou o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), teve como principal objetivo a promoção do financiamento imobiliário em geral, além de também trazer para o direito positivo brasileiro a figura da alienação fiduciária de coisa imóvel. Assim, embora a nova legislação tenha sido elaborada, primeiramente, como se disse, para disciplinar as regras do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), também trouxe no seu bojo, no Capítulo II, regras gerais sobre o instituto da alienação fiduciária de coisa imóvel. Figura já conhecida entre nós, a alienação fiduciária foi introduzida no direito brasileiro pelo Art. 66, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1.965, que disciplinou o mercado de capitais e estabeleceu medidas para o seu funcionamento, tendo, desde então, larga utilização na tutela do crédito direto ao consumidor. Referida legislação sobre a matéria, por ser demais resumida, teve que ser reformulada pelo Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1.969, o qual trouxe modificações, tanto no campo do direito material, quanto no terreno do direito processual. A principal alteração legislativa foi no sentido de possibilitar a ação de busca e apreensão, como processo autônomo e independente de qualquer procedimento posterior, com a finalidade de recuperar o bem alienado fiduciariamente, desde que comprovada a mora e o inadimplemento do devedor. No entanto, argumentou-se que os dispositivos da lei somente podiam ser aplicados às hipóteses de alienação fiduciária de coisas móveis, embora PONTES DE MIRANDA¹ E CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA2 já sustentassem a sua extensão às coisas imóveis, o mesmo ocorrendo com a escassa jurisprudência sobre o tema3. Assim, com o objetivo de unificar posicionamentos doutrinários e jurisprudênciais, o legislador pátrio, agora, a partir da Lei nº 9.514/97, expressamente introduziu no nosso ordenamento jurídico a figura de alienação fiduciária para coisas imóveis. 2.- Com efeito, a alienação fiduciária vem a ser um negócio jurídico bilateral, que visa transferir o domínio resolúvel de coisa imóvel, com fins de garantia, servindo assim, de título à constituição da propriedade fiduciária. Desta forma, há que se distinguir, preliminarmente, os conceitos de alienação fiduciária propriamente dita e de propriedade fiduciária, como já fazia JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, na obra "Da Alienação Fiduciária em Garantia", 3ª ed., Ed. Forense, p. 34, 1.9874. A alienação fiduciária é o contrato gerador do direito pessoal, ou seja, o título hábil para a transferência da propriedade fiduciária, de cunho resolúvel, com finalidade de garantia de uma obrigação. A propriedade fiduciária, por sua vez, trata-se de um novo direito real de garantia, que, uma vez devidamente constituído, através do seu registro no Cartório de Imóveis, em ato contínuo, determinará o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel, através do chamado "constituto possessorio", uma das modalidades da "traditio ficta". Em assim sendo, a constituição da propriedade fiduciária somente se dará através do registro do contrato de alienação fiduciária no Ofício do Registro de Imóveis. Nesta linha, em termos de efetiva garantia, de nada adiantará o contrato de alienação fiduciária, se o mesmo não lograr o seu ingresso no fólio real do Ofício Fundiário. Esta natureza jurídica do instituto, o legislador bem definiu nos Arts. 225 e 236 da Lei nº 9.514/97. Por fim, como domínio resolúvel, a propriedade fiduciária deverá obedecer as regras do Arts. 647 e 648 do Código Civil Brasileiro7, apresentando vantagens sobre os outros direitos de garantia, na medida que o bem não estando mais no patrimônio do devedor, não poderá responder por outras dívidas do fiduciante8. 3.- O instituto da alienação fiduciária em garantia de bens imóveis pode ser utilizado por quaisquer pessoas, físicas e jurídicas, podendo ter como objeto bens concluídos ou em construção, não sendo privativa das entidades que operam no SFI. No entanto, embora a lei tenha aberto o seu leque de abrangência com relação à utilização do instituto da alienação fiduciária, não o fez relativamente aqueles que podem realizar operações de financiamento imobiliário, pelo SFI. Em outras palavras, a alienação fiduciária é um instituto que poderá ser utilizado por todos, mas, no entanto, as regras quanto as operações de financiamento imobiliário, pelo SFI, somente poderão ser utilizadas por caixas econômicas, bancos comerciais, bancos de investimento, bancos com carteira de crédito imobiliário, sociedades de crédito imobiliário, associações de poupança e empréstimo, companhias hipotecárias e outras entidades a critério do Conselho Monetário Nacional. Assim, particulares, especialmente empresas da construção civil, diretamente, sem a participação de instituições financeiras, não poderão contratar se utilizando das regras do SFI, no que diz respeito ao financiamento imobiliário propriamente dito (correção monetária, juros, etc.), emissão de certificados de recebíveis imobiliários (CRI), securitização de créditos, cessão fiduciária de direitos creditórios, caução de direitos creditórios, dentre outros. Desta forma, na grande maioria das vezes, o contrato de alienação fiduciária acabará surgindo em uma operação triangular, ou seja, serão partes o vendedor do imóvel, o comprador/fiduciante e a instituição financeira/mutuante, que será a fiduciária. Será uma operação simultânea, nos mesmos moldes dos contratos do sistema financeiro da habitação. O vendedor venderá ao comprador o imóvel. A instituição financeira fornecerá ao comprador, a título de mútuo, o numerário para pagar o preço da transação. Como garantia do pagamento, o comprador alienará fiduciariamente o imóvel adquirido à instituição financeira. Com isto não se está querendo dizer que os particulares, principalmente as empresas da construção civil, não poderão, diretamente realizar uma compra e venda com o adquirente, com o preço a ser pago em parcelas, tendo como garantia do pagamento do ajuste a alienação fiduciária do bem adquirido. Ressalta-se, outrossim, que não havendo a participação de instituições financeiras, a empresa construtora terá que, primeiramente e de forma efetiva, alienar o imóvel ao comprador, evidentemente ajustando que o pagamento do preço será feito em parcelas, para, posteriormente, dar-se a alienação fiduciária do bem adquirido, em garantia do adimplemento, por parte do adquirente. Portanto, o bem terá que sair do patrimônio da empresa construtora, para, em ato contínuo, retornar de forma resolúvel, através de alienação fiduciária, como forma de garantia do pagamento do preço, por parte do adquirente. Isto, portanto, leva à incompatibilidade jurídica de se realizar uma promessa de compra e venda seguida de alienação fiduciária, pois somente o proprietário é que pode alienar fiduciariamente. O promitente comprador, desta forma, não poderá alienar o bem compromissado como garantia do pagamento do preço. De outro lado, o particular apenas poderá se utilizar das disposições sobre a alienação fiduciária, a título de garantia mas não poderá se valer das regras do Sistema Financeiro Imobiliário, previstas na Lei nº 9.514/97, ficando sujeito às regras da legislação civil, quanto à compra e venda, correção do preço, juros, extinção do contrato, dentre outras9. 4.- Quanto à forma do contrato de alienação fiduciária, a Lei, quebrando, em parte, uma tradição do Art. 134, inc. II, do Código Civil Brasileiro, possibilitou a formalização do negócio jurídico através de instrumento particular. No entanto, neste ponto, é importante fazer uma divisão, ou seja, aqueles negócios realizados pelas entidades autorizadas a operar no SFI e aqueles negócios realizados pelas demais pessoas físicas e jurídicas. Diz o Art. 39 da Lei nº 9.514/97, que "os contratos resultantes da aplicação desta Lei, quando celebrados com pessoa física, beneficiária final da operação, poderão ser formalizados por instrumento particular". Assim, em primeiro lugar, quanto aos contratos de alienação fiduciária propriamente ditos, considerados de forma isolada, dentro ou fora do SFI, quando o fiduciante for pessoa física, os mesmos poderão ser celebrados por instrumento particular, indistintamente. Quando o fiduciante, destinatário final da obrigação, for pessoa jurídica, então os contratos de alienação fiduciária deverão ser formalizados através de instrumentos públicos, obrigatoriamente. Agora, quanto aos títulos de aquisição de imóveis a serem alienados fiduciariamente10, caso não resultarem da aplicação das regras do sistema financeiro imobiliário, ou seja, na hipótese de serem realizados diretamente por particulares, que não autorizados a operar no SFI, terão que observar, também, a forma pública. Como já se falou, primeiro ocorre a alienação, por escritura pública e, após, em ato contínuo, como garantia do pagamento do preço, a alienação fiduciária. De •••
Eduardo de Assis Brasil Rocha (*)