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BDI Nº.19 / 1993 - Assuntos Cartorários Voltar

NOTÁRIOS E REGISTRADORES. UMA VISÃO INTEGRADA

Antonio Albergaria Pereira - Advogado e ex-notário Conforme noticiamos, divulgamos a tese do dr. José Flávio Bueno Fischer (*), notário em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. O que ele propõe é a integração de notários e registradores, na execução dos seus serviços, como forma de valorizá-los. Divulgando esse trabalho, a direção do Boletim do Direito Imobiliário o faz como homenagem aos que integram as classes de notários e de registradores, que tanto prestígio e valor vêm dispensando ao nosso Boletim Cartorário. INTRODUÇÃO Têm sido freqüentes as manifestações de colegas notários e registradores, em todo o país, referentes às dificuldades em estabelecer o necessário e indispensável relacionamento profissional, e mesmo pessoal, de ambas as categorias de prestadores de serviços. A história desse relacionamento, especialmente a não escrita, aquela apenas verbalizada, cochichada, é plena de referências por vezes até grotescas e agressivas, quanto ao comportamento, à postura e até à ética dos profissionais desses serviços, e dos seus substitutos e demais auxiliares. Falar e escrever sobre a importância dos serviços mencionados seria redundância perante um auditório como este, repleto de profissionais de todo o Brasil, notadamente registradores. Não é este o escopo deste pequeno trabalho. A intenção e o desejo, mais do que a pretensão e a vontade, é de, e apenas, provocar uma reflexão, uma parada, uma avaliação do contexto nacional em que estamos envolvidos, registradores e notários, tendo em conta, primordialmente, a comunidade a que servimos. Não consigo conviver com reclamações, comentários e até denúncias relativas à falta de acesso, ao fechamento encastelado de alguns profissionais, à insensibilidade freqüentemente percebida na postura dos titulares e de seus auxiliares, no trato com os usuários de nossos serviços. Preocupam-me as instituições: o notariado e os registros públicos, sua natureza e a forma como vêm sendo exercidos. Questiono-me, permanentemente, quanto à fidelidade com que estamos desempenhando nossas atividades, em relação aos verdadeiros fins a que se destinam. Indago-me, profundamente, a respeito do quanto tenhamos merecido, através da história, a pecha de “donos de cartório”, com todas as nuances e interpretações que até agora tenham sido dadas às nossas funções: máquinas de fazer dinheiro, privilégios, ranços poeirentos, feudos, corporações protegidas, apadrinhamento político e econômico, etc. Terá valido alguma coisa nosso tão decantado artigo 236 da Constituição Federal? De que serve, realmente, nossa exclusão, absolutamente acertada tecnicamente, do âmbito e do capítulo do Poder Judiciário? Quanto conquistamos até agora, com todas nossas árduas lutas pelo reconhecimento legal de nossa atividade, de acordo com o novo preceito constitucional? E se mais não obtivemos, a que devemos atribuir isso? Serão culpados e responsáveis os políticos, os governantes, os legisladores, o Poder Judiciário, o público usuário? Ou não estaria na exata hora de, efetivamente, examinarmos o que se passa por dentro de nossas instituições, no interior de nossas organizações, nas dependências em que estamos instalados, na estruturação que fomos capazes de imprimir em nossas atividades, no íntimo e no espírito que nos move a todos e a cada um de nós titulares desses serviços, e naquilo que, necessária e indissoluvelmente transmitimos, diuturnamente, aos nossos auxiliares e, de conseqüência, a todos quantos são servidos (se realmente o são) por nós? Estas são, senhoras e senhores congressistas e assistentes, as reflexões e indagações que proponho neste momento, pensando que ainda é tempo de se buscar e obter uma verdadeira virada, uma autêntica guinada, rumo ao reconhecimento público e à afirmação plena de nossas instituições notariais e registrais. E é nesse contexto, nesse universo de situações e de relações em que nos encontramos agora, em meio a um caminho constitucional e legal carente de definições, até mesmo com tentativas provenientes dos mais variados setores da sociedade em interferir na regulamentação de nossas atividades, nesse ambiente instável, social, política e economicamente, que me disponho a refletir neste congresso, muito mais voltado para dentro de nós mesmos, do que buscando atribuir nossas vicissitudes, dificuldades e tropeços ao eventual desconhecimento dos outros, às intenções corporativistas de outras profissões, aos receios de perda de poder e de influência de outras instituições. O fato é que, em realidade, não temos sido muito competentes, como um todo, no mister de exercer digna, técnica e eticamente nossa profissão, e, em decorrência, jamais seria possível que o público, usuário direto ou indireto, fosse atingido, positivamente, por algo que não vem de dentro, que não é autêntico, que não tem consistência, que carece de conteúdo. Pois bem, reflitamos, pensemos seriamente, examinemos o que se passa em nosso meio, investiguemos as reais causas do estado em que nos encontramos, e, então, sejamos suficientemente corajosos para propor e realizar as mudanças necessárias e possíveis, tenhamos a humildade de aceitar aquilo que deva permanecer como está, e sejamos sábios o bastante para distinguir claramente uma de outra dessas situações. I - A FUNÇÃO NOTARIAL À guisa de informação, eis não ser propósito definir e investigar exaustivamente cada uma das funções ora examinadas, trago à apreciação deste congresso, em primeiro plano, transcrição extraída do Provimento nº 3/90, da Corregedoria Geral da Justiça do Rio Grande do Sul, Secção I, Capítulo I, Título VI (Dos Tabeliães), Da Função Notarial, : 1.1. Ao Tabelião é atribuída a função de: a) conferir fé pública às relações de direito privado, não objeto de ações em juízo; b) acolher, interpretar e formalizar juridicamente a vontade das partes; c) intervir nos negócios jurídicos a que as partes devam ou pretendam dar forma legal ou autenticidade, redigindo e autorizando os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas; d) conferir autenticidade a documentos avulsos; e) autenticar fatos. No anteprojeto de LEI NOTARIAL elaborado pelo Colégio Notarial do Brasil, e publicado pela Secção do Rio Grande do Sul, em 1978, assim está escrito: Art. 1º - O tabelião ou notário é o oficial público encarregado da tutela administrativa de interesses privados, a quem se atribui a função de: a) exercer a fé pública nas relações de direito privado que se estabelecem ou se declaram sem controvérsia judicial; b) acolher, interpretar e formalizar juridicamente a vontade das partes; c) intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou pretendam dar forma legal ou autenticidade, redigindo e autorizando os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo; d) conferir autenticidade a documentos avulsos; e) autenticar fatos. No substitutivo ao projeto de Lei Notarial e Registral regulamentadora do art. 236 da Constituição Federal, da lavra do ilustre relator Deputado Renato Vianna, assim está expresso: Art. 31. Aos notários ou tabeliães compete: I - acolher, interpretar e formalizar juridicamente a vontade das partes; II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo; III - autenticar fatos. Art. 34. Integram a atividade notarial: I - verificar a identidade, capacidade e representação das partes, quando for o caso; II - aconselhar, com imparcialidade e independência, os interessados, instruindo-os sobre a natureza e as conseqüências do ato que pretendem realizar; III - redigir os instrumentos públicos, utilizando os meios jurídicos mais adequados aos fins em vista; IV - apreciar, em negócios imobiliários, a prova dominial... Em recente trabalho, o renomado e insigne tabelião e registrador aposentado CARLOS LUIZ POISL faz precisa análise da fé pública notarial, bem como da registral e administrativa, permitindo compreensão clara do tema. No item nº 3 - O PROTESTO É ATO NOTARIAL, o jurista e doutrinador notarial Poisl afirma: “A fé pública notarial é distinta da fé pública em geral de que são dotados os funcionários da administração, os funcionários judiciais, e, também, os registradores. A fé pública é a essência da função notarial e por isso ela se distingue da fé pública em geral. O tabelião tem por razão de ser, por objetivo, por missão funcional (o grifo é meu), imprimir fé pública nas declarações de vontade e de fatos, o que as torna irrefutáveis para todos o fins de direito. Reputa-se verdadeiro tudo o que o tabelião declara no instrumento público notarial regularmente formado. Somente uma sentença judicial exarada em ação própria, especialmente instaurada para tanto, que a decrete como falsa, pode opor-se a uma declaração contida em instrumento público notarial. Por isto é que é exigida, via de regra, a escritura pública - ato notarial por excelência - para a transmissão de direitos reais em imóveis, transmissão essa que não se efetiva pela simples tradição. Só a escritura pública dá certeza da regularidade da transmissão e por isso confere a desejada tranqüilidade e segurança às negociações imobiliárias. Ela, por si só, sem necessidade de comprovação adicional, dá plena certeza, com presunção legal de verdade: da data do negócio, do lugar, da identidade das partes, da capacidade das partes, da legitimidade da eventual representação de alguma parte, da existência legal da parte que é pessoa jurídica e da identidade e legitimidade de seu representante, do objeto, da titularidade e disponibilidade do objeto, das condições ajustadas pelas partes quanto ao preço, modo de pagamento, transmissão de direitos reais e pessoais sobre o objeto e outras condições, da voluntariedade do consentimento, do cumprimento das obrigações fiscais. Enfim, todas e cada uma das declarações do tabelião constantes da escritura pública reputam-se verdadeiras. E são verdadeiras enquanto alguma sentença judicial não as declarar falsas. O que se disse a respeito da escritura pública é extensível a todo e qualquer outro ato notarial. Pode-se assim muito bem avaliar o poder da fé pública notarial e valorizar devidamente os cuidados que devem cercar o uso desse poder.” RUFINO LARRAUD, em seu Curso de Direito Notarial, abordando o tema da FÉ PÚBLICA, declara: “A palavra FÉ pode ser utilizada com significados distintos. FÉ é a crença ou confiança em algo que não percebemos por nossos próprios sentidos, e que aceitamos em razão da autoridade de quem o diz, ou pela fama pública; também é FÉ a segurança que se dá, ou a afirmação que se faz, acerca da verdade de algo; e deste outro ponto de vista, a FÉ é uma qualidade: um grau de eficácia demonstrativa que algo tem. ....: o conceito aparece vinculado, mais ou menos claramente, a uma idéia de verdade; ....: há uma FÉ PÚBLICA CONFIANÇA, de sentido que poderíamos dizer receptivo; há uma FÉ PÚBLICA PODER, com sentido atributivo; e há, também, uma FÉ PÚBLICA QUALIDADE, que implica certa maneira de qualificação. .... A qualidade que adquire o documento notarial é uma conseqüência dos poderes conferidos ao agente; e ambas projetam um particular prestígio sobre o instrumento, que, - com outros elementos - determinam, em seu favor, essa confiança do público, que o direito protege.” Em trabalho apresentado pela notária argentina Elsa Kiejzman na V Jornada Notarial do Cone Sul, em Gramado, no ano de 1987, com tradução do colega Tullio Formicola, Presidente do Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil, a autora trata da função autenticadora do notário, dizendo que tal função “é dada pela lei, em virtude da qual damos fé do que percebemos por meio de nossos sentidos e que constitui o conteúdo de quanto redigimos e •••

Antonio Albergaria Pereira - Advogado e ex-notário