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BDI Nº.21 / 1995 - Assuntos Cartorários Voltar

A PESCA DO SABER. USUFRUTO E ENFITEUSE.

Humberto de Campos, para nós o maior cronista que o Brasil já teve, comparou o pensamento e as palavras do homem com uma rede lançada ao mar. As palavras seriam as cortiças, sempre mantidas à tona enquanto a rede ao descer à profundidade oceânica, vai a cata de peixes; estes, seriam as idéias. A rede, quando erguida pelo pescador, traz em suas malhas os peixes nela retidos, que podem ser grandes ou pequenos, segundo a extensão das mesmas. Assim o pensamento humano; no imenso oceano do saber, é uma rede lançada pelo estudioso em busca da sabedoria, através das idéias, que podem ser grandes ou pequenas, segundo a extensão de suas malhas. Peixes e idéias. Aqueles alimentam o corpo. Estas não só alimentam como fortalecem a mente. Lançar redes a procura do saber é uma atividade mental do homem. Nós, quando lançamos aos leitores do Boletim Cartorário um tema para estudo, estamos, com nossas palavras, lançando uma rede para pescar idéias, e divulgando-as, a exemplo do pescador, pretendemos alimentar a mente daqueles que no Brasil realizam serviços notariais e re-gistrais. Se as idéias que divulgamos são pequenas ou inexpressivas, a culpa é de nossa rede, já que sua consistência não foi suficientemente perfeita para reter grandes idéias; as cortiças de nossas palavras não tiveram o peso necessário para reter a rede, na devida profundidade oceânica do saber notarial e registral. Pescadores que somos de idéias notariais e registrais, continuaremos a lançar nossa rede na esperança de colhermos grandes ou pequenas idéias. Ainda que nada colhermos, sentiremos confortados: a culpa é do oceano que está se tornando escasso de peixes. Contudo, no mês de maio do corrente ano a nossa pescaria em alto mar foi pródiga na coleta de grandes peixes, como demonstram os trabalhos que recebemos e que a seguir serão transcritos. Há certos oficiais registradores que primam em dar uma interpretação "sui generis" a certos dispositivos legais quando lhes é apresentado um título para formalizar um ato registrário: registro ou averbação. Esse tipo de interpretação sempre é para recusar o título. E essa recusa sempre vem através de exigência ridícula, talvez por temor ou ignorância. Já está na hora de se pôr cobro a tal comportamento, notadamente quando se registra uma orientação de se punir notários que formalizam títulos cujos registros não são acolhidos pelo oficial registrador, pela procedência de sua dúvida. O inverso também deveria prevalecer a improcedência da dúvida, quando notoriamente injustificável também deveria acarretar uma punição ao oficial, tanto porque esse comportamento "sui generis", pode, em tese, caracterizar "conduta atentatória às instituições notariais e de registro" (Art. 31, II da Lei nº 8.935). Um notário lavrou uma escritura de venda e compra, pela qual o imóvel era assim transmitido aos adquirentes: a nua propriedade era para A e o usufruto para B. Como o imóvel era foreiro, o oficial recusou o título com esta alegação: excluir da escritura o usufruto, uma vez que se trata de imóvel foreiro; constar da escritura que a venda refere-se ao domínio útil do imóvel, uma vez que se trata de imóvel foreiro". Superficialmente apreciaremos essa exigência: 1. entende o oficial que a enfiteuse se confunde com o usufruto, ou seja, usufruto e enfiteuse são institutos idênticos; 2. a outra exigência é um primor de ignorância, pois, se o imóvel é foreiro, é porque obriga o pagamento do foro e este (pagamento do foro) só é possível quando o domínio se desdobra em útil e direito. O interessado no registro da escritura, requereu a suscitação da dúvida e o seu advogado elaborou uma peça perfeita, com a qual estamos de pleno acordo e nada a ela acrescentaríamos. Como o entendimento do oficial, expresso na "exigência", logrou parecer favorável do Ministério Público da comarca, omitimos na peça a ser transcrita tudo que possa identificar o oficial e a cidade onde ele exerce seus serviços. O nosso entendimento é este: a ENFITEUSE não é incompatível com o USUFRUTO, pelo que o titular do domínio útil (enfiteuta - foreiro) PODE DAR o DOMÍNIO ÚTIL, de que é titular, em USUFRUTO, independentemente de autorização do titular do senhorio direto. Vocês notários e registradores concordam ou não com o que afirmamos? Estudem o assunto e remetam-nos seus entendimentos para divulgação nesta seção. O teor da impugnação da dúvida do oficial está assim expresso: "EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO CORREGEDOR PERMANENTE DA COMARCA (...) (...), por seu advogado e bastante procurador infra-assinado, no procedimento de DÚVIDA que suscitou ao SR. OFICIAL DO CARTÓRIO DO REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA (...), e tendo sido por este notificada das razões que a motivaram, mui respeitosamente vêm à presença de Vossa Excelência dizer que é a presente para oferecer a sua IMPUGNAÇÃO, o que ora realmente o faz e pela forma seguinte: 1. A Impugnante/Suscitada apresentou para registro junto ao Cartório de Registro de Imóveis local uma escritura de venda e compra lavrada no 2º Tabelionato local, Livro 233, fls. 22/23, por força da qual adquiriu o usufruto vitalício de um imóvel foreiro, objeto da matrícula 1.668, enquanto que, no mesmo ato, (...) adquiriram a nua propriedade do mesmo imóvel. 2. Entretanto, a escritura foi devolvida pela Serventia, sem prenotação, através de nota de devolução (protocolo nº (...), dentre outras, com as duas seguintes exigências, e as que nos interessam neste caso: ... 1. - Excluir da escritura o Usufruto, uma vez que trata-se de imóvel foreiro. ... e... 3 - Constar da escritura que a venda refere-se ao domínio útil do imóvel, uma vez que trata-se de imóvel foreiro ("sic"). 3. Inconformada com essas duas exigências e, com a devida vênia, dizendo-as desde logo sem nenhuma base legal, não decorrentes da doutrina civil ou registrária e, tampouco, oriundas de •••

Antonio Albergaria Pereira - Advogado