A intimação para os leilões da Lei nº 9.514/97, alterada pela Lei nº 13.465/17 e a aplicação por analogia do CPC/2015
1. Introdução A satisfação do credor não foi durante todo tempo garantida pelo patrimônio do devedor. Na sociedade romana, por exemplo, o próprio corpo do devedor garantia a dívida, conforme disposto na Lei das XII Tábuas: “Se não pagar e ninguém se apresentar como fiador, que o devedor seja levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso máximo de 15 líbras; ou menos, se assim o quiser o credor”. Dessa forma, o credor romano detinha o direito de que o devedor inadimplente com sua prestação, respondesse com sua liberdade ou até mesmo com sua vida. A Lex Poetelia Papiria na República Romana aboliu a “escravidão por dívida”, onde o devedor dava como garantia a escravidão de si próprio ou de um membro da família sob o qual tinha autoridade. Com a evolução dos conceitos de garantia e com o surgimento do conceito de dignidade da pessoa humana, houve a transferência do ônus pelo não adimplemento de uma dívida para o patrimônio material do devedor, surgindo as figuras da fiducia cum amico, contrato de confiança semelhante ao depósito, onde o fiduciante alienava seus bens a um amigo com a condição de haver a restituição quando cessasse a circunstância aleatória previamente estabelecida, e a fiducia cum creditore, que, com caráter de garantia, era caracterizada pela transferência dos bens ao credor sob a condição de recuperá-los quando houvesse a quitação do débito. Nessas duas hipóteses de fidúcia, conforme elucidado por Maria Helena Diniz (2002), era conferida excessiva vantagem ao credor, vez que este conservava a propriedade e posse dos bens com valor superior ao débito. Com a Revolução Indus-trial e o surgimento de relações cada vez mais complexas, houve a necessidade de novas garantias que dessem aos credores uma segurança maior e que não importasse na perda da propriedade e da posse do bem. Nos sistemas do Commom Law, surgiu o trust receipt, considerado como evolução da fiducia cum creditore, vez que o bem alienado não integrava o patrimônio ativo do credor, havendo apenas restrição quanto à sua disposição. Inspirado no trust receipt, o negócio fiduciário no Brasil foi estruturado na Lei de Mercados de Capitais (Lei nº 4.726/1965), caracterizado, sobretudo, pela confiança entre as partes, onde o fiduciante acredita que terá seu bem restituído quando adimplida a obrigação e o credor, que seu crédito será satisfeito tendo, para tanto, a garantia da alienação. Com a publicação da Lei nº 9.514/97, houve a previsão de uma nova forma de dar em garantia bens imóveis, além da já saturada hipoteca que não vinha atendendo os anseios dos credores: a alienação fiduciária. A figura da alienação fiduciária está cada vez mais presente na sociedade atual, vez que, com o estabelecimento dessa garantia as pessoas conseguem adquirir seu imóvel ou obter financiamento a juros mais acessíveis. Ocorre que, apesar do surgimento de uma norma específica para o instituto em questão, alguns pontos quedaram-se omissos, de modo que a Lei nº 13.465/17, buscando evitar a aplicação inadequada do DL nº 70/66, realizou algumas alterações da Lei nº 9.514/97, incluindo a necessidade de intimação dos fiduciantes para os leilões, contudo, ainda deixou uma lacuna sobre o procedimento que este deverá ser feito. Destarte, analisando o contexto histórico e legislativo sobre a alienação fiduciária, bem como o texto normativo que rege este instituto, surge a seguinte indagação: a lacuna normativa pode ser preenchida pela aplicação analógica •••
Raquel Araújo de Freita¹ e Deise Martins da Silva²