O “fundo de conservação do imóvel” como garantia locatícia - Parte I
1. INTRODUÇÃO A inclusão de cláusulas de conservação de imóvel nos contratos de locação tem se mostrado uma prática frequente no mercado imobiliário. Esta cláusula pode estar inserida no contrato de locação com as mais variadas denominações, sendo mais facilmente encontrada com o nome de Fundo de Conservação do Imóvel (FCI) ou Taxa de Conservação do Imóvel (TCI). Tal cláusula prevê o pagamento de um percentual sobre o valor do aluguel, que varia entre os patamares de 3% a 5% em média, sendo pago pelo locatário diretamente no boleto de aluguel. Este valor, cobrado mensalmente enquanto perdurar a locação, destina-se a formar uma espécie de poupança, em poder do locador ou de seu representante, para, ao término do contrato de locação, assegurar a devolução do imóvel nos termos em que fora locado. Havendo a resilição contratual sem reparos a serem feitos no imóvel, os valores cobrados mensalmente do locatário são restituídos, corrigidos monetariamente. Esta característica vem a corroborar o entendimento de que os valores caucionados mensalmente pelo locatário formam uma espécie de poupança em poder do locador. Percebe-se a existência de locatários que gostam da inclusão desta cláusula, posto que, ao término da relação locatícia, existem inúmeras despesas a serem suportadas pelo locatário, tais como: pintura do imóvel; pequenos reparos; despesas com mudança; gastos com a nova locação ou aquisição da casa própria; entre outras. Assim sendo, o pagamento de um valor percentual mensal ameniza os gastos futuros advindos da resilição contratual. Os locadores e seus representantes, apreciam tal cláusula em virtude de, não raras vezes, ao término um contrato de locação o imóvel ser restituído com pequenos reparos a serem feitos, exemplificativamente: vidros quebrados; pintura do imóvel; pequenos reparos hidráulicos; entre outros. Estes pequenos reparos quando não realizados pelo locatário acabam se tornando prejuízo para o locador, posto que uma demanda judicial lhe custará mais caro e muito mais demorado do que arcar com os custos de reparo do imóvel. Desta feita, percebe-se claramente o interesse dos locadores em inserir tal cláusula nos contratos de locação. O presente estudo não tem a pretensão de julgar a cláusula de conservação do imóvel como sendo benéfica ou maléfica. Mas sim, identificar qual a sua natureza jurídica e quais as suas implicações para o contrato ao qual pertença. A problemática e relevância deste estudo se dá ao observar a costumeira coexistência desta cláusula com outras modalidades de garantia locatícia. Sendo a dupla garantia vedada por expressa disposição legal2, constituindo contravenção penal1, importante se faz o estudo de suas consequências jurídicas para as partes contraentes. As consequências jurídicas da existência desta dupla garantia se dá de duas formas: nulidade absoluta de uma das garantias locatícias e a imposição de uma penalidade econômica ao locador em benefício do locatário. Se faz mister identificar qual das garantias locatícias deve ser considerada nula de pleno direito e qual deve permanecer válida no contrato de locação bem como deve-se atentar para a eventual compensação3 de valores eventualmente devidos pelo Locatário (em virtude de inadimplemento) com a multa a ser aplicada ao locador. 2. GARANTIA LOCATÍCIA Etimologicamente, o termo garantia advém do francês garantie, que significa ato ou efeito de proteger, de assegurar, afiançando-se, por isso mesmo, que toda garantia é uma segurança, uma proteção, que se estabelece em favor de alguém4. E sendo assim, a garantia de uma obrigação assumida se estende ao patrimônio do devedor obrigado, porquanto que a segurança de seu cumprimento poderá ser espontânea ou forçada, mediante a via judicial. A partir de agora veremos a conceituação de alguns autores a respeito da garantia. Para Michele Frangali a garantia encontra seu fundamento “no acrescer ou no reforçar, a um determinado credor, a probabilidade de ser satisfeito, depois do vigor normal de uma única obrigação ou do poder de agressão que esta obrigação atribui”; aduzindo, logo a seguir, que: Aqueles que colocam na prevenção do inadimplemento a raiz econômico-jurídica da garantia (específica) aludem intuitivamente ao efeito de pressão que a sua constituição produz sobre o devedor para constrangê-lo ao cumprimento de suas obrigações; esses, além disso, limitam-se a uma só das funções que a garantia desenvolve, e que não é a principal, porque essencial é a função final do reforço da expectativa de atuação da prestação garantida.5 Nas palavras de Tucci e Villaça Azevedo “garantia é o reforço jurídico, de caráter pessoal ou real, de que se vale o credor, acessoriamente, para aumentar a possibilidade de cumprimento, pelo devedor, do negócio principal”.6 A lição De Plácido e Silva em seu vocabulário jurídico preceitua que: (...) garantia deriva-se de garante. E possui •••
Flávio Henrique Eickhoff* e Taisa Pavin Wendrechovski** Orientador: Prof. Dr. Marcelo Ribeiro Losso***