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BDI Nº.9 / 1993 - Assuntos Cartorários Voltar

CONTRATOS DE IMÓVEIS E A MOEDA ESTRANGEIRA

O nosso dedicado leitor dr. Angelo Volpi Neto, notário em Curitiba, remetendo-nos artigo de autoria de Carlos Eduardo Manfredini Hapner, publicado no jornal GAZETA DO POVO DE CURITIBA, com o título Contrato indexado em meda estrangeira, pede a nossa opinião a respeito do assunto, ou seja uso de moeda estrangeira para indexar contratos de imóveis. 2. A opinião do citado articulista é pela possibilidade, com suporte no princípio da autonomia da vontade, que constitui regra na elaboração dos contratos, desde que não haja preceito legal proibitivo. 3. Em novembro de 1978, quando exercíamos as funções notariais na Capital de São Paulo, tivemos que subscrever uma escritura, lavrada, sem nossa autorização, por um escrevente - daqueles que arrimados na livre escolha dos serviços notariais pelas partes - tudo fazem para atendê-las. Tivemos que estudar o assunto, e, para justificar a subscrição de tal escritura, elaboramos um trabalho que, no final deste, será transcrito, tal como foi elaborado na época. Antecipadamente, esclarecemos nossos leitores que não fizemos revisão das citações nele contidas e nem dos preceitos legais mencionados. Qualquer falha que for anotada deverá ser levada em conta por esse motivo. 4. Antecipadamente apreciemos o assunto em face de uma realidade atual. A moeda estrangeira - sejamos realistas, especificamente o dólar - não está alheia ao nosso direito. E nem poderia estar, porque ela, é um fato social, de efetivo valor, a impor sua regulamentação pela norma. Hoje, todas as transações imobiliárias são anunciadas livremente, em todos os jornais do Brasil, em dólar. Essa realidade enseja esta indagação: É possível a formalização da alienação de um imóvel, mesmo em notas públicas, estipulando que o preço do mesmo, corresponde a tantos dólares? Observamos: “corresponde a tantos dólares” e não “pagamento em tantos dólares.” O princípio que domina em nosso direito, a respeito do pagamento do preço de uma coisa adquirida ou na solução de uma dívida, é de plena liberdade para as partes estipulantes, sendo lícito todas as estipulações expressamente não vedadas por lei. Anotamos esta decisão a demonstrar que o assunto não é atual e sim bem antigo: CLÁUSULA SOBRE MOEDA DE PAGAMENTO. “O princípio dominante em nosso direito sobre moeda de pagamento é de plena liberdade de convenção, sendo lícitas todas as cláusulas que a não vedar expressamente. (Ac. da Corte de Apelação em 29.06.33 - Rev. Direito - Vol. 110 - pág. 412, e também transcrita na Revista da Associação dos Serventuários de Justiça do Estado de São Paulo, nº 1 - p. 20, da qual foi extraída.) 5. Em nosso entender, embora o assunto, como registra o citado articulista, é controvertido, é possível e válido que num contrato, inclusive quando formalizado por um notário em suas notas, seja estipulado, como indexador para pagamento do preço ou solução de uma dívida, uma moeda estrangeira. Indexar é estabelecer um índice, e esse índice pode ser uma moeda estrangeira. Não se está estabelecendo que o pagamento seja feito em moeda estrangeira, como fez o nosso antigo escrevente, mas que a moeda estrangeira seja o índice para transformar a moeda nacional em seu atual valor, para satisfação do preço ou da dívida. O próprio Código Tributário, Lei Federal nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, fortalece essa nossa conclusão quando, no art. 143, deixa expresso: “Salvo disposição de lei em contrário, quando o valor tributário esteja expresso em moeda estrangeira, no lançamento far-se-á sua conversão em moeda nacional ao câmbio do dia da ocorrência do fato gerador da obrigação.” Ora, se o próprio Poder Público, para recebimento de seus créditos tributários, permite a moeda estrangeira como indexador, não vemos razão para negar tal direito ao particular, na formalização dos seus contratos imobiliários, ainda que sejam eles lavrados em notas públicas. Far-se-á a conversão em moeda nacional ao câmbio do dia quando da solução do pagamento do preço ou liquidação da dívida. 6. Entendemos que a estipulação do preço, para uma coisa adquirida - inclusive um imóvel pode ser fixado em moeda estrangeira. Essa fixação para nós é válida, já que corresponde a uma indexação, ou seja, como elemento informativo de reajuste do valor da nossa moeda, combalida e anêmica, para pagar um preço ou quitar uma dívida. O que não se pode estipular, porque proibido, é que o pagamento do preço ou de uma dívida seja feito em moeda estrangeira. Esse pagamento é que a lei proíbe. Deve ele ser feito sempre e obrigatoriamente em MOEDA NACIONAL, considerando-se sua variação de valor pelo indexador de uma moeda estrangeira, previamente identificada, e pelo câmbio do dia da ocorrência do fato gerador da obrigação. 7. A moeda estrangeira, notadamente o dólar, hoje, soberano no mundo - sejamos realistas - predomina em todas as transações comerciais, inclusive nas transações imobiliárias. Os imóveis são postos à venda em dólares. A cotação do dólar, nos tríplices valores - oficial, turístico e paralelo -, tem divulgação oficial. O próprio governo confessa suas dívidas externa e interna em dólares. E isso ele faz publicamente. Se essa é a nossa realidade financeira, já discutindo-se até mesmo a dolarização de nossa economia, o que há de errado em se estabelecer numa escritura de compromisso de venda e compra de um imóvel que o seu preço é fixado em tantos dólares, e que o pagamento será feito em moeda nacional, ao câmbio do dia em que o mesmo ocorrer? A estipulação do preço pode ser em dólar; a quitação do preço é que necessariamente, OBRIGATORIAMENTE, deve ser em moeda corrente nacional. ISSO DEVE FICAR EXPRESSAMENTE CONSIGNADO NA ESCRITURA OU NO CONTRATO. “Mutatis Mutandis” esse nosso raciocínio é válido para solução de uma dívida hipotecária, confessada através de escritura pública. 8. A moeda estrangeira tem curso legal no território nacional, embora não sirva para quitar obrigações contratualmente estipuladas. Tanto tem curso legal que a própria União tributa •••

Antonio Albergaria Pereira - Advogado e ex-notário