Transferência do fundo de comércio – Essencialidade do consentimento do locador
Comentário: O acórdão analisado interpretou de maneira correta o artigo 13 da Lei de Locações. Este dispositivo estabelece que a cessão da locação depende do consentimento do locador, que pode ser obtido de maneira expressa ou caso este, após notificado, deixe de manifestar sua oposição dentro do prazo legal de 30 dias. A decisão declarou que esta norma aplica-se às locações comerciais, independentemente da cessão do fundo de comércio pelo locatário original, uma vez que o locador tem a possibilidade de decidir com quem irá contratar. De fato, a cessão do fundo de comércio, entendido como uma série de bens e atividades que recebem proteção legal própria, não obriga o locador a honrar uma locação com a qual não concordou. Uma locação envolve diversos fatores, entre os quais uma análise de risco, feita pelo proprietário, relacionada à capacidade financeira e à idoneidade moral do interessado em alugar, além da análise das garantias oferecidas. A Lei de Locações corretamente permite ao locador discordar da cessão do imóvel feita sem sua autorização, independentemente do fundo de comércio eventualmente constituído no local: o proprietário de um imóvel, afinal, não pode ser obrigado a contratar contra sua vontade. Recurso Especial nº 1.202.077 - MS (2010⁄0134382-4) Relator: Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJ⁄RS) Recorrente: Eletro Uehara Ltda e outro Recorrido: Marcílio Reis de Oliveira e outro EMENTA Recurso especial. Transferência do fundo de comércio. Trespasse. Contrato de locação. Art. 13. Da Lei nº 8.245⁄91. Aplicação à locação comercial. Consentimento do locador. Requisito essencial. Recurso provido. 1. Transferência do fundo de comércio. Trespasse. Efeitos: continuidade do processo produtivo; manutenção dos postos de trabalho; circulação de ativos econômicos. 2. Contrato de locação. Locador. Avaliação de características individuais do futuro inquilino. Capacidade financeira e idoneidade moral. Inspeção extensível, também, ao eventual prestador da garantia fidejussória. Natureza pessoal do contrato de locação. 3. Desenvolvimento econômico. Aspectos necessários: proteção ao direito de propriedade e a segurança jurídica. 4. Afigura-se destemperado o entendimento de que o art. 13 da Lei do Inquilinato não tenha aplicação às locações comerciais, pois, prevalecendo este posicionamento, o proprietário do imóvel estaria ao alvedrio do inquilino, já que segundo a conveniência deste, o locador se veria compelido a honrar o ajustado com pessoa diversa daquela constante do instrumento, que não rara as vezes, não possuirá as qualidades essenciais exigidas pelo dono do bem locado (capacidade financeira e idoneidade moral) para o cumprir o avençado. 5. Liberdade de contratar. As pessoas em geral possuem plena liberdade na escolha da parte com quem irão assumir obrigações e, em contrapartida, gozar de direitos, sendo vedado qualquer disposição que obrigue o sujeito a contratar contra a sua vontade. 6. Aluguéis. Fonte de renda única ou complementar para inúmeros cidadãos. Necessidade de proteção especial pelo ordenamento jurídico. 7. Art. 13 da Lei n. 8.245⁄914 aplicável às locações comerciais. 8. Recurso especial provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sidnei Beneti. Brasília (DF), 1º de março de 2011(Data do Julgamento) Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJ⁄RS), Relator RELATÓRIO O Senhor Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJ⁄RS) (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por ELETRO UEHARA LTDA E OUTRO, com arrimo nas alíneas \"a\" e \"c\" do inciso III do art. 105 da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, assim ementado: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE DESPEJO C⁄C COBRANÇA DE ALUGUEL – CESSÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO COMERCIAL – LIVRE CIRCULAÇÃO DO FUNDO DE COMÉRCIO – POSSIBILIDADE – EXTINÇÃO DA GARANTIA FIDEJUSSÓRIA EM RAZÃO DA EXTINÇÃO DO CONTRATO PRINCIPAL – HONORÁRIOS – ARBITRAMENTO CONFORME PREVISTO NA LEI – RECURSO NÃO PROVIDO. O comerciante pode ceder ao comprador a locação sem necessidade de anuência do senhorio. Por se tratar de hipótese em que a cessão da locação integra também a cessão do próprio fundo de comércio, resta claro que a restrição inviabilizaria a transferência do ponto comercial, ferindo sua livre circulação. Em razão da cessão da locação, ocorreu também a extinção da garantia fidejussória, não podendo o locador exigir a obrigação pecuniária do garante em face da extinção •••
(STJ)