Terreno de marinha – Transferência de apartamento – Cobrança de laudêmio – Legalidade
Recurso Especial nº 1.222.761 - SC (2010/0216356-6) - Relator: Ministro Teori Albino Zavascki - Recorrente: União - Recorrido: Sérgio Sabino da Silva - Advogado: Diego Bohrer Branco e Outro(s) EMENTA Administrativo. Terreno da marinha. Transferência de apartamento construído sobre terreno em regime de mera ocupação. Cobrança de laudêmio. Legalidade. Decreto-lei 2.398/87, art. 3º. Precedentes das turmas da 1ª seção. Recurso especial provido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Benedito Gonçalves (Presidente), Hamilton Carvalhido e Luiz Fux votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília, 17 de fevereiro de 2011 Ministro Teori Albino Zavascki, Relator RELATÓRIO O Exmo. Sr. Ministro Teori Albino Zavascki (Relator): Em demanda em que se questiona o pagamento de laudêmio em relação a apartamento construído sobre terreno de marinha, em regime de mera ocupação, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região proferiu acórdão com a seguinte ementa: TERRENO DE MARINHA. COBRANÇA DE LAUDÊMIO. REGIME DE OCUPAÇÃO. INEXIGIBILIDADE. O Decreto-Lei 2.398⁄87, por seu artigo 9º, revogou o artigo 130 do Decreto-Lei 9.760⁄46, que dava ensejo à cobrança do laudêmio para os imóveis não-foreiros, submetidos ao regime de mera ocupação (fl. 106). Os embargos de declaração foram parcialmente acolhidos para efeitos de prequestionamento (fls. 115⁄120). No recurso especial, a União alega ofensa ao art. 3º do DL 2.398⁄87, sustentando que, \"Como restou inequivocadamente demonstrado nos autos, o imóvel em questão está situado em terreno da marinha e, em relação a este fato, é cobrada taxa de ocupação\", portanto, \"a transferência onerosa de direitos sobre benfeitorias construídas (...) é fato gerador para a incidência do laudêmio\" (fls. 125⁄126). Não foram apresentadas contra-razões (fl. 129). É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Ministro Teori Albino Zavascki (Relator): 1.Dispõe o art. 3º do Decreto-Lei 2.398⁄87: \"Art. 3º Dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União ou de direitos sobre benfeitorias neles construídas, bem assim a cessão de direito a eles relativos.\" A interpretação desse dispositivo tem sido objeto de controvérsia no âmbito da 1ª Seção. Há julgados entendendo que a referência a \"direitos sobre benfeitorias neles construídas\" (a) diz respeito apenas a construções sobre terrenos de marinha cujo aforamento está devidamente formalizado em nome do alienante; e há outra corrente segundo a qual (b) diz respeito a construções sobre qualquer terreno de marinha, mesmo em regime de mera ocupação. De acordo com primeira linha de entendimento são os seguintes julgados: ADMINISTRATIVO. TERRENO DA MARINHA. LAUDÊMIO. ENFITEUSE. NÃO OCORRÊNCIA. DECRETO-LEI 2.398⁄87. NÃO PAGAMENTO. MERA OCUPAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A enfiteuse ou aforamento, modalidade de direito real sobre coisa alheia, consiste na divisão do domínio em direto, exercido pelo proprietário ou senhorio, e útil, transmitido ao enfiteuta ou foreiro, que fica obrigado ao pagamento de uma pensão anual ou foro. 2. Tratando-se de direito real de caráter perpétuo, o domínio útil é passível de transação onerosa, hipótese em que, caso não seja exercido o direito de opção pelo senhorio direto, será devido pelo enfiteuta o pagamento do laudêmio. 3. O art. 3º do Decreto-Lei 2.398⁄87 dispõe que o pagamento de laudêmio sobre terreno da União, correspondente a 5% do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias nele realizadas, somente é devido na hipótese de constituição de enfiteuse. 4. Não tendo havido na hipótese dos autos a enfiteuse, mas a mera ocupação de terreno da Marinha, conforme restou destacado pelas instâncias ordinárias, não há como submeter a alienação do imóvel ao prévio pagamento de laudêmio. Precedente do STJ. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1.128.194⁄SC, 1ª Turma, Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 22⁄09⁄2010) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. BENS PÚBLICOS. LAUDÊMIO. MERA TOLERÂNCIA. OCUPAÇÃO DE TERRENO DE MARINHA. INEXISTÊNCIA DE DESDOBRAMENTO DA POSSE, DE CONTRATO OU DE TRANSFERÊNCIA DO DOMÍNIO ÚTIL A TÍTULO ONEROSO. NÃO-CABIMENTO DE LAUDÊMIO. 1. Os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Lei Maior. Isso não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. Pacífico nesta Corte Superior o entendimento segundo qual, em caso de ocupação irregular de terreno de marinha por mera tolerância da União, é incabível a cobrança de laudêmio pela transferência da detenção. Precedente: REsp 926.956⁄RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 17.12.2009. 3. Recurso especial provido. (REsp 1.108.953⁄SC, 2ª T., Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 10⁄09⁄2010) Adotando a segunda linha de entendimento, a 1ª Turma, no julgamento do REsp 1.143.801⁄SC (Relator p⁄ Acórdão Min. Luiz Fux, DJe de 13⁄09⁄2010), por maioria, decidiu que \"a transferência onerosa de quaisquer poderes inerentes ao domínio de imóvel da União condiciona-se ao prévio recolhimento de laudêmio \". Este julgado restou assim ementado: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TRANSMISSÃO DE OCUPAÇÃO. PAGAMENTO DE LAUDÊMIO. LEGALIDADE. ARTIGO 3.º, DO DECRETO-LEI N.º 2.398, DE 21.12.1987. 1. O artigo 3.º, do Decreto-lei n.º 2.398, de 21 de dezembro de 1987, dispõe que: \"Art. 3° Dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União ou de direitos sobre benfeitorias neles construídas, bem assim a cessão de direito a eles relativos.\" 2. Consectariamente, a transferência onerosa de quaisquer poderes inerentes ao domínio de imóvel da União condiciona-se ao prévio recolhimento de laudêmio. Isto porque, não obstante o instituto do laudêmio estivesse intimamente vinculado ao domínio útil, a novel lei ampliou-o para alcançar, também, a transferência onerosa de qualquer direito sobre benfeitorias construídas em imóvel da União, bem como a cessão de direitos a ele relativos. 3. In casu, a parte autora alega ser proprietária de dois imóveis situados em terrenos de marinha e que se viu obstada de lavrar as competentes escrituras de venda e compra dos referidos imóveis, os quais são utilizados em regime de ocupação, porque lhe fora exigido o pagamento de taxa de laudêmio, aduzindo, assim, ser incabível tal cobrança, por não se tratar de hipótese de transferência do domínio útil do imóvel, vinculada ao aforamento ou à enfiteuse, mas tão-somente de cessão de direito, por tratar-se de mera ocupação, não sujeita à cobrança de laudêmio. 4. É lícito à norma erigir figuras assemelhadas sujeitas ao laudêmio, posto obedecido o princípio da legalidade e a indisponibilidade dos bens ou faculdades inerentes à titularidade do domínio público. 5. Recurso especial conhecido e provido, divergindo do E. Relator. Na mesma linha decidiu também a 2ª Turma no REsp 1.128.333⁄SC, Min. Herman Benjamin, DJe de 30⁄09⁄2010: DIREITO ADMINISTRATIVO. OCUPAÇÃO DE IMÓVEL LOCALIZADO EM TERRENO DE MARINHA. ALIENAÇÃO DE CONSTRUÇÃO. INCIDÊNCIA DO LAUDÊMIO. 1. Pela ocupação de imóvel da União, localizado em terreno de marinha, é devida apenas a taxa prevista no art. 127 do Decreto-Lei 9.760⁄1946. 2. Diferente, contudo, é a situação em que o ocupante pretende transferir a terceiros, mediante alienação a título oneroso, apartamento construído no referido imóvel. Nesse contexto, viável a cobrança de laudêmio, conforme expressamente previsto no art. 3º do Decreto-Lei 2.398⁄1987, que deu nova redação ao art. 130 do Decreto-Lei 9.760⁄1946, e nos arts. 1º e 2º do Decreto 95.760⁄1988. 3. Inaplicável o entendimento de que o laudêmio somente pode ser cobrado na transferência do imóvel aforado, nos termos do art. 686 do Código Civil, porque os imóveis localizados em terreno de marinha encontram-se sujeitos ao regime jurídico administrativo, sendo disciplinados por legislação específica, total ou parcialmente derrogatória dos princípios e dos institutos de Direito Privado. 4. Recurso Especial provido. O Ministro Herman Benjamin, que defendia a primeira corrente, nessa oportunidade modificou seu ponto de vista pelas razões assim alinhadas: Em primeiro lugar, penso que não é o caso de aplicar, genericamente, o art. 686 do Código Civil, tendo em vista que o instituto da ocupação de terreno de marinha está inserido no regime jurídico administrativo, o qual, conforme a melhor doutrina, pode se utilizar de institutos do Direito Privado, com adaptações em função das peculiaridades do caso concreto e dos princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público. É exatamente essa a hipótese dos autos. Se no Direito Civil a cobrança do laudêmio somente existe quando houver transferência do domínio útil, é necessário averiguar a disciplina conferida pela legislação específica de Direito Administrativo. Em princípio, sobre o imóvel da União, localizado em terreno de marinha, incide anualmente a taxa de ocupação (art. 127 do Decreto-Lei 9.760⁄1946). Ocorre que o •••
(STJ)