Doação de imóvel penhorado a filhos menores é fraude à execução quando gera insolvência do devedor
Recurso Especial nº 1.163.114 - MG (2009/0210605-0) Relator: Ministro Luis Felipe Salomão Recorrente: Renata Colen de Freitas Guimarães E Outros Recorrido: Cícero Reinaldo de Lima - Espólio Repr. Por: Conceição Gondim de Lima - Inventariante EMENTA Direito Processual Civil. Imóvel penhorado. Doação dos executados a seus filhos menores de idade. Ausência de registro da penhora. Irrelevância. Fraude à execução configurada. Inaplicabilidade da súmula nº 375/STJ. 1. No caso em que o imóvel penhorado, ainda que sem o registro do gravame, foi doado aos filhos menores dos executados, reduzindo os devedores a estado de insolvência, não cabe a aplicação do verbete contido na súmula 375, STJ. É que, nessa hipótese, não há como perquirir-se sobre a ocorrência de má-fé dos adquirentes ou se estes tinham ciência da penhora. 2. Nesse passo, reconhece-se objetivamente a fraude à execução, porquanto a má-fé do doador, que se desfez de forma graciosa de imóvel, em detrimento de credores, é o bastante para configurar o ardil previsto no art. 593, II, do CPC. 3. É o próprio sistema de direito civil que revela sua intolerância com o enriquecimento de terceiros, beneficiados por atos gratuitos do devedor, em detrimento de credores, e isso independentemente de suposições acerca da má-fé dos donatários (v.g. arts. 1.997, 1.813, 158 e 552 do Código Civil de 2002). 4. Recurso especial não provido. ACÓRDÃO A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 16 de junho de 2011 (Data do Julgamento) Ministro Luis Felipe Salomão, Relator RELATÓRIO O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): 1. Renata Colen de Freitas Guimarães e outros opuseram embargos de terceiro nos autos da execução ajuizada por Cícero Reinaldo Lima contra os pais dos embargantes, Paulo Guimarães Júnior e Cristina Colen de Freitas Guimarães, estes na qualidade de fiadores de Maria de Fátima Moreira Cerqueira. Aduziram que o bem indicado à penhora pelo exequente, por ocasião da constrição judicial, não mais pertencia aos executados, mas aos próprios embargantes, que o adquiriram por sentença homologatória de partilha, à época do divórcio dos seus pais, então executados. Por duas vezes foi cassada a sentença que rejeitara liminarmente os embargos de terceiro, na primeira vez para determinar a manifestação do Ministério Público e na segunda para reconhecer a legitimidade passiva do embargado. Finalmente, o Juízo de Direito da 5ª Vara Cível da Comarca de Montes Claros⁄MG rejeitou os embargos de terceiro por reconhecer que a doação feita pelos executados aos seus filhos, ora embargantes, ocorrera em fraude à execução (fls. 167-170). Em grau de apelação, a sentença foi mantida nos termos da seguinte ementa: EMENTA: EMBARGOS DE TERCEIRO - INOVAÇÃO RECURSAL - MATÉRIA NÃO ALEGADA NA INICIAL - EXTRAPOLAÇÃO DOS LIMITES DA LIDE - IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO - DOAÇÃO FEITA PELOS GENITORES EXECUTADOS EM FAVOR DOS FILHOS COM CONHECIMENTO DA AÇÃO EXECUTIVA - FRAUDE À EXECUÇÃO - CARACTERIZADA. Salvo exceções legais, tem-se como inadmissíveis em apelação, alegações que não foram objeto da inicial, porquanto acobertadas pelo manto da preclusão, não podendo, portanto, ser conhecidas pela instância recursal, porquanto a jurisdição do tribunal de apelação restringe-se à dedução feita na instância inferior. Há fraude à execução, quando o devedor, citado validamente no processo de execução, doa aos filhos o imóvel sobre o qual recaiu a penhora, sem fazer prova da existência de outros bens passíveis de constrição. (fl. 218) Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fls. 248-252). Sobreveio recurso especial apoiado na alínea \"a\" do permissivo constitucional, no qual se alega ofensa aos arts. 130, 245, parágrafo único, 535, inciso II, 593, inciso II, do CPC; art. 1º da Lei n. 8.009⁄90; arts. 5º, incisos LIV e LV, e 6º da CF⁄88; e Súmula n. 268⁄STJ. Alegam os recorrentes inexistir fraude à execução, porquanto o imóvel lhes fora doado antes da efetivação da penhora e até mesmo de seu registro, bem como porque os executados possuíam outros bens passíveis de constrição e os indicaram à penhora. Afirmam ainda que não houve comprovação de má-fé, tampouco prejuízo ao credor, já que os executados não eram insolventes. Aduzem, por outro lado, que os fiadores não foram parte no processo de despejo, em razão de nulidade de citação, não podendo, em razão disso, ser executados. De resto, pleiteiam o reconhecimento da impenhorabilidade do imóvel, por constituir bem de família, matéria essa que poderia ser conhecida de ofício pelo acórdão recorrido. Contra-arrazoado (fls. 269-277), o especial não foi admitido (fls. 290.292), ascendendo os autos a esta Corte por força de decisão de minha lavra no Ag. n. 1.074.740⁄MG. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): 2. Rejeito, de saída, a alegação de ofensa ao art. 535 do CPC, porquanto o órgão julgador não está obrigado a responder uma a uma todas as alegações deduzidas pelas partes, bastando que fundamente sua decisão no direito aplicável à espécie (EDcl no AgRg no Ag 1114461⁄RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21⁄09⁄2010, DJe 29⁄09⁄2010). 3. Os arts. 130 e 245 do CPC não foram prequestionados, subsistindo, ademais, a fundamentação do acórdão recorrido no sentido de não possuírem os recorrentes legitimidade para postular a anulação de processo em que não figuraram como partes e não sofreram nenhum prejuízo em razão de suposta nulidade da citação. 4. Não conheço ainda da alegação de ofensa a enunciados sumulares, porquanto não se subsumem à categoria de \"lei federal\", cuja violação é suporte de cabimento do recurso especial pela alínea \"a\" do permissivo constitucional. Precedente: AgRg no AREsp 4.429⁄SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 17⁄05⁄2011, DJe 01⁄06⁄2011. 5. No mesmo sentido não se conhece da alegação de violação a dispositivos constitucionais, porquanto tal análise cabe ao Supremo Tribunal Federal, mediante recurso extraordinário. Precedente: AgRg no Ag 1330113⁄SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19⁄05⁄2011, DJe 26⁄05⁄2011. 6. Não colhe êxito a alegação de impenhorabilidade do bem de família, uma vez que se trata de execução inicialmente direcionada aos fiadores de contrato de locação, circunstância que excepciona a proteção legal dada pela Lei n. 8.009⁄90. Nesse sentido, confiram-se os precedentes: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA DE BEM PERTENCENTE A FIADOR DE CONTRATO DE LOCAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. É legítima a penhora sobre bem de família pertencente a fiador de contrato de locação. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 1181586⁄PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 05⁄04⁄2011, DJe 12⁄04⁄2011) AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. EXECUÇÃO. PENHORA SOBRE IMÓVEL DO FIADOR. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO 3º, VII, DA LEI 8.009⁄90. RECURSO IMPROVIDO. I - Este Superior Tribunal de Justiça, na linha do entendimento do Supremo Tribunal Federal, firmou jurisprudência no sentido da possibilidade de se penhorar, em contrato de locação, o bem de família do fiador, ante o que dispõe o art. 3º, VII da Lei 8.009⁄90. II - Agravo Regimental improvido. (AgRg no REsp 1088962⁄DF, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15⁄06⁄2010, DJe 30⁄06⁄2010) O fato de ter havido o reconhecimento de fraude à execução impõe a ineficácia da alienação do imóvel relativamente à execução aparelhada, o que conserva as características do bem inicialmente constrito, notadamente a de ser bem pertencente a fiadores em contrato de locação. 7. Quanto ao mais, a controvérsia cinge-se à ocorrência ou não de fraude à execução. O Juízo sentenciante fundamentou, com precisão, a ocorrência de ardil tendente a prejudicar credores, com a redução do devedor a estado de insolvência, verbis: De fato, a ocorrência de fraude à execução nos moldes do art. 593, II CPC, resta para mim absolutamente clara, pois que os pais dos embargantes, no momento em que decidiram realiza a doação do imóvel, tinham consciência da execução contra eles movida pelo embargado, o que deixa evidente o intuito de lesar o exequente no recebimento do seu crédito. [...] Também a transmissão da •••
(STJ)