A responsabilidade civil no contrato de empreitada
1. INTRODUÇÃO O contrato de empreitada, sem sombra de dúvidas, é um negócio largamente praticado nas estruturas empresariais imobiliárias e nas relações contratuais firmadas entre incorporadoras, construtoras e consumidores. Cabe, preliminarmente, enfatizar que a temática é regulada por várias normas, a saber: Código Civil; Código de Defesa do Consumidor; Lei 4.591/64 (normas que dispõem sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias), pelo Código Penal (crime de desabamento), Lei das Contravenções Penais (contravenção de desabamento e perigo de desabamento) e Lei 5.194/66 (Código de ética que regula o exercício das profissões de Engenheiro, Arquiteto e Engenheiro-Agrônomo). Neste prisma, o presente estudo se propõe a analisar a natureza jurídica da empreitada, a sua classificação, a entrega e a garantia do objeto contratual, a especificação do preço e, ainda, a extinção do pacto. Será abordada, em especial, a seguinte problematização: como se dá a responsabilidade, nos contratos de empreitada, pelos riscos e a entrega da obra? 2. NOÇÕES CONCEITUAIS A empreitada é o contrato em que uma das partes se sujeita à execução de uma obra, mediante remuneração a ser paga pelo outro contratante, de acordo com as instruções recebidas e sem relação de subordinação. Num outro sentido, o autor Hely Lopes Meirelles (1983. p. 3) prefere se referir à empreitada como uma relação obrigacional inserida no contrato de construção, sendo este todo ajuste para execução de obra certa e determinada, sob a direção e a responsabilidade do construtor, mediante as condições ajustadas com o proprietário. Cabe, também, advertir as linhas conceituais do contrato de incorporação, de acordo com os ensinamentos de Caio Mário (2005, p. 577): Em dois pontos situa-se a essência do contrato. O primeiro está na instituição de nova modalidade de direito real resultante da inscrição do empreendimento no Registro Imobiliário. Uma vez efetuada, e decorrido o período de carência em que é permitida ao incorporador a faculdade de desistência, fica estabelecido ius in re, oponível erga omnes como todo direito real, inclusive em relação às autoridades administrativas, que não têm mais o direito de cancelar a aprovação do projeto edilício. O segundo, na especificação das responsabilidades do incorporador, do construtor e do próprio adquirente de unidade, agilizando a efetivação do negócio. Ao mesmo tempo que estimulou a proliferação das atividades imobiliárias, estatui segurança no mercado, a tal ponto que é comum dizer que as atividades imobiliárias no Brasil dividem-se em duas fases: antes e depois da Lei nº 4.591, de 1964. Diante desse posicionamento, torna-se indubitável a importância do estudo do contrato de empreitada para a área imobiliária, vez que tal pacto regula direitos e deveres do incorporador, do construtor e do próprio adquirente do imóvel. Assim, apresentamos o nosso conceito sobre o contrato de empreitada, a saber: empreitada é o contrato pelo qual o empreiteiro se compromete a executar obra certa, pessoalmente ou delegando a atividade a terceiros, mediante o pagamento de preço certo pelo dono da obra, mediante as instruções recebidas deste e sem qualquer vínculo jurídico de subordinação. 2.1 A NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO DE EMPREITADA O contrato de empreitada apresenta a seguinte natureza jurídica: bilateral, consensual, oneroso, não solene, comutativo, de duração continuada ou execução diferida e impessoal. Trata-se de um contrato bilateral, já que se propõe a gerar obrigações recíprocas para os contratantes envolvidos; também é consensual, pois se aperfeiçoa com o simples acordo de vontade. A empreitada é um acordo oneroso com sacrifício patrimonial para todos os contratantes, e, também, é um negócio não solene, já que não requer formalidades para a sua confecção. Neste ajuste, está presente a comutatividade, ou seja, cada contratante pode antever os ônus e as vantagens provenientes do negócio. Ademais, em regra, ocorre por meio de acordos de duração continuada ou de execução diferida, pois existem prestações que se prolongam no tempo. É, em regra, um negócio jurídico impessoal1 (artigo 626, 2ª parte), podendo existir a transmissão dos direitos e deveres acordados para terceiros. Neste ponto, destacamos que o artigo 626 mencionado deve ser interpretado conjuntamente com o artigo 248 do CC, a saber: “se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos”. 2.2 A CLASSIFICAÇÃO DA EMPREITADA A empreitada pode ser de mão de obra (também chamada de lavor) ou empreitada que conjuga a execução da obra e a entrega dos materiais (empreitada mista), consoante dispõe o artigo 610 do Código Civil. No silêncio do contrato, devemos presumir que a empreitada é de lavor, já que o Código exige que a obrigação de fornecer os materiais para a obra resulte da lei ou da vontade das partes, na forma do artigo 610, §1º. Além da classificação indicada no Código, a Lei 4.591/64 estabelece três formas de construção: a empreitada propriamente dita, a empreitada por administração (ou por preço certo) e a construção por conta e risco do incorporador. Na empreitada propriamente dita, a própria construtora se obriga a buscar recursos adequados para a execução da obra, podendo o acordo ser estipulado a preço fixo, ou a preço reajustável por índices previamente determinados, conforme disciplina o artigo 55 da Lei 4.591/64. Na empreitada por administração, o construtor se encarrega da execução de um projeto, mediante remuneração fixa ou percentual sobre o custo da obra, sendo o risco do empreendimento do proprietário. Esta empreitada é também chamada “a preço de custo” e se verifica quando os proprietários ou adquirentes assumem a responsabilidade de pagar o custo integral da obra (artigo 58 da Lei 4.591/64). Por fim, a construção por conta e risco do incorporador, segundo o artigo 41 da Lei 4.591/1964, se perfaz quando as unidades imobiliárias forem contratadas “pelo incorporador por preço global compreendendo quota de terreno e construção, inclusive com parte de pagamento após a entrega da unidade, discriminar-se-ão, no contrato, o preço da quota de terreno e o da construção”. 3. RESPONSABILIDADE PELOS RISCOS Como dito acima, a empreitada pode ser de mão de obra, voltada especificamente para a atividade a ser executada pelo empreiteiro, ou empreitada mista, que conjuga a execução da obra e a entrega dos materiais. Os efeitos em cada uma das formas de empreitada são indicados de forma diferenciada pelo Código Civil, em especial, no que se refere à responsabilidade2 assumida pelas partes. Em ambas, o critério adotado é res perit domino (a coisa perece com o dono). Na empreitada de lavor, se a coisa perecer, antes da entrega e sem culpa do empreiteiro, quem sofre a perda é o dono da obra, por conta de quem correm os riscos (artigo 612). E não havendo, igualmente, mora do dono, o empreiteiro perde a retribuição (artigo 613). Alguns civilistas não concordam com a perda da retribuição do empreiteiro, de acordo com o disposto no artigo 613, pois entendem que o empreiteiro cumpriu a sua parte na obrigação. Neste sentido, Rodolfo Pamplona e Pablo Gagliano (2008, p. 265) ponderam que a regra não parece justa, “uma vez que retira a retribuição pelo labor dispendido, sem que o empreiteiro tenha tido qualquer culpa no perecimento da coisa”. Entendemos, sobre tal assunto, que a intenção do legislador foi optar pela repartição dos prejuízos pela interrupção do contrato, quando não restar configurada a culpa de qualquer dos contratantes. O empreiteiro, no entanto, terá direito à remuneração, se provar que a perda resultou de defeito dos materiais, e que em tempo reclamara contra a sua quantidade ou qualidade, conforme dispõe o artigo •••
Bruna Lyra Duque*