Consequências da pré-morte da herdeira testamentária – Final
5. A parcela dos bens do testador que pode integrar a deixa testamentária: enfoque à luz do caso examinado Já se afirmou no decorrer deste parecer que somente METADE daquilo que compõe o patrimônio do testador poderá ser objeto da declaração de última vontade. Essa METADE a que me refiro é a chamada parte disponível [08], sendo que sobre ela – e somente sobre ela! – é que poderão versar as disposições referentes à liberalidade testamentária. A outra METADE do patrimônio daquele que fez testamento compõe a legítima, que nos termos da lei deverá ser repartida entre os herdeiros necessários (CC, art. 1.857, § 1º). Só há uma hipótese em que o testador poderá encaminhar a deixa testamentária com liberdade plena: – quando NÃO tenha ele herdeiros necessários. Isso ocorrerá quando não haja descendentes, ascendentes ou cônjuge sucessível, seja porque nunca existiram, seja porque foram excluídos da herança ou deserdados (CC, arts. 1.814 a 1.818; arts. 1.961 a 1.965). A cédula testamentária que nos foi apresentada pelo consulente traz disposição de última vontade expressa no seguinte sentido: “os BENS que possui, sejam atribuídos METADE, a sua filha S.R.O.N.L.; e, a outra METADE, em partes iguais aos seus NETOS:- A.R.O.N., casado; A.P.R.O., separado judicialmente; e A.P.R.O., solteiro maior”. A partir daí, e tendo em vista a expressão representada por “os bens que possui”, a família da testadora está emprestando ao testamento uma “interpretação” desguarnecida de qualquer amparo legal, já que, segundo nos foi informado pelo consulente, estariam entendendo que o testamento teria sido expresso em versar TODOS os bens – a integralidade do patrimônio, portanto – da testadora. A prevalecer a absolutamente leiga compreensão da família da testadora, estaríamos diante da violação do princípio da intangibilidade da legítima dos herdeiros necessários de M.F.R.O. Insisto: apesar de no testamento constar, grosso modo, que METADE “dos bens que possui” ficará para fulano, e a outra METADE ficará para beltrano e sicrano, isso não significa, em nenhuma hipótese, que tal disposição testamentária é revestida da juridicidade que se lhe quer emprestar. A leitura correta que se deve fazer do testamento é a seguinte: METADE “da parte disponível” ficará para “fulano”, e a outra METADE ficará para “beltrano” e “sicrano”. É essa a interpretação que juridicamente deve ser dada às disposições de última vontade de M.F.R.O., já que obrigatoriamente deverão lhe suceder seus herdeiros necessários, titulares que são da legítima, ou seja, da METADE de todo o patrimônio eventualmente deixado quando da abertura da sucessão. Qualquer interpretação em sentido contrário não resiste ao sistema legal da sucessão testamentária. 6. Conceito de legítima e sua intangibilidade na sucessão testamentária A essa altura do parecer não tenho dúvida em afirmar que a sucessão testamentária, diante da existência de herdeiros necessários (ou legítimos), é regida, dentre outros, pelo princípio da intangibilidade da legítima. Isso decorre da simples análise gramatical dos arts. 1.784 [09], 1.789 [10], 1.846 [11] e 1.857, § 1º [12], todos do Código Civil, com final coroamento pela disposição prevista no art. 5º, inc. XXX [13], da Constituição da República. E isso é assim por uma opção histórica do Direito dos povos ocidentais, que prevendo a intangibilidade da legítima dos herdeiros necessários garante que o patrimônio da pessoa física permaneça com sua família após sua morte. Portanto, mesmo que a pessoa natural faleça ab intestato [14], seu patrimônio será repartido entre seus herdeiros necessários por força da lei, através da sucessão legítima. O conceito do que deve ser entendido por legítima, bem como a fórmula para que seja calculada sua totalidade, nos é claramente fornecido pelo Código Civil. Logo após afirmar que os herdeiros necessários são os descendentes, o ascendente e o cônjuge, o Código Civil é claro no sentido de que “Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima” (CC, art. 1.846). Após conceituar o que vem a ser a legítima – frisa-se: “a METADE dos bens que compõe a herança” –, o Código Civil nos dá os parâmetros para quantificá-la, sendo expresso que “Calcula-se a legítima sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão, abatidas as dividias e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação” (CC, art. 1.847). Da análise dos arts. 1.846 e 1.847, conclui-se que a legítima é formada por METADE dos bens da herança e que sempre pertencerá e será repartida entre herdeiros necessários. Seu cálculo é feito a partir do abatimento, de todo o acervo hereditário, das dívidas deixadas pelo falecido e das despesas com seu funeral, adicionando-se em seguida o valor dos bens sujeitos a colação, que são os bens que foram doados em vida pelo autor da herança a algum de seus descendentes (CC, art. 2.002). Portanto, após os respectivos abatimentos chegar-se-á à apuração da legítima pertencente aos herdeiros necessários, que nada mais é do que a METADE de todo o acervo hereditário! É somente sobre a outra METADE, caso o falecido tenha deixado testamento, que será possível ato de última vontade referente à disposição dos bens, é essa outra METADE que se chama parte disponível. Ou seja, sob a perspectiva do direito das sucessões, o patrimônio da pessoa física é composto por duas partes: a legítima e a parte disponível. Caso a respectiva pessoa queira direcionar parte de seus bens para após a sua morte, poderá fazê-lo através de disposição de última vontade representada pelo testamento. Nesse caso, poderá instituir como herdeiro(s) testamentário(s) quem melhor lhe convier, como por exemplo, um amigo, um primo, um filho que sempre lhe esteve mais próximo ou um mais necessitado, um irmão, uma instituição filantrópica etc. Para ser instituído como herdeiro testamentário, e consequentemente fazer jus ao respectivo quinhão, basta que beneficiário tenha capacidade testamentária passiva quando da abertura da sucessão. Vale dizer, os bens deixados por testamento estão circunscritos na parte disponível, que como já foi afirmado é uma das METADES do patrimônio da pessoa física. O testador jamais poderá dispor sobre a outra METADE, já que compõe a legítima dos herdeiros necessários. Só não se fala em legítima, e aí poderá o testador dispor da totalidade de seus bens, na hipótese de não haver herdeiros necessários, do contrário a legítima a eles pertence de pleno direito. 7. A chamada capacidade testamentária passiva: enfoque à luz do caso examinado Grosso modo, ter capacidade testamentária passiva significa a possibilidade de ser instituído como herdeiro testamentário e, consequentemente, adquirir por testamento. Exemplo clássico de quem NÃO tem capacidade testamentária passiva é a pessoa que figurou como “testemunha do testamento” (CC, art. 1.801, II). De qualquer forma, só estão legitimadas a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão, e também, no caso da sucessão testamentária, as pessoas jurídicas (CC, art. 1.798; 1.799, II e III). Ou seja, antes de qualquer outra análise quanto à capacidade testamentária passiva é preciso saber se o herdeiro testamentário é pessoa. Enfoquemos a situação à luz das circunstâncias do caso que está sendo examinado, tendo em vista a pré-morte da herdeira testamentária S.R.O.N.L. O tema da capacidade testamentária passiva, não tenho dúvida, é um aspecto específico da capacidade jurídica das pessoas para os atos e negócios da vida civil. Não é por outra razão que o Código Civil brasileiro, logo em seu art. 1º, afirma que “Toda pessoa é capaz de direitos •••
Glauco Gumerato Ramos*