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BDI Nº.23 / 2010 - Assuntos Cartorários Voltar

COMPRA E VENDA POR ESCRITURA PÚBLICA. CONFISSÃO DE DÍVIDA EM ESCRITURA POSTERIOR. QUITAÇÃO ANTERIOR DESQUALIFICADA. FALSIDADE IDEOLÓGICA QUE SE VERIFICA PELA FÉ PÚBLICA NOTARIAL

Recurso Especial nº 813.491 - PR (2006⁄0011248-2) Relator: Ministro Ari Pargendler Recorrente: O.M.G. - Espólio Repr.. por: C.A.N.M.G. - Inventariante Recorrido: M.C. EMENTA Civil. Escritura pública. Fé pública. A fé pública resultante da escritura lavrada em notas de tabelião cede ante os termos de outra, posterior, que lhe reconhece a falsidade ideológica. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi e Humberto Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Sidnei Beneti. Brasília, 18 de dezembro de 2007 (data do julgamento). Ministro Ari Pargendler, Relator RELATÓRIO Exmo. Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): 1. A petição inicial (fl. 02⁄20, 1º vol.) dá conta de que, em 17 de dezembro de 1982, Orlando Mayrink Góes e sua mulher, Maria Camargo Góes, venderam ao filho, Luiz Antônio Mayrink Góes, casado com Helena de Silos Ferraz Mayrink Góes, a Fazenda Santa Branca, localizada no município de Londrina, PR, pelo preço de Cr$ 270.000.000,00 (duzentos e setenta milhões de cruzeiros), reservando-se o usufruto vitalício (fl. 76⁄77, 1º vol.). Maria Camargo Góes foi representada no ato pelo marido, Orlando Mayrink Góes, destacando-se na escritura pública o seguinte trecho: “... que, assim sendo, pela presente escritura e na melhor forma de direito, mediante o preço certo e ajustado de Cr$ 270.000.000,00 (duzentos e setenta milhões de cruzeiros), que do outorgado eles outorgantes confessam haver recebido neste ato, em moeda corrente nacional, cuja exatidão verificaram e de que lhe dão plena, geral e irrevogável quitação ...” (fl. 77, o sublinhado não é do texto original). Quatro dias depois, a 21 de dezembro de 1982, Orlando Mayrink Góes e Maria Camargo Góes requereram separação judicial consensual (fl. 24⁄25, 1º vol.) Lê-se na petição: “Não convindo aos suplicantes a continuidade da sociedade conjugal, vêm pela presente requerer a decretação da separação judicial consensual, ajustando: a) os bens que compõem o patrimônio do casal serão submetidos à partilha amigável ou judicial, por decisão ulterior; b) tendo em vista que o suplicante varão vem promovendo a manutenção regular de todos os encargos financeiros do casal, tal situação será respeitada até o momento do ajuste para a partilha amigável dos bens, deixando em conseqüência de fixarem as partes, nesta oportunidade, pensão alimentar; c) a suplicante, após a homologação da presente medida, passará a usar o nome de solteira – Maria Camargo” (fl. 25). No dia 06 de junho de 1983, Orlando Mayrink Góes e Maria Camargo, desta feita pessoalmente, renunciaram, por escritura pública, ao aludido usufruto vitalício (fl. 87). A 29 de junho de 1983, Luiz Antonio Mayrink Góes e sua mulher, Helena de Silos Ferraz Mayrink Góes, celebraram com Orlando Mayrink Góes uma escritura pública de dação em pagamento da Fazenda Santa Branca (fl. 80, 1º vol.), com a seguinte justificação: “... pelos Outorgantes me foi dito que são devedores, por dívida líquida e certa ao ora outorgado, da importância de Cr$ 270.000.000,00 (duzentos e setenta milhões de cruzeiros) representada por uma única via de Nota Promissória de igual valor, com vencimento em 20 de junho de 1983, de emissão do Outorgante Varão, cujo débito é originário de compra e venda celebrada em data de 17 de dezembro de 1982, através de escritura pública de venda e compra lavrada nas notas do Cartório Distrital de Maravilha, Comarca de Londrina, Livro nº 37-N, fl. 104⁄105.” À base desses fatos, dos quais extraiu as conclusões abaixo transcritas, Maria Camargo propôs, em 16 de outubro de 2000, “ação para indenização de perdas e danos” contra o Espólio de Orlando Mayrink Góes: “6.1 - tendo a Fazenda Santa Branca sido comprada pelo filho da autora e do de cujus do réu (que foram seus vendedores) com recursos que este (seu pai) lhe emprestara – Cr$ 270.000.000,00 (duzentos e setenta milhões de cruzeiros) e que foram o preço do negócio – é irrefutável que ela foi comprada com recursos da autora, igualmente, porque na data da compra (17 de dezembro de 1982, documento nº 11), a autora estava casada com o réu do de cujus, sob regime da comunhão universal de bens, e o dinheiro de Orlando, dela também era porque o regime da comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas (artigo 262 do Código Civil) e o preço da Fazenda Santa Branca, então, dinheiro que se achava em mãos de Orlando, deveria ser um bem do casal, que formara com a autora e como tal deveria ter sido partilhado na separação do documento nº 3, o que, no entanto, não ocorreu (a separação judicial importará na separação de corpos e na partilha de bens, conforme artigo 7º da Lei 6.515⁄77). 6.2 – tendo a Fazenda Santa Branca sido dada em pagamento deste mesmo débito ao de cujus do réu, com capitais mutuados ao filho, que eram da autora e dele, também – na ordem de Cr$ 270.000.000,00 (duzentos e setenta milhões de cruzeiros) e que fora o mesmo preço pelo qual aquele filho dos pais comprara a fazenda - e a considerar que, por ocasião da dação, o de cujus do réu dela já estava separado (não tendo sido partilhado o capital mutuado para o comprador da fazenda ou o preço dela, que estaria, em tese, nas mãos de Orlando), é óbvio, que, com isto, dela (quer dizer, da autora) foi alijada metade ideal da Fazenda Santa Branca (porque com a dação da fazenda pagou-se débito simulado com capitais do casal de Orlando e Maria Camargo apenas ao primeiro, que forneceu quitação indevida aos doadores e que restou, com o expediente, como único proprietário da Fazenda Santa Branca), ficando ele, o único beneficiário da dação (e injustamente), o de cujus do réu (e hoje, Espólio de Orlando Mayrink Góes). 7. Conseguentemente, o que os documentos números 11 e 12 demonstram (se real a vontade que eles exprimem), seria a venda da Fazenda Santa Branca, com os vendedores financiando o comprador, o qual, tempos depois, por não poder pagar o financiamento do preço aos vendedores, devolve a fazenda aos seus alienantes, mas tão-somente a um dos vendedores, em pagamento da dívida que assumira para comprar o imóvel (quando deveria tê-la devolvido a seus dois financiadores vendedores, para que justo fosse o distrato)” – (fl. 16, 1º vol, o sublinhado e o negrito são do texto original). Os fundamentos jurídicos da pretensão articulada na petição inicial foram assim indicados: “Sustentam-na os fundamentos do artigo 262 do Código Civil (a considerar que o regime da comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas ...); e, precipuamente, a avocação do art. 159 do mesmo Codex (eis que Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano)” – (fl. 04, 1º vol.). 2. A contestação articulada pelo Espólio de Orlando Mayrink Góes trouxe à colação escritura pública de re-ratificação feita, em 10 de janeiro de 1983, por Orlando Mayrink Góes, Maria Camargo e Luiz Antonio Mayrink Góes a propósito, entre outros negócios, da compra e venda da Fazenda Santa Branca, em cujo texto se lê “que por ocasião da realização dessas vendas, a outorgante vendedora Maria Camargo que então assinava Maria Camargo Góes, foi representada pelo outorgante vendedor Orlando Mayrink Góes, com quem ainda era casada, através do mandato que lhe conferira pela procuração lavrada à fl. 346 do Livro nº 260, datada de 04.06.1.(ilegível)2; que havendo os outorgantes vendedores, posteriormente a realização da referida venda, dissolvido a sociedade conjugal através de separação judicial consensual homologada por sentença proferida nos Autos 962⁄82, do Juízo de Direito da 2ª Vara de Família desta Comarca, já averbada a margem do assento correspondente ao casamento entre eles contraído, vêm ratificar, como de fato e de direito ratificado têm, as escrituras de compra e venda no início referidas em todos os seus termos, comparecendo a este ato, pessoalmente, a outorgante vendedora Maria Camargo, assistida ainda por sua procuradora judicial, Dra. Adelia Cristina Farah Borges da Silva” (fl. 162 e verso, 1º vol.). “Essa ratificação” – está dito na contestação – “só foi possível por força da satisfação da obrigação do de cujus do réu, por força do pagamento que se fez à autora de sua participação na Fazenda Santa Branca. Por isso, a autora não pode, agora, pleitear \'indenização\', porque não há nenhuma recomposição patrimonial a ser feita” (fl. 102, 1º vol.). Ainda segundo a contestação, “à inicial falta um elemento indispensável, que é a causa de pedir” (fl. 128, 1º vol.). \"Como ato jurídico perfeito (art. 5º, nº XXXVI, •••

(STJ)