COMODATO – TRANSFERÊNCIA CLANDESTINA DA POSSE PELA COMODATÁRIA – MORTA A COMODANTE, SUCESSORES DESTA TÊM LEGITIMIDADE PARA A AÇÃO REIVINDICATÓRIA
Ação reivindicatória. Imóvel dado em comodato à familiar da proprietária. Posterior alienação dos direitos possessórios à terceira pessoa de boa-fé. Caracterizada existência do comodato, extinto pela transferência clandestina e onerosa da posse pela comodatária à demandada, e demonstrada a propriedade, justifica-se procedência da ação. Tendo em vista a boa-fé da demandada, adquirente da posse de forma onerosa e em situação que ignorava a verdadeira situação do imóvel, caracteriza-se o direito à indenização pelas acessões e benfeitorias. Assim, julga-se procedente a ação reivindicatória e se reconhece o direito à retenção pelas benfeitorias, a serem definidas, quanto à sua existência, natureza e valor, em liquidação de sentença, compensáveis com a ocupação do imóvel por analogia à locação a partir da citação, também apurável em liquidação de sentença. Apelação Cível nº 70037431236 - Vigésima Câmara Cível - Comarca de Porto Alegre - Sucessao de Deolinda Largher Costa, apelante - Rita de Cassia Nunez Soares, apelado ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso de apelação. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Glênio José Wasserstein Hekman e Des.ª Walda Maria Melo Pierro. Porto Alegre, 28 de julho de 2010. Des. Carlos Cini Marchionatti, Presidente e Relator RELATÓRIO Des. Carlos Cini Marchionatti (Presidente e Relator) Trata-se de ação reivindicatória, que tem por objeto um imóvel urbano de 696,80m². A ação foi julgada improcedente, e os demandantes foram condenados ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em R$ 1.200,00 (fls. 193-198). O recurso de apelação dos demandantes requer a reforma da sentença, sustendo que o imóvel foi dado em comodato verbal por Deolinda Largher Costa à sua prima Cecília Largher Sanchez, no ano de 1983. Com o falecimento da comodante, seus sucessores tomaram conhecimento que a comodatária alienou a posse à demandada, posse esta que não pode ser considerada justa e de boa-fé. Requer, por fim, o provimento da ação reivindicatória. O recurso foi recebido (fl. 227) e contra-arrazoado (fls. 229-234). As contra-razões propugnam pela confirmação da sentença, reiterando que o imóvel foi adquirido de boa fé. Os autos foram remetidos ao Tribunal de Justiça, vieram-me conclusos em 7.7.2010 e os estou apresentando para julgamento na primeira sessão possível, observada a escala da Câmara. É o relatório. VOTOS Des. Carlos Cini Marchionatti (Presidente e Relator) Como já referido no relatório, trata-se de ação reivindicatória de bem imóvel, em que a parte demandante, sucessão de Deolinda Largher Costa alega que o imóvel foi dado em comodato verbal à sua prima, Cecília Largher Sanchez, no ano de 1983, e que, somente em 2008, com o falecimento da proprietária e a consequente extinção do comodato, tomaram conhecimento de que o imóvel estava na posse da ora demandada, Rita de Cássia Nuñez Soares. O comodato ficou bem caracterizado na sentença apelada, que transcrevo para integrar-se ao meu voto como razões de decidir (fls. 195, verso e seguintes): De fato, do conjunto probatório produzido, depreende-se que o imóvel, originariamente de propriedade de Deolinda Largher (adquirido por herança de sua mãe – Constantina Largher – fl. 06) foi cedido à Cecília Largher Sanchez, familiar daquela, por comodato, para que ali instalasse sua moradia até que conseguisse outro local para residir. Tal empréstimo decorreu da proximidade entre a falecida Deolinda e Cecília, sendo essas, ao que se depreende do relato da testemunha Edi Rodrigues Gomes (fl. 136), primas. Embora os autores tenham referido que o imóvel teria sido entregue em comodato ao casal João da Silva Sanchez e Cecília Largher Sanchez, não há qualquer respaldo probatório de que o cônjuge varão também se beneficiou do comodato. A falecida Deolinda adquiriu a propriedade formal do imóvel em março de 1983 (fl. 06) e João da Silva Sanchez faleceu em agosto desse mesmo ano (fl. 10), do que se presume que, por mais que o comodato tenha ocorrido quando este ainda era vivo, beneficiou-se por pouco tempo da ocupação. Até porque, não se tem conhecimento de quando, efetivamente, o casal passou a utilizar o imóvel, se antes ou após a transmissão formal da propriedade à falecida Deolinda. Com isso, mais provável é que Cecília Largher Sanchez foi quem se beneficiou do imóvel por longos anos, ocupação esta confirmada pelas testemunhas inquiridas, as quais, em unanimidade, confirmaram que, antes da requerida, era Cecília Largher Sanchez quem residia no local, tanto assim que tinham-na como dona e assim era vista na vizinhança. Observo, por outro lado, que a “cessão dos direitos possessórios” sobre o imóvel à requerida foi transmitida apenas em 2005, a evidenciar que antes disso, houve longa ocupação de Cecília, pois se os próprios autores afirmaram que o falecido marido desta também utilizou o •••
(TJRS)