A QUESTÃO DA QUITAÇÃO NA COMPRA E VENDA DE IMÓVEL
É inevitável que a celebração rotineira dos negócios acabe por gerar costumes que nem sempre estão respaldados na legislação em vigor. A aplicação reiterada desses costumes gera dogmas muitas vezes difíceis de transpor. Um desses dogmas é exatamente a exigência de haver a declaração de quitação do preço para viabilizar a lavratura de escritura pública de compra e venda ou mesmo o seu registro no Registro de Imóveis. Inclusive há posições de parte da doutrina no sentido de que a escritura pública de compra e venda importa quitação, razão pela qual só seria admitida a sua lavratura na hipótese do vendedor dar a quitação do preço. Usualmente, quando o preço de uma compra e venda imobiliária não é pago imediatamente na lavratura da escritura, são usados subterfúgios jurídicos para ensejar a quitação. As vias mais comuns são a utilização de nota promissória de caráter “pró-soluto”, que no dizer de Fran Martins “(...) é a promissória comum desligada de sua causa na qual o devedor não pode utilizar a causa [debendi] como meio de defesa, exceção para não pagar o título.” (Títulos de Crédito, 14ª Ed., p. 271); e a confissão de dívida com pacto adjeto de hipoteca, alienação fiduciária ou outra modalidade de garantia. Em ambas as vias há a declaração de quitação do preço estipulado na compra e venda, transferindo-se a obrigação de pagamento para um título de crédito ou negócio jurídico desvinculado da compra e venda. Assim, o negócio da compra e venda do imóvel fica sendo considerado como perfeito e acabado. No entanto, a necessidade de haver quitação do preço para possibilitar a lavratura de escritura pública de venda e compra deve ser vista com cautela. Possivelmente o fundamento legal para tal entendimento é o art. 491 do Código Civil/2002, que assim dispõe: “Não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço.” Com a devida vênia, trata-se de uma visão muito literal e simplista da lei. Inicialmente, trata-se de uma prerrogativa que fica ao arbítrio do vendedor fazer uso ou não. Ademais, segundo o art. 481 do Código Civil/2002, “pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe •••
Henrique César Gallo (*)