A SITUAÇÃO DO DESCENDENTE QUE SE APRESENTA APÓS A PARTILHA POR DOAÇÃO
1. INTRODUÇÃO A intenção deste trabalho não é esgotar todos os conceitos que envolvem o tema, mas, demonstrar aspectos do cotidiano que influenciam a sociedade no âmbito sucessório vinculado ao contrato de doação. Referido contrato tem eficácia imediata, pois transfere gratuitamente, em geral, o patrimônio do ascendente para o descendente antes de ocorrer abertura da sucessão por meio do inventário; consequentemente o ato no presente gerará consequências no futuro. Ao estudarmos esse tipo de contrato é necessário atentarmos às particularidades dos descendentes dos doadores, vez que, como será apontado, em determinadas situações poderá levar a uma desproporcionalidade patrimonial entre os herdeiros, resultando a doação, até mesmo, em um ato nulo, e, em outras situações o ato jurídico será plenamente válido. Qual a razão de um filho ter direito legalmente constituído em desfazer o negócio jurídico e em outra situação não poder? Essa diferenciação entre filhos é injusta, uma vez que a própria constituição proíbe qualquer diferenciação entre filhos, ou o termo justiça tem sentido mais amplo? Quais as consequências dos atos realizados inter vivos por meio da doação entre herdeiros descendentes tidos como necessários, bem como as consequências sociais desses adiantamentos de herança realizados ainda em vida pelo doador? Onde está o lado social que a norma deve garantir? Estes serão os pontos que abordaremos no decorrer deste trabalho, além do posicionamento jurisprudencial perante esses atos e a que conclusões chegamos após o presente estudo. 2. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O DIREITO SUCESSÓRIO Trataremos de uma sucessão específica e empregada em sentido estrito, que tem por objeto bens que seriam havidos por herança, seja pela morte de alguém, este intitulado de cujus, aquele de cuja sucessão (ou herança) se trata, seja pela doação entre aqueles que figuraram no rol de herdeiros legalmente identificados no Código Civil. Portanto, seremos específicos neste capítulo ao tratar da sucessão legítima cujo tema deste trabalho está intimamente ligado. O instituto da colação liga o contrato de doação ao direito sucessório. Ao ser realizada a doação será necessário verificar se os donatários / herdeiros, serão ou não obrigados a colacionar o bem recebido. Segundo Pablo Stolze Gagliano, colação “é o instituto típico do Direito Sucessório, como o ato jurídico pelo qual o herdeiro/donatário leva ao inventário, em conferência, o valor do bem doado por ascendente seu, a fim de resguardar a legítima dos demais herdeiros necessários, mediante reposição do acervo.” [1] Conforme o art. 2.005 do Código Civil Brasileiro, para que o bem doado não seja levado à colação, deverá o doador fazer constar expressamente no instrumento de doação que o mesmo saí de sua parte disponível da herança; dessa forma fica o donatário dispensado de futura colação. Quanto ao Parágrafo único do mesmo artigo, no que pese a presunção de uma doação feita a terceiro, não sendo este herdeiro necessário no momento da liberalidade, o bem doado é como se tivesse saído da parte disponível, dessa forma não existindo a obrigação de colacionar tal bem. Na obra Código Civil Comentado, de coordenação do Ministro César Peluso, encontramos a explicação seguinte: (...) doação feita a neto, por quem tem filhos vivos. Ao tempo da doação, o neto não seria chamado à sucessão do avô. No entanto, se os filhos morrem antes do doador, o neto, na sucessão do avô, sucedendo-o por direito próprio, não terá de trazer o bem à colação pois se presume imputado na parte disponível do doador, considerado o patrimônio deste ao tempo da doação. A hipótese ora tratada é do donatário que não seria chamado à sucessão ao tempo da doação, mas depois se torna herdeiro por direito próprio.[2] Quanto ao direito sucessório, nos voltaremos à relação existente entre o acervo patrimonial que será transferido aos descendentes do de cujus, seja por meio do inventário ou pela doação, a qual nos interessa. Portanto, como já mencionado, seremos específicos neste momento ao tratar da sucessão legítima. Lembremos que a herança se transfere aos sucessores no momento da morte, que a doutrina denomina como sendo o principio da saisine; dessa forma, faz-se necessário que a lei traga regras sucessórias para ocorrer a transferência hereditária. A sucessão regula-se pela lei da época em que ocorreu o óbito, ou seja, se antes do dia 11 de janeiro de 2003, data que passou a vigorar o atual Código Civil, será regida a sucessão pela norma de 1916, pouco importando o momento em que o inventário será instaurado. Caso o passamento se tenha dado após aquela data será regido pelo atual Código. Dessa forma deve-se observar a lei que estabelecerá a ordem sucessória que legitimará os sucessores e quem deverá ser excluído da sucessão. São chamados a suceder de forma legítima, aqueles identificados como as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão, inclusive os nascituros, que podem ser chamados tanto na sucessão legítima quanto na testamentária, ficando a eficácia da vocação dependente do seu nascimento, vez que o nascituro já era concebido, porém, ainda não nascido; dessa forma, o legislador no art. 1.798 do CC, ressalvou o direito sucessório do nascituro; e legatários, são aqueles nomeados no testamento para receber bem certo e determinado. A sucessão legítima[3], também chamada ab intestato, dá-se por força da lei enquanto a testamentária é pela existência de testamento. Portanto, se não existir testamento ou for inválido ou então caduco, a sucessão correrá da forma legítima, ou legal. Sendo assim, os herdeiros necessários não podem ser afastados da sucessão pela simples vontade do sucedido, senão apenas na hipótese de praticarem, comprovadamente, ato de ingratidão contra o autor da herança. Mesmo assim, só poderão ser deserdados se tal fato estiver previsto em lei como autorizador de tão drástica conseqüência.[4] A importância em determinar quem são os herdeiros necessários, na sucessão legitima, reflete-se no patrimônio sucessório, tendo eles direito a cinqüenta por cento (50%) do total do acervo sucessório, que constitui a legítima, do qual não podem ser privados por disposição de última vontade. 3. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O CONTRATO DE DOAÇÃO Doação é um contrato benéfico, pelo qual uma das partes se compromete a transferir gratuitamente, um bem de sua propriedade, para o patrimônio de outra pessoa, não existindo retorno financeiro. Portanto, trata-se de um contrato unilateral, gratuito, consensual e, via de regra, solene. Unilateral, porque envolve prestação de uma só das partes. Gratuito, porque se inspira no propósito de fazer uma liberalidade, afastando-se desse modo, dos negócios especulativos. Consensual, porque se aperfeiçoa pela conjunção das vontades do doador e do donatário, em oposição aos contratos reais que implicam a entrega da coisa por uma das partes à outra. Solene, porque a lei lhe impõe forma escrita, a menos que se trate de bens móveis de pequeno valor, seguindo-se-lhe de imediato a tradição. Para validade da doação, exige-se o preenchimento de requisitos gerais e especiais. A - Capacidade das partes (ativa e passiva). Ativa: a mesma para os demais contratos, com exceção na doação em que figura a doação de ascendente para descendente na qual é dispensada a presença / anuência dos demais descendentes, já que se pressupõe que toda doação é feita em adiantamento de legítima, ou seja, parte da herança futura que é adiantada em vida. Passiva: tem capacidade civil, todos aqueles que podem praticar os atos da vida civil, valendo observar o caráter benéfico da doação; no caso da doação favorecer um nascituro ou um incapaz, estes serão representados ou assistidos pelo seu representante legal. B - Consentimento: manifestação da vontade das partes, que pode ser: 1) expressa, declarando sua aceitação; 2) tácita, quando é possível inferir a aceitação, partindo de uma conduta adotada pelo donatário; 3) presumida, quando fixar o doador ao donatário um prazo para que declare se aceita ou não a liberalidade; 4) ficto, é o consentimento para a doação ao incapaz. C - Objeto: neste requisito, serão considerados aqueles bens que não estão enumerados no rol dos bens fora do comércio, ou seja, aqueles inapropriáveis por natureza, como por exemplo, o ar, a luz, as águas do mar, também as rés publicas: rios, vias públicas, logradouros. Atenta-se a circunstâncias peculiares na doação, como a doação universal, quando ocorre a doação de todo o patrimônio, necessariamente deverá ficar reservado o usufruto em favor do doador, conforme dispõe o art. 548, do CC. Uma vez que o doador declare que possui meios e rendas suficientes para sua subsistência, ficaria desobrigado a reservar para si o usufruto, visto que a vontade do legislador é a de salvaguardar direitos do doador com o fito de não ficar desamparado no futuro. Porém, quando o doador tem meios para manter-se, presume-se que não ficaria desamparado, mesmo que ele não tenha reservado para si o usufruto em pelo menos um dos bens doados, pois ele expressa a desnecessidade deste amparo. Vale lembrar, a necessidade da observância no que tange ao objeto da doação, se aquele sai da parte disponível do doador, cujo assunto será tratado oportunamente. D - Forma: a eficácia da doação é subordinada à forma prevista em lei, é contrato solene devendo ser observada a disposição legal do art. 541 CC, tendo como escopo o seu objeto, vez que, caso desobedeça tal exigência legal, a doação tornar-se-á sem validade. Então, temos como efeito: 1) para doações que tiverem como objeto bens móveis e de valores insignificantes, como as doações manuais, de uso frequente na vida social, nesses casos poderá ser feita verbalmente; e 2) o art. 108 do Código Civil impõe a forma solene da escritura pública para os contratos constitutivos ou traslativos de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o salário mínimo vigente no País. Caso o valor do bem seja inferior àquele indicativo, faculta-se o instrumento particular de doação. Quando a doação só beneficio trará ao incapaz, a lei (art. 543 do Código Civil Brasileiro) dispensa qualquer formalidade na aceitação. O silêncio qualificado, nessa hipótese, implica aceitação do beneficio. Essa solução decorre do senso comum. Somente não será válido se ocasionar gravame ao incapaz, como na hipótese de encargo, assim sendo deverá ser examinado conforme o caso concreto. As restrições à liberdade de doar são: a) doação de todos os bens, sem reserva da parte ou renda (conforme já mencionado) suficiente para a subsistência do doador; b) doação da parte excedente do que poderia dispor o doador em testamento, no momento em que doa (doação da parte inoficiosa); c) doação de onde resulta prejuízo para os credores; e d) doação do cônjuge adúltero a seu cúmplice. Para análise do tema inerente ao presente estudo, a espécie de doação com maior relevância é a doação inoficiosa. Pablo Stolze Gagliano, conceitua doação inoficiosa como “aquela que traduz violação da legítima dos herdeiros necessários. O seu impacto no Direito das Sucessões é manifesto.”[5] Dispõe o art. 549 do CC que será também nula a doação quando exceder a metade do patrimônio que o doador poderia dispor em testamento no momento da liberalidade. Esta regra, apesar de se encontrar na seção do testamento, é aplicada por analogia também à doação. Dessa forma, o doador, deve ater-se a alguns limites impostos pela lei, seja em seu próprio benefício, como a reserva obrigatória do usufruto, quando o mesmo não tenha outros meios para sua subsistência de forma autônoma, seja em proteção de terceiros, principalmente de seus herdeiros necessários. Explica Pablo Stolze •••
Luis Gustavo Ravasio (*)