VENDA DE ASCENDENTE A DESCENDENTE, SEM A ANUÊNCIA DOS DEMAIS, É ANULÁVEL E DEPENDE DA DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO PELA PARTE INTERESSADA
Embargos de Divergência em Resp nº 661.858 - PR (2006⁄0091674-1) Relator: Ministro Fernando Gonçalves Embargante: Octávio Cesario Pereira Junior e outros Embargado: Rosângela Bonalumi Canesin EMENTA Civil. Venda. Ascendente a descendente. Ato anulável. 1 - A venda de ascendente a descendente, sem a anuência dos demais, segundo melhor doutrina, é anulável e depende da demonstração de prejuízo pela parte interessada. Precedentes. 2 - Prescrição aquisitiva em favor dos compradores (descendentes) reconhecida pelas instâncias ordinárias, porque permaneceram na posse dos bens, de boa-fé e com justo título, por mais de quinze anos. 3 - Embargos de divergência conhecidos e acolhidos para, reformando o acórdão embargado, restabelecer o julgamento do Tribunal de origem. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, renovando o julgamento, após a leitura do relatório e voto do Ministro Relator e o voto-vista do Ministro João Otávio de Noronha, que foi acompanhado pelos Ministros Sidnei Beneti, Luis Felipe Salomão e Carlos Fenando Mathias, por unanimidade, conhecer dos Embargos de Divergência e os acolher. Impedido o Ministro Massami Uyeda. Brasília, 26 de novembro de 2008. Ministro Fernando Gonçalves, Relator RELATÓRIO Por Rosângela Bonalumi Canesin foi proposta ação declaratória de nulidade de ato jurídico para desconstituir a venda de imóveis realizada por seu falecido pai, em favor de irmãos unilaterais, sem sua anuência. Acolhida, em primeiro grau, a argüição de prescrição aquisitiva (usucapião ordinário), o julgado foi confirmado pela Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Interposto recurso especial, foi provido pela Terceira Turma - Rel. o Min. Castro Filho, consoante acórdão que guarda a seguinte ementa: \"Civil. Ação anulatória. Venda de ascendente a descendentes. Consentimento. Herdeiros. Ausência. Prescrição vintenária. I - Conforme a dicção da Súmula 494 do Supremo Tribunal Federal, no caso de ação visando à anulação da venda direta de ascendente a descendente, sem o consentimento de herdeiros, o prazo prescricional é vintenário, conforme previsto no artigo 177 do Código Civil de 1916. II - A escritura pública que consolidou a venda não pode ser considerada como justo título para fins de aquisição da propriedade por usucapião ordinário, se sua lavratura decorreu de negócio fraudulento. Recurso provido.\" (Resp 661.858⁄PR) (fls. 833) Os embargos de declaração opostos foram em parte acolhidos, de acordo com fls. 875, verbis: \"Embargos de declaração. Omissão. Responsabilidade solidária. Presunção. Descabimento. Nulidade. Inexistência. I - Anuladas as vendas dos imóveis de ascendente a descendentes, a restituição do bem ou do valor equivalente é conseqüência natural, devendo cada herdeiro responder pela parte que indevidamente recebeu, porquanto descabida a presunção de solidariedade. II - No caso de questão exclusivamente de direito, em que não há necessidade de dilação probatória, é possível o enfrentamento do mérito da causa, nos termos do artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil. III - Não há norma no Código de Processo Civil ou no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça determinando nova inclusão em pauta, nos casos em que extrapolado o período de vista regimental. Ausência de prejuízo às partes, que fizeram suas sustentações orais na primeira sessão de julgamento. IV - Os embargos de declaração não se caracterizam via própria à discussão de matéria de índole constitucional, sendo, destarte, defeso a esta Corte fazê-lo, ainda que para fins de prequestionamento. Embargos da autora parcialmente acolhidos, para fins aclaratórios, e rejeitados os dos réus.\" (fls. 875) Nos presentes embargos de divergência, Octávio Cesário Pereira Junior e outros sustentam encontrar-se o acórdão em dissonância com julgados outros, da Corte Especial (EREsp 89240⁄RJ - Rel. o Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira e EREsp 299246⁄PE - Rel. o Min. Ruy Rosado de Aguiar), Primeira Turma (Resp 417804⁄PR - Rel. o Min. José Delgado), Terceira Turma (Resp 476557⁄PR - Rel. a Min. Nancy Andrighi e Resp 407123⁄RS - Rel. o Min. Carlos Alberto Menezes Direito) e Quarta Turma (Resp 977-0⁄PB - Rel. o Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira e Resp 74135⁄RS - Rel. o Min. Aldir Passarinho Junior). Na Corte Especial, pelo voto do Relator, Min. Paulo Gallotti, foi negado provimento ao regimental tirado de decisão negando seguimento aos embargos de divergência, relativamente aos julgados apontados como paradigmas. Assentada de 16 de maio de 2007 (fls. 1064), com trânsito em julgado em 26 de junho de 2007 (fls. 1069). Distribuído o feito a esta Segunda Seção, vieram-me conclusos para dirimir o eventual dissenso do acórdão com os precedentes da Terceira Turma e da Quarta Turma. Os embargos foram admitidos, verbis: \"Mister se faz esclarecer, desde já, que a divergência em análise refere-se apenas e tão somente à questão relativa ao art. 1132 do Código Civil de 1916, ou seja, acerca da nulidade ou anulabilidade das vendas ocorridas no caso concreto entre ascendente e descendentes. Isso porque, não obstante a existência de paradigma da Quarta Turma (Resp nº 6643⁄SP - fls. 950-954) referente ao art. 515 do CPC (possibilidade de julgamento do mérito diretamente pelo Tribunal ad quem quando é afastada a prescrição), esse assunto encontra-se definitivamente julgado, conforme a decisão de fls. 1029-1032, ao aplicar, à hipótese vertente, o entendimento da Corte Especial. Adotado o norte do órgão máximo deste STJ não tem sentido se falar em divergência no âmbito restrito da Segunda Seção, até porque a mencionada decisão transitou em julgado em 26⁄06⁄2007, conforme certidão de fls. 1069. Posto isso, restam somente os recursos especiais de nº 977-0⁄PB e 74135⁄RS. Neste particular, tenho que estão presentes os requisitos para a admissão da súplica. Com efeito, enquanto o acórdão embargado (Terceira Turma), afirma, de modo claro, que a venda de ascendente a descendente, sem o consentimento dos demais, presume-se nula, os paradigmas consignam tese diametralmente oposta, ou seja, em tal caso, a venda é anulável. Configurada, portanto, a divergência na forma prescrita pelo art. 266, § 1º, do Regimento Interno da Corte, admito os embargos. Vista ao embargado, pelo prazo de 15 dias, para, querendo, apresentar impugnação (art. 267, do RISTJ).\" (fls. 1.076) Apresentada impugnação (fls. 1079⁄1094), alega a embargada: a) ausência de semelhança fática entre o acórdão recorrido e os paradigmas; b) inovação nos embargos de divergência, porque não teria sido discutida, no especial, a questão da venda de ascendente a descendente e c) os paradigmas estão desatualizados porque não refletiriam a jurisprudência atual do STJ. É o relatório. VOTO Exmo. Sr. Ministro Fernando Gonçalves (RELATOR): O cerne da controvérsia reside na indagação se a venda de ascendente a descendente, sem anuência de outro descendente é nula de pleno direito ou se é apenas anulável, podendo, pois, ser considerada hígida, à míngua de prejuízo. O acórdão relativo ao especial, ao contrário do que sustenta a embargada, de modo muito claro, adota a tese da nulidade pleno jure, quando assevera: \"Todavia, merece reparos o entendimento esposado pelo douto tribunal a quo, uma vez que, no caso de ação visando à anulação da venda direta de ascendente a descendente, sem o consentimento de herdeiros, de acordo com a Súmula nº 494 do STF, o prazo prescricional é vintenário: \"A ação para anular venda de ascendente a descendente, sem consentimento dos demais, prescreve em vinte anos, contados da data do ato.\" Na mesma linha de raciocínio seguiram os julgados desse Superior Tribunal de Justiça: \"Venda de ascendente para descendente. Art. 1.132 do Código Civil. Súmula nº 494 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes da Corte. 1. Nos termos da Súmula nº 494 do Supremo Tribunal Federal, o prazo prescricional é de vinte anos, contado do ato. 2. Recurso especial não conhecido.\" (Resp 311.407⁄SC, Terceira Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 29⁄10⁄2001.) \"Venda de ascendente a descendente. Nulidade. Prescrição. Quotas de sociedade comercial. A venda de ascendente a descendente, sem interposta pessoa, é nula; a pretensão prescreve em vinte anos, contado o prazo da data do ato. Inclui-se entre os atos proibidos a transferência de quotas sociais. Precedentes. Recurso conhecido e provido.\" (Resp 208.521⁄RS, Quarta Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 21⁄02⁄2000.) Por fim, ainda que se considere a escritura pública que consolidou a venda como justo título, para fins de aquisição da propriedade por usucapião ordinário, faltar-lhe-ia outro requisito imprescindível, a boa-fé, porquanto sua lavratura decorreu de negócio fraudulento. A esse respeito: \"Civil. Venda de ascendente a descendente. Nulidade. Usucapião como defesa. 1. A venda de ascendente a descendente, sem o consentimento expresso dos demais descendentes, é nula e prescreve em vinte anos a ação para declarar essa nulidade. 2. A posse do imóvel em virtude de alienação em fraude da lei não se apresenta apta à aquisição do domínio, por usucapião ordinário, por lhe faltar o requisito do justo título e da boa-fé.\" (Resp 10.038⁄MS, Terceira Turma, Rel. Min. Dias Trindade, DJ de 21⁄05⁄1991). Pelo exposto, dou provimento ao recurso para afastar a prejudicial de usucapião e, com base no artigo 515, § 3º, •••
(STJ)