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BDI Nº.19 / 2009 - Assuntos Cartorários Voltar

A COMPRA DE TERRENO COM PAGAMENTO DO PREÇO EM UNIDADES A SEREM CONSTRUÍDAS E A QUESTÃO DO TIPO DE CONTRATO ADOTADO

1. Introdução A Lei das Incorporações Imobiliárias (4.591/64, artigo 39) prevê a hipótese de aquisição do terreno para a realização da incorporação com o pagamento total ou parcial do preço mediante unidades autônomas a serem construídas no próprio terreno. Esse tipo de negócio é bastante usual, ora por ser mais conveniente ao incorporador não realizar o desembolso prévio do preço do terreno, ora por preferir o proprietário do terreno garantir a preservação do valor do seu patrimônio, ora por ambos os motivos. Contudo, a formalização desse tipo de negócio costuma ser uma “pedra no sapato” dos contraentes e, às vezes, dos futuros adquirentes das unidades autônomas, em razão do tipo contratual adotado, que não raro deixa de atender satisfatoriamente as expectativas e interesses dos envolvidos; ou atende-os, mas de forma gravosa. Levando em conta que o adquirente do terreno, via de regra, será também incorporador do empreendimento, ou seja, lançará as unidades para serem negociadas durante a construção, é crucial que o tipo de contrato adotado viabilize a realização dos negócios no decorrer das obras (que podem envolver financiamento junto a instituições financeiras ou venda à vista, ou mesmo a prazo, sem financiamento das unidades) sem maiores embaraços para o incorporador e respectivos adquiren-tes das unidades, e, também, sem descuidar da proteção do alienante do terreno. Considerando que a matéria em si costuma ser complexa, não trataremos da fase da incorporação (envolvendo elementos do memorial e demais documentos necessários) nem tampouco dos documentos exigíveis para a realização dos contratos, inclusive daqueles que serão objeto da nossa consideração. Para manter simples, objetivas e práticas estas lucubrações, abordaremos o assunto sem digressões doutrinárias e jurisprudenciais, até porque parcas, dentro deste contexto, conduzindo-nos tão só por um raciocínio indutivo que leve a uma visão dos percalços que podem surgir pela má escolha do tipo contratual, apontando, por último, o que nos parece ser a forma mais adequada de contratar para a hipótese aqui tratada. 2. Tipos de contratos utilizados na compra do terreno para pagamento através de unidades autônomas a serem construídas no terreno adquirido Os contratos típicos adotados nessas transações invariavelmente são: a) promessa de compra e venda de parte do terreno (reservando o alienante uma fração do terreno para si); b) promessa de compra e venda do terreno c/c promessa de dação em pagamento das unidades a serem construídas; ou, c) promessa de permuta do terreno pelas unidades a serem construídas. Nenhuma dessas hipóteses atende adequadamente os interesses dos contraentes. 3. Inconvenientes da promessa de compra e venda de parte do terreno, com reserva de parcela deste ao alienante, correspondente à fração ideal das unidades que lhes serão dadas em pagamento. Esta hipótese reúne o maior número de inconvenientes, praticamente inviabilizando o negócio de incorporação em alguns casos. Ao adquirir parte do terreno, o adquirente constitui com o promitente alienante um condomínio voluntário sobre todo o terreno, no qual o percentual de cada um recai, não sobre parte certa e discriminada do terreno, mas “sobre cada molécula do terreno”, nas palavras lapidares de Caio Mário da Silva Pereira. A seguir, com o registro do memorial de incorporação e a especialização e individualização das unidades autônomas a serem construídas, e suas respectivas frações ideais, o percentual de cada condômino (alienante e adquirente) sobre o terreno pulveriza-se sobre cada uma dessas unidades autônomas e respectivas frações ideais. Para que ocorra a separação (divisão) do quinhão de cada condômino no condomínio voluntário, será necessário firmar contrato de divisão amigável mediante escritura pública (também chamada escritura de atribuição de unidades), a qual deverá ser registrada no Registro de Imóveis, na matrícula de cada uma das unidades autônomas em construção, com suas respectivas frações ideais do terreno. Após o registro da incorporação, a lavratura da escritura pública de divisão amigável das unidades em construção e respectivas frações ideais do terreno, e o registro desta divisão amigável no Registro de Imóveis, a situação será a seguinte: 3.a – o adquirente será promitente comprador das frações ideais vinculadas às unidades que lhe foram conferidas na divisão amigável e incorporador de todas as unidades a serem construídas; 3.b – o promitente alienante será promitente vendedor das frações ideais correspondentes às unidades que couberam ao adquirente na divisão amigável e detentor do crédito das unidades autônomas que lhe foram atribuídas na divisão, em pagamento do preço das frações do terreno conferidas ao adquirente e incorporador. Enquanto pendente a divisão amigável a situação será: 3.c - todos os contratos de venda ou promessa de venda das unidades em construção e respectivas frações ideais terão como vendedores ou promitentes vendedores o promitente alienante de parte do terreno e o promitente adquirente/incorporador. Isto ocorrerá ainda que se esclareça na escritura pública que a unidade autônoma negociada, em construção, e a respectiva fração ideal do terreno, será deduzida do quinhão do promitente adquirente/incorporador, ou vice-versa, para justificar o recebimento do preço por quem de direito, em razão do estado prodiviso do empreendimento, ou seja, da não individualização da propriedade das frações ideais do terreno e das unidades autônomas a elas vinculadas; 3.d - Eventual negociação somente pelo promitente adquirente/incorporador, implicará na formação de um condomínio voluntário entre o novo adquirente e o promitente alienante de parte do terreno, pois o promitente adquirente/incorporador não poderá dispor de toda a unidade autônoma, e respectiva fração ideal do terreno, antes que esta lhe seja atribuída em divisão amigável; •••

Valestan Milhomem da Costa (*)