SOBRE A POSSIBILIDADE DE GRAVAR A PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA IMÓVEL COM HIPOTECA
1. LEGISLAÇÃO PERTINENTE A propriedade fiduciária de que trata o Código Civil refere-se tão somente aos bens móveis infungíveis, conforme estabelece seu art. 1.361 e seguintes, os quais devem ser lidos juntamente ao decreto-lei 911, de 1º de outubro de 1969. O procedimento de busca e apreensão do bem móvel alienado fiduciariamente é regulado por este decreto-lei, o qual sofreu recentes alterações com a lei 10.913, de 2004. Esta mesma lei acrescentou o art. 1.368-A ao Código Civil, o qual determina que as leis especiais que tratem de propriedade ou titularidade fiduciária continuem a ser observadas, aplicando-se o Código Civil de 2002 apenas naquilo em que ele não for incompatível com a legislação especial. Via de regra, a propriedade fiduciária recai sobre bens móveis. Para alienação fiduciária no mercado financeiro e de capitais, tem-se a lei 4.728, de 1965. Já a propriedade fiduciária de imóveis é tratada na lei 9.514, de 1997, art. 22 e seguintes. 2. CONCEITO DE PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA A propriedade fiduciária é um direito real de garantia que surge para garantir um financiamento efetuado pelo devedor alienante junto ao credor adquirente da propriedade fiduciária. Duas são as partes: o credor fiduciário (sujeito ativo) e o devedor fiduciante (sujeito passivo). Estabelecida a propriedade fiduciária, ocorre o desmembramento da posse. O devedor fiduciante permanece na posse direta do bem; ao credor fiduciário é assegurada a posse indireta do bem. O credor adquire, também, a propriedade resolúvel do bem alienado fiduciariamente. Sua propriedade se resolverá se o devedor adimplir a obrigação contraída, hipótese em que a propriedade do bem e sua posse plena retornarão ao então devedor. O objetivo é garantir a obrigação assumida com o credor fiduciário. Para o credor, a propriedade fiduciária é melhor que os demais direitos reais de garantia (penhor, hipoteca e anticrese), pois, assim que firmado esse direito real, converte-se o credor em proprietário do bem dado em garantia, podendo, em caso de inadimplemento, alienar o mesmo para levantar numerário para saldar a dívida. As demais garantias reais são ônus em coisa alheia, de modo que o bem continua a integrar o ativo do devedor, reduzindo a tutela do credor em confronto com outros credores. FARIAS & ROSENVALD (2006: 371) compreendem bem esta vantagem ao salientar, por exemplo, a impenhorabilidade, por dívidas do devedor alienante, sobre bem alienado em garantia, “pois a circunstância de ter apenas a posse direta do bem não autoriza sua constrição judicial em prol de um segundo credor.” O credor fiduciário se vê, portanto, protegido pelos embargos de terceiro. Estes mesmos autores relembram que, embora a propriedade fiduciária não venha explicitamente citada no art. 1.225 do Código Civil, ela é um direito real implícito no inciso I deste dispositivo, sendo espécie de propriedade resolúvel (2006: 363). O termo “alienação fiduciária” refere-se ao tipo contratual. Já o direito real de garantia da propriedade fiduciária só se forma depois do registro da mesma. 3. DO PRINCÍPIO REGISTRAL DA INSCRIÇÃO QUANTO À PRIORIDADE GRADUAL E EXCLUDENTE AFRÂNIO DE CARVALHO (1998: 140) ensina que o princípio da inscrição “significa que a constituição, transmissão e extinção de direitos reais sobre imóveis só se operam por atos inter vivos mediante sua inscrição no registro” (grifo acrescido). Ou seja, não basta a estipulação negocial entre as partes para que surja, mude ou se transfira um direito real: somente a inscrição terá o condão de fazer a mutação jurídico-real. Cite-se como exemplo a propriedade imóvel, a qual não é adquirida com a celebração do contrato de compra e venda, mas tão somente com a inscrição deste no Registro de Imóveis. A necessidade da inscrição se justifica pela necessidade de dar publicidade aos direitos reais sobre imóveis. Afinal, os direitos reais têm como sujeito passivo toda a coletividade, sujeitando-a a um dever geral de abstenção. Sendo assim, os direitos reais transcendem os sujeitos do negócio jurídico, sendo de interesse de todos conhecê-los para que não se corra o risco de desrespeitá-los. Sendo assim, a correta cadeia de titulares de direitos reais é imprescindível. A inscrição deverá ser feita, portanto, não só em decorrência de ato entre vivos, mas também quando a aquisição de direitos reais se der por força de lei – tal como no caso de herança. As inscrições dividem-se em constitutivas e declarativas. A constitutiva constitui o direito ou sua oneração; as declarativas apenas “divulgam direitos que ganharam existência antes dela ou riscos que pendam sobre direitos inscritos”, ou seja, atestam um fato ou ato jurídico consumado, perfeito e precedente, conforme ensina AFRANIO DE CARVALHO (1998: 143 e 146). A inscrição teria, assim, a finalidade de estabelecer correspondência entre a realidade fática e a do registro, bem como “divulgar riscos pendentes sobre direitos inscritos, inclusive o de iminente constituição de um gravame” (idem. 1998: 147), hipótese em que ocorre inscrição preventiva. Exemplo de inscrição declarativa preventiva é a hipoteca, cuja inscrição serve de alerta para adquirentes e credores acerca da possibilidade de perda daquela garantia em razão de débito anterior. As preventivas são sempre provisórias, tendendo •••
Raquel Duarte Garcia (*)