ASPECTOS RELEVANTES SOBRE O CONTRATO DE CORRETAGEM NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
1. Introdução O Código Bevilácqua (Código Civil de 1916) nada dispunha a respeito do contrato de corretagem. Até o advento do Código Reale (novo Código Civil, de 2002), este era um contrato atípico, embora nominado. O que existia era apenas a regulação da profissão de corretores no Código Comercial. Hoje – conclusão que resulta da análise dos artigos 722 a 799 do atual Código Civil – é a corretagem um contrato nominado e típico. Isso se deve, em parte, ao incremento das relações negociais, em que sujeitos se tornam “superespe-cialistas” em determinados ramos, atendendo sempre às exigências de mercado. Alia-se ao argumento, ademais, o atual momento histórico em que os contraentes pura e simplesmente, no mais das vezes e por razões diversas, não têm tempo para “se encontrarem”, daí porque procuram os serviços de um especialista em aproximar interessados em vender aos interessados em comprar os mais variados objetos de negociação. Neste contexto é que surge o contrato de corretagem, que já merecia mesmo regulamentação específica. Diante de sua inegável importância, pois, pareceu-nos salutar compartilhar com o leitor algumas idéias interessantes que a prática do foro nos fez reunir, sendo que apenas tivemos o trabalho de sistematizar algumas informações. Nosso objetivo – é bom ressaltar desde logo – não é, por óbvio, esgotar o tema. Ao contrário, pretendemos apenas colaborar com algumas observações úteis ao cotidiano, não apenas de profissionais técnicos (advogados, juízes e promotores), mas também dos próprios corretores, razão pela qual nos esforçamos para utilizar um vocabulário acessível a todos. 2. Aspectos gerais (conceito, extensão, características e objeto) Conforme o art. 722 do Código Civil, “Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas”. O contrato de corretagem, assim, pode ser definido como a “convenção pela qual uma pessoa, não ligada a outra, em virtude de mandato, prestação de serviço ou por qualquer relação de dependência, imprescindível para que haja imparcialidade na intermediação, se obriga, mediante remuneração, a obter para outrem um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas, ou a fornecer-lhe as informações necessárias para celebração do contrato” [01]. Não se confunde a corretagem com outras formas contratuais assemelhadas, como: 1) mandato, já que não existe qualquer forma de representação; 2) representação comercial, pois a corretagem é ajuste eventual; 3) empreitada, pois seu objeto não é a entrega de obra; 4) contrato de trabalho ou locação de serviços, porque seus elementos são absolutamente distintos daqueles, como será visto adiante. São partes no contrato: 1) o comitente, isto é, aquele que contrata a intermediação com o corretor; 2) o próprio corretor, que pode ou não ser pessoa habilitada à prática do negócio jurídico. A propósito, a ilicitude do exercício profissional não atinge o contrato como negócio jurídico, salvo se a lei expressamente proibir determinadas pessoas de nele figurar [02]. Trata-se a corretagem de contrato: 1) bilateral, posto que gera obrigações para ambas as partes (comitente e corretor); 2) oneroso, vez que o trabalho do corretor será, eventualmente, remunerado (art. 725 do Código Civil); 3) aleatório, exatamente porque a remuneração somente será devida – e por isso destacamos acima que ela será eventual – se o negócio principal for concretizado; 4) consensual, já que depende apenas do consentimento para completar-se. Por não exigir forma solene, o contrato de corretagem pode ser verbal e até mesmo provado testemunhalmente. Neste sentido, convém colacionar o precedente do extinto 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo: “MEDIAÇÃO. COMISSÃO DE CORRETAGEM. COBRANÇA. INTERMEDIAÇÃO. PROVA. TESTEMUNHA. ADMISSIBILIDADE, DESDE QUE FIRME E CONVINCENTE. A mediação não exige forma solene e pode ser concluída de forma verbal e provada pelos meios legais de que cuida o artigo 332 do Código de Processo Civil, admitindo-se, em consequência a prova testemunhal. Este ônus é do demandante. Sem demonstração segura da existência do ajuste, a ação deve ser julgada improcedente”. (TJSP, 2º TACiv, 11ª Câmara, Apelação sem revisão 691.937-00/0, rel. Des. ARTUR MARQUES, j. 13.12.2004) Em tese, toda atividade lícita admite a figura do corretor, até mesmo para a realização de casamentos. Há, modernamente, inúmeras agências de casamento, cuja atividade não é outra senão aproximar as partes com a finalidade específica de figurarem numa determinada relação jurídica. 3. Obrigações do corretor O art. 723 elenca as principais obrigações do corretor [03], destacando, em primeiro lugar, a execução da mediação com diligência e prudência, o que implica na prestação espontânea ao cliente de todas as informações sobre o andamento dos negócios postos sob sua responsabilidade. Vê-se que este primeiro aspecto das obrigações do corretor abrangem, acima de tudo, seu dever de prestar contas sobre o andamento das negociações, sempre dentro dos limites do contrato em questão, é dizer, sobre eventuais interessados em celebrar o negócio principal, preços oferecidos etc. Em segundo lugar, cabe ao corretor prestar ao cliente todos os esclarecimentos que estiverem ao seu alcance sobre a segurança ou risco do negócio. Por exemplo, incumbe-lhe buscar informações sobre a possibilidade de se negociar a coisa objeto do contrato principal. Nas negociações imobiliárias, em específico, cabe ao corretor proceder a uma busca completa das tradicionais certidões que antecedem este tipo de acordo. Assim, demonstrará se há risco de ocorrer fraude de execução, se o imóvel é mesmo um objeto livremente negociável, se os compradores são pessoas idôneas etc. Em síntese, com esses dados em mãos, é obrigação do corretor advertir seu cliente sobre a segurança ou risco do negócio. Daí para frente, a opção por celebrar ou não o contrato – assumindo os eventuais riscos – é das partes contratantes. Anote-se, em tempo, portanto, que a obrigação do corretor se restringe a esclarecer as partes sobre tais circunstâncias. Eventuais prejuízos pelos riscos assumidos são, pois, das próprias partes, não podendo ser suportados pelo corretor. De outro lado, se o corretor não demonstra às partes esses riscos do negócio, o corretor pode vir a responder pelos prováveis prejuízos dos clientes. Nota-se, assim, que o corretor deve ser diligente e documentar-se quanto a todas as precauções que a lei lhe impõe, ou seja, deve ter guardadas todas as provas de que esclareceu aos seus clientes sobre os riscos do negócio, evitando, desta forma, futuras ações judiciais. Não é obrigação do corretor, no entanto, a redação do subjacente contrato de compra e venda. Ainda que o faça, já se reconheceu que a falta de cláusula penal na avença não implica na sua responsabilidade civil, ainda que as partes venham a sofrer prejuízo pela ausência de tal estipulação. Neste sentido: “MEDIAÇÃO. COMISSÃO DE CORRETAGEM. COBRANÇA. APROXIMAÇÃO DAS PARTES. NEGÓCIO CONCLUÍDO. ALEGAÇÃO DE NEGLIGÊNCIA NA REDAÇÃO DO CONTRATO. CULPA DO CORRETOR. PROVA. AUSÊNCIA. CABIMENTO. Se os documentos acostados aos autos demonstram de forma contundente que a corretora prestou serviços de intermediação e corretagem entre as partes compradoras e vendedoras do imóvel, gerindo as pretensões de modo a propiciar aos alienantes/proprietários que lhe contrataram serviços encontrar os adquirentes do imóvel objeto do contrato, obtendo com a atividade específica resultado útil, ou seja, a efetiva realização do negócio, não é de ser considerada a alegada negligência da redação do contrato, que não previu cláusula penal por descumprimento de obrigações pelos compradores, e atraso na obtenção de financiamento necessário, sem a devida prova de culpa da corretora, cuja obrigação não se estende a tanto. Necessário, destarte, o acolhimento da ação de cobrança da comissão de corretagem”. (TJSP, 2º TACiv, 3ª Câmara, •••
Denis Donoso (*)