Aguarde, carregando...

BDI Nº.10 / 2009 - Comentários & Doutrina Voltar

FIANÇA – NATUREZA JURÍDICA E SEUS EFEITOS NO DIREITO ATUAL

Esta coluna tem invariavelmente se dedicado a matérias afeitas ao universo imobiliário e, dentre essas, a fiança locatícia — seus desdobramentos, particularidades e implicações — tem sido alvo de variados artigos, até porque constitui uma fonte inesgotável de interesse, dada a diversidade e amplitude do leque de interpretações que lhe dizem respeito. A propósito, das três garantias previstas na Lei do Inquilinato, a mais usual é a fiança prestada sob a orientação do artigo 39, que prevê a sua extensividade até a entrega das chaves do imóvel. A complexidade do tema pode ser plenamente compreendida desde que façamos um breve histórico a respeito das profundas mudanças sócioeconômicas vivenciadas pós-Real (1994), conjugadas com o significativo leque de diversos regramentos que de forma muito particular robusteceram na última década o acervo legal pátrio – essencialmente impulsionados pela Carta Magna de 1988 – e causaram sensíveis alterações subjetivas e objetivas nas relações advindas do segmento imobiliário e na composição/conciliação de interesses divergentes para a busca de um fim comum, o qual em ambiente de bens imóveis, invariavelmente desemboca no atendimento da função social da propriedade, seja ela rural ou urbana, residencial ou não. Comentada revolução de idéias e situações, redimensionadora de conceitos e paradigmas, teve o seu marco inicial assinalado pela Lei 8.078 de 11.9.90 (Código de Defesa do Consumidor), assistiu a entrada em vigor da festejada Lei 8.245 de 18.10.91 (a chamada nova Lei do Inquilinato) e presentemente encontra-se sob o impacto da promulgação do Estatuto da Cidade e do Código Civil Brasileiro. No entanto, em que pesem as boas intenções invariavelmente envolvidas e o aceitável titubeio que nasce diante de uma novidade, nem sempre a correta interpretação do espírito do legislador e o respeito pela hierarquia legal têm triunfado, não sendo raro a fusão desordenada entre um e outro disciplinamento culminar por produzir entendimentos equivocados. O presente artigo almeja trazer à tona a preocupação com o prognóstico que emerge da análise do embate travado entre a Lei Inquilinária e o Código Civil Brasileiro, no respeitante à matéria “fiança” e suas indeléveis consequências para a cadeia imobiliária como um todo; pretensão que, além de entrelaçar proprietários e locatários, visivelmente alcança a construção civil e o deficit habitacional em nosso país. Da Instituição da Fiança de Locação, sua vigência e amplitude. 1. Amparo legal: Lei 8.245/91: Art. 37. No contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes modalidades de garantia. ... “omissis”... II - fiança. Art. 39. Salvo disposição em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a devolução do imóvel. A especificidade da lei, direcio-nada às locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes, deixam clara a supremacia de seu regulamento, estabelecendo logo em seu intróito (art. 1º) que: Continuam regulados pelo Código Civil e pelas leis especiais: a) as locações: 1. de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos municípios, de suas autarquias e fundações públicas; 2. de vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento de veículos; 3. de espaços destinados à publicidade; 4. em “apart-hotéis”, hotéis-residência ou equiparados, assim considerados aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e como tais sejam autorizados a funcionar; b) o arrendamento mercantil, em qualquer de suas modalidades. De conseguinte, irresistível é a ilação de que as mencionadas situações supra reproduzidas são portanto as únicas exceções que fogem à regra do disciplinamento da Lei Inquilinária de que se cuida. Dando prosseguimento a abordagem entabulada no artigo anterior, enfocaremos nesta oportunidade, mais alguns aspectos relativos à natureza jurídica da fiança e seus efeitos no direito atual: Do Gradativo Impasse Instalado 2. O amálgama das exegeses Assentado tal compreensão do assunto, não é intrincado demais prosseguir com o raciocínio de que somente irão aplicar-se outros regramentos às locações de imóveis urbanos, quando a lei inquilinária revelar-se insuficiente para dirimir as dúvidas ou solucionar os conflitos, como aliás textualmente vem fixado no artigo 79 da mesma: Lei 8.245/91 No que for omissa esta lei aplicam-se as normas do Código Civil e do Código de Processo Civil. Entretanto, a tranquilidade, o equilíbrio e a segurança dos contratos de locação firmados (leia-se, fundamentados pela orientação emanada do texto inquilinário e sob tal égide legitimados) têm sido ameaçadas pelo recente entendimento de que a interpretação do que dispõe o Código Civil Brasileiro no tocante à fiança, lograria trazer embaraços ao fiel cumprimento desta categoria de garantia locatícia: Código Civil Art. 819 (art. 1.483, CC/16). A fiança dar-se-á por escrito e não admite interpretação extensiva. A ótica a ser dispensada no tratamento do tema, passa a cometer equívocos e a embaralhar seu campo de visão, quando pipoca a argumentação de que o contrato de locação prorrogado por prazo indeterminado, representaria a amplitude (extensão) mencionada pela lei civil e portanto, vedada ao favor prestado. A generalidade aplicada em tal tradução, desvirtua e corrompe o âmago do instituto de fiança locatícia, porque em síntese retrata o desprezo pela lei inquilinária e a abertura de perigosa artimanha capaz de fraudar os contratos firmados de boa fé e que, sob essa perspectiva de lealdade, sempre devem exalar confiança às partes envolvidas. Com efeito, desconsiderar a acessoriedade do contrato de fiança que tem sua existência umbilicalmente ligada ao contrato principal de locação, é no mínimo limitar o horizonte legal atinente à espécie, fulminando assim a ideal verticalização de tão complexa matéria. Do Contrato Prorrogado no Tempo 3. A dilatação autorizada A prorrogação de uma locação é possibilidade prevista expressamente na lei inquilinária: Lei 8.245/91 Da locação residencial: Art. 46. Nas locações ajustadas por escrito e por prazo igual ou superior a trinta meses, a resolução do contrato ocorrerá findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso. § 1º- Findo o prazo ajustado, se o locatário continuar na posse do imóvel alugado por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação por prazo indeterminado, mantidas as demais cláusulas e condições do contrato. Art. 47. Quando ajustada verbalmente[1] ou por escrito e com prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga-se automaticamente, por prazo indeter-minado... Da locação não-residencial: Art. 56. Nos demais casos de locação não residencial, o contrato por prazo determinado cessa, de pleno direito, findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso. Parágrafo único: Findo o prazo ajustado, se o locatário permanecer no imóvel por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação nas condições ajustadas, mas sem prazo determinado. Dando seqüência ao enfoque proposto, interessante se faz visitar mais alguns aspectos •••

Carlos Roberto Tavarnaro (*)