A HIPOTECA À LUZ DO DIREITO REGISTRAL – PARTE I
Introdução Posto que a palavra seja de origem grega, a doutrina diverge quanto à verdadeira origem do instituto, se grega ou romana. O fato é que esse direito real sobre coisa alheia, que no início poderia incidir sobre bens corpóreos ou incorpóreos, evoluiu no sentido de versar quase que exclusivamente sobre bens imóveis por natureza, com as exceções do nosso atual ordenamento, que a estendem, e. g., a aeronaves e navios. Diz-se que a hipoteca tem natureza bifronte, já que a previsão de seu conteúdo substancial é dada pelo Código Civil, ao passo que seus aspectos procedimentais são encontrados na Lei nº 6.015/1973 – Lei de Registros Públicos [01]. A hipoteca constitui direito real de garantia, em que um bem imóvel sofre uma restrição quanto a seu preço, que fica afetado ao pagamento da dívida de um negócio principal. Portanto, é imperioso que, ao tempo da constituição da garantia, o imóvel integre o patrimônio disponível do devedor ou do terceiro garantidor. Ao tempo do pagamento, caso não haja o adimplemento da obrigação, o devedor ou o terceiro será desapossado do bem, que será alienado para a satisfação do crédito. Ressalta-se que esse “terceiro” não necessariamente será o terceiro garantidor inicial da garantia. Isso porque, como o direito de disposição será mantido [02], o bem poderá ser alienado. E, pelo direito de seqüela que deflui da natureza real da garantia hipotecária, o credor poderá promover a excussão do bem com quem ele estiver, para a satisfação de seu crédito. O direito do credor hipotecário ao valor da coisa é eventual, sujeito a condição suspensiva: só se perfará na hipótese de não ocorrer o pagamento. Mas, em ocorrendo o inadimplemento, é oponível erga omnes [03]. O devedor, ou o terceiro, continua na posse plena do imóvel (não há desmembramento da posse), e com todos os atributos do direito real que exercia sobre a coisa antes da instituição da hipoteca, aí mantido o direito de dispor da coisa. Somente no caso de instituição paralela de anticrese é que o devedor perderá suas faculdades de uso e gozo, podendo o credor reter a coisa. Mas isso se dará em função da anticrese, e não da hipoteca. Pode, assim, o devedor perfeitamente constituir outros ônus reais que incidam sobre os demais atributos do direito de propriedade, como a servidão e o usufruto. No entanto, serão oponíveis ao credor hipotecário somente os ônus reais já existentes à época da constituição da hipoteca, seguindo-se a lógica registral de que a anterioridade (ou prioridade) da prenotação e, por conseqüência, do registro, gera a preferência do direito real [04], já que tais ônus afetam diretamente o preço da coisa, o que importaria em redução injustificada da garantia hipotecária. Como dito, o direito do credor sobre a coisa é eventual, já que submetido à hipótese do não pagamento espontâneo da dívida. Mas o credor tem, contudo, o direito de obstar a prática, pelo devedor ou por terceiros, de atos que importem em diminuição do valor da coisa onerada, já que isso se liga diretamente à teleologia do instituto, que é a garantia do futuro pagamento. Lembramos que a conduta desidiosa do devedor em zelar pelo bem dado em hipoteca pode gerar vencimento antecipado da dívida, nos termos do artigo 1425 do Código Civil: “Art. 1.425. A dívida considera-se vencida: I - se, deteriorando-se, ou depreciando-se o bem dado em segurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar ou substituir; (...) IV - se perecer o bem dado em garantia, e não for substituído; (...) § 1º. Nos casos de perecimento da coisa dada em garantia, esta se sub-rogará na indenização do seguro, ou no ressarcimento do dano, em benefício do credor, a quem assistirá sobre ela preferência até seu completo reembolso. § 2º. Nos casos dos incisos IV e V, só se vencerá a hipoteca antes do prazo estipulado, se o perecimento, ou a desapropriação recair sobre o bem dado em garantia, e esta não abranger outras; subsistindo, no caso contrário, a dívida reduzida, com a respectiva garantia sobre os demais bens, não desapropriados ou destruídos.” Segundo Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, a particularidade da hipoteca consiste no fato de que “os atributos reais do direito de garantia encontram-se em estado gestacional, até o momento do adimplemento. Todavia, se a hipoteca fosse apenas um modelo de natureza processual, não poderia o credor hipotecário impor a substituição ou reforço da garantia, sob pena de vencimento antecipado. Também não se exercitaria o direito de preferência, em caso de concurso com outros credores, e não seria titular de seqüela, enquanto não registrada a penhora sobre o bem imóvel. Estes argumentos são suficientes para assegurar a natureza real da hipoteca” [05]. Ponderamos, por oportuno, que a penhora não mais é registrada, como o era ao tempo da edição da obra supracitada. Desde a recente alteração por que passou nosso Código de Processo Civil, com o advento da Lei nº 11.382, de 2006, a penhora será averbada no Cartório de Registro de Imóveis [06]. Registro da hipoteca As hipotecas convencionais, legais ou judiciais registram-se no Livro 2 do cartório da situação do imóvel, ou no de cada um deles, se o título se referir a mais de um imóvel. A iniciativa do registro incumbe a quem está obrigado a prestar a garantia, sob pena de responderem pelas perdas e danos decorrentes de sua omissão. De todo o modo, os interessados podem promover o seu registro, ou solicitar ao Ministério Público que o faça. O prazo de que dispõe o registrador para a prática do ato é o genérico da Lei de Registros Públicos, ou seja, 30 dias, mas a dinâmica das relações sociais e econômicas muitas vezes requer maior celeridade, sendo de bom alvitre que o oficial de registro esteja atento a essa necessidade. São quatro os requisitos formais do título levado a registro, nos termos do artigo 1.424 do Código Civil: a. o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo; b. o prazo fixado para pagamento; c. a taxa dos juros, se houver; d. o bem dado em garantia com •••
José Celso Ribeiro Vilela de Oliveira (*)