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BDI Nº.25 / 2008 - Comentários & Doutrina Voltar

CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA COM DESCENDENTES

Manutenção ou alteração da premissa do sistema? Aproveitamos para escrever sobre o direito das sucessões, não só pelas recorrentes dúvidas de nossos alunos, mas pela crítica que o tratamento dado pelo Código Civil de 2002 ao tema vem sofrendo. Na nossa aula de Direito das Sucessões, ministrada na EPD, perante a animada e participativa turma de alunos, discutíamos a concorrência sucessória, seus fundamentos, e a necessidade ou não de preservá-la no sistema. O debate revelou-se tão produtivo que merece as presentes linhas. Sob a égide do diploma revogado, falecendo a pessoa e tendo ela descendentes, esses eram chamados à sucessão (CC/16, art. 1603), independentemente do fato do de cujus ser casado, solteiro, viúvo ou separado. Ao cônjuge sobrevivente, dependendo do regime de bens, garantia-se apenas o usufruto vidual ou direito real de habitação. Idêntica situação verificava-se na hipótese de o falecido, sem descendentes, deixar ascendentes. Nesse sentido, a redação do art. 1.611, parágrafos primeiro e segundo do CC/16, e suas alterações pelo Estatuto da Mulher Casada: “§ 1º. O cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filhos, deste ou do casal, e à metade, se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do de cujus”. “§ 2º. Ao cônjuge sobrevivente, casado sob regime de comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar.” O Código Civil de 2002 estabelece a sucessão dos descendentes e dos ascendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente, sendo que a concorrência com os descendentes dependerá do regime de bens e com ascendentes se dará em qualquer regime: “Art. 1829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1640, parágrafo único), ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge.” O fundamento da regra pela qual o cônjuge é alçado a condição de herdeiro concorrente com os descendentes apenas em certos regimes de bens, afastando-se a existência do usufruto vidual, deve ser perseguido. Em uma análise histórico-evolutiva percebemos que o propósito do Estatuto da Mulher Casada ao garantir o usufruto vidual condicionado a certos regimes de bens, era evidente: como o cônjuge supérstite não teria sua meação, nada mais justo que lhe atribuísse o usufruto, para se evitar que, sem patrimônio algum, ficasse à míngua. Note-se que, ao cônjuge casado sob a comunhão universal, regime que cria automática e irrestrita meação, não se garantia o usufruto sobre os bens do falecido, pois o viúvo ou viúva já tinha 50% dos bens e certamente não teriam maiores dificuldades para sobreviver. Por outro lado, se casados fossem na separação de bens ou no regime da comunhão parcial, o falecido poderia possuir apenas bens particulares (em que não há meação) e o sobrevivente, transmitindo-se a herança aos descendentes ou ascendentes, poderia passar por sérias dificuldades. Bens particulares são aqueles que pertencem a apenas um dos cônjuges e não integram a meação. O rol de bens particulares está contido no artigo 1659 do Código Civil. Assim, os bens que o cônjuge já possuía antes do casamento, ou aqueles que receber por doação ou herança após o casamento são bens particulares. Tanto é verdade que o escopo era a sobrevivência do cônjuge viúvo, que a jurisprudência interpretou de maneira restritiva o artigo 1611, §1º do CC/16. Entendiam os Tribunais que, se o cônjuge sobrevivente tivesse bens de sua meação que lhe garantissem a subsistência, não teria direito ao usufruto vidual: “Inventário. Usufruto vidual. Regime de comunhão parcial. Viúva meeira nos aqüestos. Reconhecida a comunhão dos aqüestos, não tem a viúva meeira, ainda que casada sob regime diverso do da comunhão universal de bens, direito ao usufruto vidual previsto no art. 1.611, par. 1., do Código Civil. Precedente do STF” (RSTJ vol.:00064 pg:00210, RT vol.:00710 pg:00178, Relator Min. Barros Monteiro). Assim, se o usufruto já não existia na hipótese de comunhão universal de bens ou quando o falecido, casado pela comunhão parcial, não deixasse bens particulares em razão da existência de aqüestos, a concorrência com os descendentes também não se verifica no Código Civil de 2002 pelo mesmo fundamento. No caso de o cônjuge ter sido casado sob o regime da comunhão universal de bens ou da comunhão parcial sem bens particulares, o artigo 1829, I afasta a concorrência com os descendentes do falecido. Em resumo, havendo meação •••

José Fernando Simão (*)