USUCAPIÃO. CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE. QUALIFICAÇÃO REGISTRAL. REGISTRO DE VIAS FÉRREAS
1) A cláusula de inalienabi-lidade, que impede o proprietário de livremente dispor do bem, obstaria o registro de uma sentença de usucapião? Não podem ser adquiridos por usucapião os bens legalmente inalienáveis, como o bem de família, os bens de menores sob pátrio poder ou tutela, e os bens dos sujeitos à curatela. Tratando-se de inalienabi-lidade voluntária por ato de testador ou doador, o bem assim gravado poderá ser usucapido, de acordo com a jurisprudência e a doutrina. “Usucapião. Imóvel gravado com cláusula de inalienabilidade por ato voluntário de testador ou doador. Irrelevância. Caráter originário da aquisição. Possibilidade jurídica do pedido (RJ 191/96, ementa 7240)”. Em sentido contrário, RT 106/770, 574/268. Se analisarmos a indagação à luz dos princípios dos registros públicos, em especial quanto ao princípio da legalidade, chegaremos à conclusão de que deverá o registrador de imóveis proceder ao registro da sentença de usucapião, após a análise dos demais princípios, ou seja, a disponibilidade e a continuidade, em atendimento ao disposto no artigo 167, inciso I, item 28, o qual dispõe que “no Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos o registro das sentenças declaratórias de usuca-pião”. Na verificação da legalidade dos títulos que lhe são apresentados, não poderá o Oficial ir além dos limites estabelecidos em lei, em razão da função pública que exerce. Estando o título revestido das formalidades exigidas por lei, deverá o Oficial proceder ao registro. O tema é controvertido, entendendo alguns julgadores que via de regra, deve o Oficial do Registro de Imóveis analisar os títulos tão-somente no que pertine aos requisitos formais, mas, por exceção, cabe-lhe também proceder a exame de mérito e recusar o registro de atos que a lei proíbe, situação em que poderá obstar o registro, fazer exigências e suscitar dúvida. No caso concreto e após a análise dos requisitos formais do título judicial, deverá o registrador verificar se foi atendido o princípio da continuidade, ou seja, se na sentença há menção ao antigo proprietário, contra o qual foi proposta a ação de usucapião. Sendo positiva tal averiguação, deverá o registrador passar à análise do princípio da disponibilidade. Sendo negativa, deverá o registrador suscitar dúvida, eis que estaria sendo violado um dos princípios dos registros públicos. Atendido o princípio da continuidade, deverá o registrador analisar a sentença sob a luz da disponibilidade, verificando se na sentença consta a menção da existência da indisponibilidade instituída pelo testador. Se positiva tal análise, deverá o oficial efetuar o registro. Se negativa, deverá suscitar dúvida informando ao juiz a existência de tal indisponibilidade, para que o mesmo ratifique ou retifique sua decisão. 2) O conceito de inalienabilidade é igual ao conceito de imprescritibilidade para o Registrador de Imóveis? Para o registrador de imóveis, os conceitos de inalienabilidade e imprescritibilidade são conceitos diferentes. A inalienabilidade é a qualidade de um bem que não pode ser transferido a outro proprietário, nem hipotecado, enquanto que a impres-critibilidade é o caráter de um direito que não pode extinguir-se por efeito da prescrição. No entanto, a imprescritibilidade poderá ser aquisitiva ou extintiva. Será aquisitiva quando se tratar de lapso temporal para a aquisição de um direito, como a usucapião, que em suas várias espécies exige maior ou menor tempo para que ocorra o direito à propriedade. Enquanto decorre um lapso temporal para a prescrição aquisitiva por meio da usucapião, não podemos esquecer que também ocorrerá a imprescritibilidade aquisitiva de bens públicos, os quais não podem ser adquiridos por usucapião. A imprescritibilidade será extintiva, quando decorrer um lapso temporal para o exercício de um direito, como por exemplo uma reclamação trabalhista, cuja prescrição extintiva é de dois anos após o término do contrato de trabalho. Por sua vez, existem alguns direitos para os quais a lei não admite a prescrição, como a ação investigatória de paternidade, situação em que não ocorrerá a imprescritibilidade extintiva. A imprescritibilidade alcança os bens públicos móveis e imóveis, sem restrição, sejam de uso comum do povo, de uso especial ou dominicais, haja vista que o próprio Código Civil não discrimina. O conceito de inalienabilidade impede o registrador de imóveis de proceder ao registro de escrituras de venda de imóveis que estejam gravados com cláusula e inalienabi-lidade, exceto se se tratar de ordem judicial. O conceito de imprescritibilidade impede o registrador de imóveis de registrar a usucapião de bens públicos (exceto se se tratar apenas do domínio útil), bem como a venda de bens de uso comum do povo ou de uso especial, enquanto não desafe-tados. 3) Se o imóvel pertencesse ao Município, poderia ser objeto de usucapião? A Constituição Federal, em seu artigo 183, parágrafo 3º, dispõe que “os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”. O Supremo Tribunal Federal, por meio de sua Súmula 340 já consagrou que “desde a vigência do Código Civil, os bens dominiais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”. Não podem ser usucapidas as coisas inapropriáveis ou inusuca-píveis, assim declaradas pelo Direito, como exemplo, os bens públicos de uso comum do povo, os de uso •••
Carlos Araújo (*)