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BDI Nº.1 / 2008 - Assuntos Cartorários Voltar

RESPONSABILIDADE CIVIL DOS NOTÁRIOS E DE REGISTRADORES E SEUS CRITÉRIOS DE AFERIÇÃO

A Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de 1998 trouxe inúmeras novidades para Tabeliães e Oficiais de Registro. Dentre elas, foi definir explicitamente a atividade como uma delegação pública exercida em caráter privado, disseminando por vez, qualquer possibilidade de enquadrar este profissional do direito como servidor público. O parágrafo 1º da do art. 236 da Constituição Federal dispõe que “Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.” Finalmente, em 18 de novembro de 1994, foi sancionada a Lei 8.935 que regulamentou a atividade de notários e registradores, de acordo com o estabelecido no citado parágrafo primeiro do artigo 236 da Constituição Federal, definindo atribuições, competências, formas de extinção da delegação, de provimento das serventias vagas, entre outros temas inerentes à atividade, além de definir a responsabilidade civil e criminal dos delegados extrajudiciais. O artigo 22 da referida lei determina que “os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos”. E é este o principal ponto que tem alarmado os notários após o advento da referida Lei 8.935/1994, pois em síntese, alguns doutrinadores e juristas passaram a entender que tabeliães e oficiais de registro respondem direta e objetivamente por qualquer falha em sua serventia que cause dano a terceiros. Anteriormente ao advento da referida lei, conforme posicionamento predominante dos Tribunais Pátrios, notários e registradores eram considerados funcionários públicos, e na qualidade de servidores, o Estado é quem respondia pelos danos que estes causassem a terceiros independente da comprovação de culpa ou dolo. A partir da alteração constitucional de 1998 e da promulgação da Lei 8.935/1994, os doutrinadores e juristas passaram a debater com intensidade a questão da responsabilidade civil destes profissionais, sendo certo que existem várias correntes divergentes sobre o tema, que ainda não possuem posição predominante no meio jurídico. E, desta forma, procuraremos demonstrar os pontos convergentes sobre a questão que visam definir que notários e registradores devem responder pelos atos que decorrerem exclusivamente de culpa ou dolo. E este entendimento ganhou reforço importantíssimo com a decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou inconstitucional a aposentadoria compulsória de notários e registradores por implemento de idade, definindo a natureza jurídica da atividade, restando claro que estes profissionais não podem ser enquadrados como servidores do poder público. O Professor De Plácido e Silva, in Vocabulário Jurídico, Vol. I, pág. 589, conceitua culpa como sendo “a falta cometida contra o dever, por ação ou por omissão, procedida de ignorância ou de negligência. A culpa pode ser ou não maliciosa, voluntária, implicando sempre na falta de observância da diligência que é devida na execução do ato, a que se está obrigado”. A professora civilista DINIZ (2000, p. 200), discorrendo sobre o aludido tema, assim se manifesta: “Será preciso, ainda, deixar bem claro que o notário público autônomo ante os arts. 159 e 1521, III, do Código de Processo Civil, responderá com seu patrimônio não apenas por ato seu, mas também pelo comportamento irregular, doloso ou culposo, de seus servidores, enquanto em serviço, por culpa in vigilando ou in eligendo. Todavia, será preciso esclarecer que não haverá responsabilidade do tabelião ou escrevente de notas pelo dano se o ato que praticou for ato de vontade das partes e não ato de autoridade. Os atos de vontade das partes são os praticados pelos notários, permitidos por lei, se não ocorresse um fato que os vicia. Além de serem subjetivos, a declaração de sua ilegalidade dependerá de procedimento judicial; assim sendo, enquanto não forem questionados em juízo, produzirão efeitos. (...) É a hipótese também da venda simulada (CC, art. 102) ou fraudatória de direitos (CC, art. 106); da apresentação de procuração falsa; da declaração de preço diverso do ajustado ou de estado civil que não é o real. O notário não responderá por tais atos por não ter a função de verificar se as declarações das partes são verídicas ou não; deve tão somente observar a regularidade das formas exteriores do ato.” Sobre o mesmo tema: RT 103/214. Portanto, como se esclarece do entendimento da conceituada doutrinadora Maria Helena Diniz, é dever do tabelião/registrador observar a regularidade das formas exteriores do ato, porém, jamais poderá responder pelas declarações de vontade das partes, pois não é seu dever verificar a veracidade destas declarações. Se as partes comparecem ao Serviço Notarial ou de Registro munidas de documentos de identidades falsos, por exemplo, Notário ou Registrador, além de não ter como verificar a autenticidade destes documentos, não tem o dever funcional de verificar se os documentos declarados pelas partes são verdadeiros ou não. Vale ressaltar aqui que o tabelião e/ou registrador não tem atribuição de perito para avaliar se os documentos que lhe são apresentados para lavratura dos atos são verdadeiros ou não. Colhe-se ainda, a seguinte lição do emérito professor CENEVIVA (1991, p. 56/57) em seus comentários à Lei de Registros Públicos: “Causação pelo titular ou preposto – O delegado responde pela qualidade e pelo defeito do ato praticado no exercício de sua função. Defeito causador de prejuízo gera encargo de o reparar. A responsabilidade se estende a todas as ações danosas desenvolvidas por seus empregados. Dano é o efetivamente sofrido e provado. São elementos de sua aferição: a) relação de causa e efeito entre o prejuízo e a ação ou omissão do delegado do Poder Público. b) Existência de prejuízo material ou moral; c) Dolo (vontade de praticar ilicitude) ou culpa (violação do dever jurídico e legal de atuar com diligência, prudência e perícia compatível com as qualidades profissionais exigidas) do agente.” Prossegue o doutrinador: “A jurisprudência brasileira teve, durante muitos anos, variações sensíveis, até ser consolidada na Súmula 341 do STF, que afirmou presumida a culpa do patrão (preponente) pelos atos ilícitos de seu empregado (preposto). Mas aí a doutrina e a jurisprudência são tradicionalistas: se o empregado não agiu com culpa, seu patrão não pode ser inculpado. Para que seja, são exigidos três pressupostos: a) a culpa do agente; b) sua relação de dependência com o proponente; c) provocação do ato danoso no exercício do trabalho;” Já em sua obra Lei dos Notários e dos Registradores Comentada, CENEVIVA (1996, p. 115), cristalina o tema: “As teorias sobre a responsa-bilização dos agentes de ilícitos civis fazem outra distinção entre responsabilidade objetiva (baseada no risco) e a subjetiva (baseada na culpa ou no dolo). A responsabilidade do Estado por atos ou fatos de seus agentes ou servidores é objetiva, isto é, decorre da própria atividade estatal. Caracteriza-se, desde que ocorrido o dano e estabelecida a relação de causa e efeito entre o ato do agente ou servidor público e seu resultado. Na responsabilidade subjetiva, a vítima tem de provar que o prejuízo resultou de culpa ou dolo do agente, ou seja, se este atuou com imperícia, negligência ou imprudência, ou, ainda, se quis o resultado ilícito.” E, na página 118, ressalta que: “Deve ser estabelecido o nexo de causa e efeito entre atos cometidos por lei ao serviço notarial, ou de registro, e o dano sofrido.” É neste sentido que o ilustre Professor e Conferencista de Direito Notarial e Registral, ERPEN (1999b), digníssimo ex-desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, publicou parecer sobre o tema, assim discorrendo: “Não consigo encontrar supedâneo jurídico para responsabilizar o Notário ou o Registrador que agiu rigorosamente dentro do estrito dever legal, em cumprindo a lei ou ato normativo superior, e se seu ato vier a causar prejuízo a outrem. Ele não responde pelas falhas do sistema que ele não erigiu. Quando ele assumiu sua função, prestou juramento de cumprir a lei e as normas emanadas por seus superiores. Pelo seu fiel cumprimento não pode responder por eventual lesão causada a outrem. A prevalecer a tese da responsabilidade objetiva da atividade, chegaríamos a este extremo. Deve-se perquirir, caso a caso, se a falha adveio em razão do mau desempenho ou da falta de cuidados. Isso importa em presumir o dolo ou a culpa (imperícia, imprudência ou negligência). E quando se aplica a responsabilidade objetiva, tal exame inexiste. Como na responsabilidade objetiva não se analisa, para fins de incidência, se houve má programação ou má execução dos serviços, os Notários e Registradores, no caso de ausência do elemento subjetivo na fase de execução, seriam responsabilizados pela má programação dos serviços, e na qual não intervieram. E para qualificar os serviços, o único vetor é a lei ( por extensão os atos normativos que se inspiram nela). Se proclamarmos que inexiste responsabilidade pelas falhas do sistema, mas somente pela má execução da atividade, estaremos afastando a teoria objetiva (ou do risco)”. Já o doutrinador VENOSA (2007, p. 259) ensina que: “Embora o notário exerça serviço de natureza especial e os serviços notariais apontados sejam desempenhados em caráter privado, cuidam-se de serviços públicos delegados, como tantos outros existentes. Os cartorários são detentores de cargos públicos e, portanto, funcionários em sentido amplo. Nesse prisma, o Estado responde objetivamente pelo dano causado por esses serviços como, por exemplo, reconhecimento falso de firma, procuração ou escritura falsa. A responsabilidade emergirá quando o notário causar um dano a seus clientes, quando o fim colimado pelo serviço não for •••

Otávio Guilherme Margarida (*)