CONDOMÍNIO INDIVISÍVEL. DIREITO DE PREFERÊNCIA. ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA. CONDÔMINO PRETERIDO. VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO
1) Pode um tabelião de notas lavrar escritura pública de compra e venda de parte ideal de imóvel indivi-sível em que o alie-nante seja um dos condôminos, sem obter o consentimento dos demais? A parte inicial do caput do artigo 504 do Novo Código Civil, o qual tem redação idêntica à do Código de 1.916, estabelece que não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. Já na segunda parte dispõe que o condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência. Dispõe o artigo 166 do Novo Código Civil que será nulo o negócio jurídico, dentre outras hipóteses, quando for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto, for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade, e quando a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. Antes de respondermos à indagação, necessário se faz debater sobre a validade do negócio jurídico, bem como sobre as diferentes espécies de direito de preferência existentes no Código Civil. NEGÓCIO JURÍDICO NULO OU ANULÁVEL? A princípio, entendemos que o negócio jurídico seria nulo enquanto o condômino preterido não tomasse conhecimento do negócio jurídico realizado. Anulável pelo prazo de 180 dias, a contar da ciência pelo condômino preterido na venda realizada. Válido, se decorridos 180 dias da ciência do negócio jurídico pelo condômino preterido, o mesmo não exercer seu direito de preferência mediante depósito do preço, de acordo com o artigo 504 do Novo Código Civil. Há que se separar a escritura pública do negócio jurídico. A escritura de compra e venda lavrada pelo notário seria perfeitamente válida, eis que o objeto da compra e venda seria lícito, possível e determinável. Também não seria nula por falta de alguma solenidade que a lei considere essencial à sua validade, eis que a escritura pública a ser lavrada é a essência da validade do negócio jurídico a ser juridicamente formalizado pelas partes, e ainda pelo fato de a lei não o declarar nulo taxativamente, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. A escritura seria válida, mas o negócio jurídico seria anulável. Celso Laet de Toledo CESAR [01], ainda sob a vigência do Código de 1916, afirmava que “Na realidade, sabe-se que para efetivação da notificação o condômino alienante deverá dar ao outro, ou aos outros condôminos, ciência inequívoca de toda a relação negocial, preço, prazo, condições e um lapso de tempo razoável - dependente de cada tipo de negócio - para que o beneficiário possa angariar fundos ou providenciar os que já tenha para a aquisição, se esta obviamente lhe convier. Maria Helena DINIZ [02], ao exemplificar a propriedade resolúvel constituída por ato inter vivos, cita a “venda feita a estranho, por condômino, de sua quota ideal na coisa comum indivisível, em obediência ao direito preferencial assegurado aos demais comunheiros, que, por sua vez, poderão dentro do prazo de seis meses requerer a quota vendida. Se qualquer dos comproprietários exercer tal preferência, resolve-se a propriedade do adquirente estranho e a quota que comprar retorna à propriedade do antigo proprietário. Embora revogável, enquanto o evento não se der, o titular desse domínio condicionado poderá exercer todos os seus direitos. Com a realização desse evento cessa o direito do proprietário condicional, passando para aquele em cujo benefício se operou a resolução”. Com idêntico entendimento, tem-se ainda: “A conclusão a que se chega, portanto, é a de que, ao alienar a coisa, sem dar prévio conhecimento aos demais consortes, celebra, o alienante, uma venda resolúvel, ou seja, sujeita a determinada condição, que é o ajuizamento da ação da preferência pelos demais. Se o conhecimento for dado, ou se do fato o condômino restante tiver ciência, não ajuizada a tempo e hora a citada ação, a venda se materializa em todos os seus termos de direito, passando de resolúvel a efetiva. Desde, porém, que seja a ação de prelação ajuizada, por certo que aquela compra e venda não é apenas ineficaz, ela se torna nula, perde todas as suas características, devendo o adquirente voltar-se contra o alienante para buscar eventuais direitos, a menos, evidentemente, que tenha tido ciência inequívoca do estado de condomínio do imóvel, e tenha colaborado para a frustrada venda. Essa nulidade é evidente, porque não se trata, apenas, de substituir-se o adquirente pelo outro condômino, mas da realização de verdadeira compra e venda, agora imposta pela sentença judicial, ou seja, o juiz, após anular a venda anterior, celebra o novel negócio jurídico como se de pura compra e venda se tratasse”. (CESAR, Celso Laet de Toledo. Op. cit., p. 47) O artigo 1.360 do Novo Código Civil estabelece que “Se a propriedade se resolver por outra causa superveniente, o possuidor, que a tiver adquirido por título anterior à sua resolução, será considerado proprietário perfeito, restando à pessoa, em cujo benefício houve a resolução, ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a própria coisa ou o seu valor”. Entendemos que referido diploma legal terá aplicação quando um bem em condomínio for vendido mais de uma vez sem o exercício do direito de preferência pelos demais condôminos. A primeira venda será resolúvel e convertida em perdas e danos, a segunda não. Em consonância com o pensamento de Waldir de Pinho Veloso [03], entendemos que na hipótese deve ser aplicada a teoria da aparência de IHERING. Segundo tal autor, toda vez que um negócio é contraído sob a aparência de que o vendedor é dono autorizado a concretizar a transação, ao comprador é atribuída uma boa-fé contratual capaz de salvaguardar o bem adquirido, ainda que haja tentativa de sua busca pelo real dono. Com fundamento em tal teoria da aparência sob o aspecto em estudo, pode-se entender que a transmissão de um bem por pessoa não autorizada a fazê-lo, mas cuja aparência autoriza o adquirente a crer que há autenticidade no negócio, é válida. Embora um tanto contraditório no presente estudo, o raciocínio acima exposto é no sentido de que a venda feita por apenas um condômino será resolúvel em relação à primeira venda do bem indivisível, mas não em relação às vendas subseqüentes, pois há que se resguardar os direitos de terceiros de boa fé, sob pena de insegurança jurídica, não olvidando que a doutrina e a jurisprudência admitem a boa-fé do adquirente perante quem nem mesmo está autorizado a dispor de um bem. E, quase sempre, no sentido de que quem, de boa-fé, contrai negócio jurídico com pessoa que externa aparência de dono, tem sua aquisição protegida contra terceiros. DOS DIREITOS DE PREFERÊNCIA O direito de preferência a que se refere o artigo 504 do Novo Código Civil pode ser exercido na compra da coisa, em relação a estranho, quando houver igualdade de oferta, inclusive na extinção do condomínio por adjudicação a um só, desde que seja tanto por tanto. Também poderá ser exercido o direito de preferência na compra da coisa, pelo condômino que possuir benfeitorias de maior valor, e na falta de benfeitorias por aquele que tiver quinhão maior, e sendo as partes iguais o direito será exercido de forma conjunta. O artigo 504 do Novo Código Civil regulamenta o direito de preferência do condômino na aquisição do bem indivisível. No entanto, o direito de preferência não se resume ao bem indivisível ou à propriedade em condomínio, podendo também se exercido em situações de locação, parceria agrícola, desapropriação, herança, participação societária e subscrição de ações. Trata-se de hipóteses de direito real, eis que permite àqueles que têm o •••
Carlos Antônio de Araújo (*)