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BDI Nº.30 / 2007 - Assuntos Cartorários Voltar

A CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS E O INVENTÁRIO ADMINISTRATIVO (EXTRAJUDICIAL)

I – INTRODUÇÃO No artigo A cessão de direitos hereditários no Código Civil brasileiro – análise dos arts. 1.793 e seguintes (1), discorremos brevemente sobre a cessão de direitos hereditários prevista nos arts. 1.793 e seguintes do Código Civil. Com o advento da Lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007, a qual modificou alguns dispositivos do Código de Processo Civil, abriu-se a possibilidade de se fazer inventários (2) nos cartórios de notas, desde que inexistentes testamento e interessados incapazes, com a obrigatória assistência de um advogado. No artigo mencionado, dissemos que essa lei trouxe reflexos para a disciplina dos arts. 1.793 e seguintes do Código Civil e que trataríamos disso oportunamente. É isto o que faremos. Antes de tudo, a fim de que o leitor concatene as suas idéias, devemos sugerir a leitura do primeiro artigo. II – A LEI 11.441/07 A discussão iniciou-se com o Projeto de Lei n. 6.416/2005, da Câmara dos Deputados, vindo a ser aprovado o substitutivo apresentado pelo Relator, Deputado Maurício Rands. O objetivo da lei é dar celeridade ao inventário e desafogar o Poder Judiciário, outrossim minimizando custos. Conseguiu. O número de inventários, divórcios e separações lavrados em cartório de notas tem aumentado diuturnamente. A cada dia, novos atos são lavrados, com economia de tempo e dinheiro para os usuários. Entendemos que o legislador deveria ter estabelecido um prazo de vacatio legis (3), tendo em vista a dificuldade que a população teve para absorver a novidade, assim como os próprios notários (4). Mas o fato é que a norma entrou em vigor no dia 5 de janeiro, data da publicação no Diário Oficial da União. Os tribunais estaduais, por intermédio de suas corregedorias, adiantaram-se na elaboração e edição de provimentos, visando a normalizar administrativamente o assunto com o fim de unificar procedimentos. Os pioneiros foram Acre, Pará (5), Bahia, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. O Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução n. 35, de 24 de abril de 2007, disciplinou a aplicação da Lei 11.441/07 em todo país, contrariando algumas disposições normativas estaduais. Assim sendo, havendo antinomia entre as normas estaduais e a norma federal (Resolução 35/2007, CNJ), prevalecerá esta (6). Veja que prevalecerá a norma federal no caso de antinomia. Já no caso de omissão desta (não previsão da hipótese na norma federal), aplicar-se-á a norma estadual (7). Os requisitos para a lavratura encontram-se na Resolução 35/2007 do CNJ e nas normas estaduais supletivas. Portanto, o notário, ao lavrar a escritura, deverá observar essas prescrições normativas. Discussões outras (8) serão tratadas oportunamente, a fim de concentrar-se na cessão de direitos hereditários e no inventário administrativo. III – A CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS NO INVENTÁRIO ADMINISTRATIVO No artigo A cessão de direitos hereditários no Código Civil brasileiro – análise dos arts. 1.793 e seguintes, procuramos enfocar o problema da ineficácia da cessão. Rememo-remos as suas conclusões: 1) A cessão de direitos hereditários é aceita, desde que se observe a forma prescrita pela lei (escritura pública); 2) os direitos à sucessão aberta são considerados bem imóvel por ficção legal; 3) a cessão de direitos hereditários é um negócio jurídico que só admite interpretação restritiva. Por essa razão, os direitos conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer presumem-se não abrangidos pela cessão anterior; 4) individualização de bem componente de acervo hereditário requer autorização judicial, a ser promovida pelo inventariante; 5) O co-herdeiro interessado na cessão de sua quota hereditária a estranho deverá oferecê-la primeiramente aos demais co-herdeiros, a fim de que exerçam a preferência; 6) há direito de preferência entre os co-herdeiros. Dessa forma, aquele possuidor de quinhão maior - e aqui se inclui o meeiro - tem preferência na aquisição da quota sobre os demais; 7) sendo vários os co-herdeiros interessados na aquisição da quota hereditária, entre eles se distribuirá o quinhão cedido; 8) em se tratando de co-herdeiro casado, indispensável se faz a outorga uxória, ou marital, exclusive se casado sob o regime da separação absoluta; 9) co-herdeiro incapaz depende de procedimento próprio para manifestação sobre a preferência na aquisição; 10) a ineficácia de que faz menção a lei é aquela que obsta a produção de efeitos jurídicos, ou seja, o cessionário dependerá da aquiescência dos co-herdeiros para que o negócio surta efeitos. 11) a preterição da formalidade do alvará é um risco desnecessário, atentatório aos princípios de publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos negócios jurídicos, insertos no art. 1º da Lei 8.935/94. Inicialmente, é preciso dizer que nada obsta a feitura de uma cessão de direitos hereditários (e/ou de meação), tanto gratuita, como onerosa, e o inventário e partilha (ou adjudicação) juntos, isto é, em uma mesma escritura pública. Do mesmo modo, não há nada que proíba a lavratura da cessão em uma escritura, e o inventário e partilha (ou adjudicação) em outra. Por se tratarem de negócios jurídicos distintos, a cobrança dos emolumentos (devidos ao tabelião) será feita individualmente, ou seja, um emolumento para a cessão, outro para o inventário. Por isso, tanto faz lavrar os dois atos em uma mesma escritura ou lavrá-los isoladamente. O mesmo raciocínio vale para outros atos, tal como ocorre com a renúncia de herança. O importante é lavrar a escritura pública de forma concatenada, encadeando as idéias de uma maneira que possibilite o entendimento por qualquer pessoa, tenha ou não conhecimento jurídico, além de observar as determinações legais e normativas. Desse modo, devem ser qualifiquados os comparecentes, observando a norma exemplificativa do art. 215 do Código Civil, acrescendo-lhe os dados relevantes das partes (pacto antenupcial, data e regime de casamento, o número de inscrição do(a) advogado(a) na OAB etc.). O reconhecimento da identidade e capacidade das partes vem logo em seguida (9). Depois, passa-se a descrever o autor da herança, a nomeação de interessado para resolver pendências do espólio (inventariante), a declaração de inexistência de testamento e herdeiros incapazes (10), dos bens que compõem o acervo hereditário e da inexistência de dívidas (ou existência, designando quem fará os pagamentos, sendo preferencialmente o inventariante). Feito isso, parte-se para a cessão de direitos hereditários ou de meação, com a discriminação dos pagamentos (ou adjudicação) e declarações finais, mencionando-se os documentos que foram apresentados. A cessão de direitos hereditários (gratuita ou onerosa) é o meio jurídico hábil para a transferência dos direitos corpóreos e incorpóreos (todos imóveis por ficção jurídica, enquanto não individualizados na partilha) arrolados no inventário. É por meio dela que se fazem as partilhas com proporções diversas das originalmente constituídas. Explicando melhor: se o acervo hereditário vale R$100.000,00 e há um viúvo meeiro e dois filhos, teremos 50% para o viúvo (R$ 50.000,00) e 25% para cada filho (R$ 25.000,00). E se um dos filhos quiser ficar com R$ 30.000,00 (ou R$ 40.000,00, ou R$ 50.000,00 etc.), terá que se valer da cessão de direitos para ver o acréscimo na partilha. Não nos afigura correto fazer partilha com quinhões desiguais sem o negócio jurídico subjacente. Seria o mesmo que pretender chegar ao outro lado de um túnel, por terra, sem percorrer toda a sua extensão. A partilha serve para individualizar os quinhões, pondo fim ao estado de indivisão advindo da abertura da sucessão. Ou seja, é o momento para se acordar quem fica com o quê. E para que um herdeiro fique com quota desigual à de outro (sendo que os seus direitos são juridicamente •••

Samuel Luiz Araújo (*)