NATUREZA JURÍDICA DOS ÓRGÃOS NOTARIAL E REGISTRADOR
1. PRÁTICA Na data da promulgação do Código Civil, os atos notariais eram praticados praxisticamente, com base no “regimento dos Tabeliães das notas” das Ordenações Filipinas, de 1603 (Título 78 do livro l), que não é mais do que reprodução do 1º regulamento traçado por D. Diniz, em Santarém, em 1343, ou 1305 da Era Cristã, como esclarece o Ministro José Carlos Moreira Alves (1). O Professor de Direito Notarial da Universidade do Ceará, Cláudio Martins, esclarece: “As discussões doutrinárias en torno da natureza da função de que o Notário é órgão empresta-lhe pelo menos quatro colocações divergentes: é funcionário público porque exerce a função estatal; é oficial público autônomo porque a função pública nada tem de estatal; é um particular, a cargo de uma função pública (estatal), ou é um profissional liberal, acepção inaceitável pelas limitações sofridas pela função, notadamente quanto à investidura e ao número determinado de ofícios.” (2) Antes, afirma: “O Brasil situa-se entre as exceções desarrazoadas, por isso que, como instituição, ainda não foi aqui implantado como um sistema notarial, condizente com nossas tradições democráticas. Talvez o fato se deva à origem portuguesa de nosso acanhado notariado, que jamais passou de herança profundamente depreciada das Ordenações do Reino. O notariado brasileiro continua definido em lei como auxiliar do juízo. E tal tem sido o entendimento do Poder Judiciário, em farta jurisprudência.” (3) O Tabelião escrevia ou simplesmente assinava a escritura, que tinha fé pública (Decreto nº 3.084/98, arts. 264/265). Então, a Lei 5.621/70 autorizava os Tribunais de Justiça do Estado a dispor em resolução sobre a divisão e organização judiciárias, “inclusive Tabelionatos e Oficios Públicos”, pelo que a função notarial ficou jungida ao Judiciário, à guisa de serviço auxiliar do Juízo” (4). E o Estado do Rio Grande do Sul classificou os registros públicos como auxiliares da Justiça, mencionando expressamente a função notarial entre os servidores públicos (Lei 7.356/80, arts. 90/92). 2. FUNCIONÁRIO PÚBLICO O Tabelião, como no velho Portugal, era considerado funcionário público. Assim, também, o reputou a EC nº 7, de 13-04-77, que estabeleceu: “Ficam oficializadas as serven-tias do foro judicial e extrajudicial, mediante remuneração de seus servidores exclusivamente pelos cofres públicos, ressalvada a situação dos atuais titulares, vitalícios ou nomeados em caráter efetivo”, que o Congresso Nacional repetiu na EC de nº 22/82, acrescentando a expressão “ou que tenham sido revertidos a titulares”, além de outras providências acauteladoras de direitos. Destarte, o titular de serventia caracterizava o funcionário público, que seria aposentado: “l. por invalidez; ll. compulsoriamente após trinta anos de serviço; e lll. voluntariamente, após 35 anos de serviço” (EC nº 1, de 1969, art. 101 e incisos); e, quando magistrado, porque membro de um Poder da República, “a aposentadoria seria compulsória aos setenta anos de idade ou por invalidez comprovadas e facultativa após trinta anos de serviços público. “ (§ 2º do art. 113) 3. SISTEMAS DE ORGANIZAÇÃO DA FUNÇÃO NOTARIAL A função notarial apenas 194 anos teria sito considerada ocupada por funcionários públicos nos 1.369 anos aproximadamente em sua vida documentada no mundo (1997-194 = 1803). O segundo a atuação do Notário na vida da sociedade, cabe distinguir em dois sistemas de organização da função notarial, conforme expõe Pedro Ávila Alvarez: “1º. Notariado con intervención simplemente funcionarista, parcial y añadida. 2º Notariado con intervención técnico-funcionarista total e interna. “NOTARIADO SAJÓN Y NOTARIADO LATINO” “A) Al segundo de los sistemas indicados corresponde el Notariado latino, que, con unas u otras variantes, es el que rige en la Europa latina, parte de Alemanha, Holanda, Luxemburgo, parte de Suiza, casi em toda Hispano-América, parte francesa de Canadá y Estado de Luiziana. El Notariado de estos países se reúne periódicamente en Congresos y el primeiro de ellos adoptó el seguiente concepto del Notario Latino, en el que se reflexan sus carácteres: Es el profesional del Derecho encargado de una función pública consistente em recibir, interpretar y dar forma legal a la voluntad de las partes, redactando los instrumentos adecuados a ese fin y conferiéndoles autenticidad; conservar los originales de éstos y expedir cópias que den fe de su contenido. En su función está compreendida la autenticación de hechos.” “B) Al primeiro de los sistemas dichos responde el Notariado sajón, a cuyo padrón corresponden las legislaciones de Inglaterra, Estados Unidos de América y Venezuela (5).” 4. NOTARIADO LATINO A Constituição brasileira de 1988 explicitou que aderia ao sistema correspondente ao Notariado latino, pois,no art. 236 e seus parágrafos, inserto no Título IX das Disposições Constitucionais Gerais, dispôs: “Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. § 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos Notários, dos Oficiais de Registro e de seus prepostos, definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. § 2º - Lei Federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. § 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de 6 meses.” Destarte, transformou o titular da serventia pública de funcionário público em particular, exercendo, “em caráter privado, por delegação do Poder Público”, função pública. Pôs em prática o ensinamento de Eduardo J. Couture: “No debe extrañar la existencia de una función pública a cargo de un particular, porque el ordem jurídica está poblada de situaciones de esta índole. Función pública desempeñan el testigo, el perito, el sindico, el depositario, el interventor, el ciudadano que contituye la mesa receptora de voto en el dia de los comicios, etc. Y sin embargo, la ley no les otorga la condición de funcionarios públicos.” (6) Chega a essa conclusão depois de afirmar: “el problema de la condición del escribano público no es un problema de definición legal. Podrá el legislador, en sus definiciones, denominarlo así, pero bien sabemos que no es misión del legislador dar definiciones sino instituir normas, es decir proposiciones hipotéticas de una conduta futura. El escribano público será funcionario público si la ley le asigna en el conjunto de las interaciones humanas, la condición jurídica que corresponde a los demás funcionarios públicos: su estatuto jurídico. No será funcionario público, aunque la ley lo denomine así, si en cúmulo de sus derechos y deberes no tiene condición de tal.” (7) A frase é considerada lapidar por Villalba Welsh, citado por Pedro Ávila Alvarez: “El hecho de que la ley califique a los escribanos de funcionarios públicos no es da necesariamente ese cáráter y tal aseveración no está suficientemente respaldada por las demás imposiciones legales. Tal calidad no puede adquirir-se por una mera declaración aunque emane de un texto legal. La calidad de funcionario público debe ser una cosa cierta, evidente, que encuentre su apoio en la ley misma y en el reconocimiento de la existencia de un vínculo real con el Estado”.(8) 5. MODIFICAÇÃO PROFUNDA É pacífico, conforme ensina o Min. Carlos Maximiliano, “quaisquer disposições legislativas ou regulamentares contrárias ao seu espírito ou à sua letra não mais se observam, ruem automaticamente. Não mais surgem, perduram ou se renovam os seus efeitos. O poder constituinte é absoluto.” (9) Assim, ter-se-á de verificar, para continuar classificando o Notário como funcionário •••
Cristiano Graeff Júnior (*)