O NOTARIADO BRASILEIRO E UMA NOVA LEI
(Inventários, Partilhas e Separações) INTRÓITO Eu acredito no que faço e, o que faço, faço conscientemente. Ao expor o que penso, tudo faço para ser sincero na minha exposição e, é claro, no meu entendimento. Este trabalho não foge a essas duas regras. Um projeto de lei converteu-se em lei. Lei, numa definição concisa e didática, “é uma regra social obrigatória”. Lei é para ser cumprida, até que outra a revogue. Tomei conhecimento de que uma lei foi promulgada na esfera federal, envolvendo interesses do notariado brasileiro. Como tomei conhecimento do nascer dessa lei, é o que a seguir exponho. O PROCESSO DE INVENTÁRIO E O NOTARIADO Como moro só, antes de dormir, com a luz acesa leio. Com a chegada do sono, apago a luz e ligo o meu rádio de cabeceira, hábito que tenho de longa data. Pela manhã, ao acordar em conseqüência do rádio ligado, ouço as notícias que são transmitidas. Hoje, 5 de janeiro, dia em que inicio a redação destes comentários, ouvi esta notícia, divulgada pelo jornalista José Paulo de Andrade, no programa “Pulo do Gato”: aprovação e promulgação de uma lei que atribui aos notários o direito de, em circunstâncias que menciona, “fazer inventários”. Foi uma conquista do notariado? Inegavelmente sim, pois sua interferência em tal “modalidade de processo de inventário” limita-se à ausência de menores herdeiros e autêntica concordância dos herdeiros maiores sobre tal procedimento do inventário. O processo de inventário é simples; isso afirmo porque, por muitos anos, fui escrivão judicial no interior de São Paulo. Mas nem todos os escreventes de notas, e possivelmente muitos notários não tenham exercido a escrivania civil na qual o inventário se desenvolve. Não vou repudiar e nem aprovar o que hoje é Lei. Acredito que sua execução dependerá ainda de regulamentação, o que necessariamente ocorrerá. Mas ouvindo, como ouvi essa notícia, veio à minha memória dois fatos, um resultante da leitura que diariamente faço de livros que possuo e outro que me foi relatado há muitos anos, o qual tornou-se “folclorico” nas atividades judiciárias. Vamos ao primeiro caso. Li num conto do escritor russo Michel Saltyvkov, com o título “DE COMO UM MUJIQUE ALIMENTOU DOIS BUROCRATAS” mais ou menos o seguinte: dois funcionários públicos, que tiveram suas vidas somente ligadas às atividades públicas, ao se aposentarem resolveram fazer uma viagem, e nessa viagem perderam-se numa ilha deserta. Além do que a sua função pública lhes exigia, nada mais sabiam fazer e a rotina burocrática tornou-os inaptos para participar da vida prática. Pelo afundamento do barco, conseguiram chegar nessa ilha e, por ser deserta, “cairam no choro”. Procuraram algo para comer. Encontraram, mas não sabiam preparar o que encontraram, embora a ilha fosse abundante em comida. Sabiam discutir tudo teoricamente. Nada sabiam de prático. Encontram na ilha um mujique, que equivale ao nosso camponês, que nela vivia, também perdido, mas que foi a salvação de ambos. Deram-se a conhecer. Os burocratas identificaram-se: “somos funcionários do governo”, e o mujique, assim identificou-se: Sou um simples pintor de paredes. Sento num andaime e pinto paredes. Mas salvou aqueles dois burocratas que, quando em atividade, zombavam do trabalho do mujique. Foi graças à habilidade do mujique que eles construiram um barco e salvaram-se. Pergunto: Quantos notários não precisarão de um mujique para fazer um inventário? A lei aí está. Sendo lei é para ser cumprida, dando validade a esta expressão latina: “dura lex, sed lex”. Certos notários agora, para fazer um inventário de forma correta e precisa, devem valer-se de um “mujique”, que no caso seria um bom escrevente (preposto), que conheça o processamento de um inventário, pela forma expressa na lei. O outro fato revela uma particularidade que o processo de inventário ensejava mesmo no direito então vigente, que se desenvolve perante um magistrado. Um velho advogado lutou para formar seu filho em Direito. Completado o curso, o novo advogado foi exercer a advocacia, à sombra do seu velho pai. Inteligente, culto, estudioso e dedicado, logo tomou conhecimento de todos os processos nos quais o seu pai era advogado constituído. O pai, vendo a desenvoltura e a responsabilidade com que o filho exercia a advocacia, resolveu tirar umas férias, para compensar os vários anos de trabalho, inclusive para pagar os estudos do filho e de uma filha que ainda não havia concluído seu curso. Colocou o filho ao par de todos os processos, nos quais era advogado como representante de uma das partes, e saiu para o gozo de suas merecidas e sempre adiadas férias. O filho, dedicado e estudioso, acompanhou todos os processos e solucionou inúmeros deles. O escrevente, vendo a desenvoltura do jovem advogado, apresentou-lhe certo dia um processo de inventário que tranqüilamente dormia num escaninho do cartório, que a pedido do pai lá estava tranqüilo e seguro, para que sobre ele se manifestasse. O filho, folheando os autos, logo viu que o inventário estava concluído, bastando a expedição do formal de partilha que deveria ser requerido. Tão simples era a providência a ser tomada que o filho resolveu levar com carga os autos de inventário. No seu escritório, leu atentamente todas as peças dos autos. Efetivamente, só bastava a expedição do formal de partilha, o que ele requereu, prontamente deferido pelo Juiz e expedido pelo escrevente. Quando o velho pai voltou das suas prolongadas e merecidas férias, procurou saber como o filho havia se conduzido profissionalmente. Tudo estava perfeito. O filho, jovem e culto advogado, havia corretamente movimentado todos os processos, até que ao final “da prestação de contas” dos serviços realizados, o filho indagou ao pai: por que este inventário não estava ainda concluído, quando efetivamente bastava somente a expedição do formal de partilha? O velho “esfriou”, empalideceu e simplesmente disse ao filho: falha minha, deveria ter lhe advertido que foi esse inventário que custeou seus estudos e estava custeando os estudos de sua irmã. Você, extraindo o formal e registrando-o, estancou essa fonte. Relato hipotético? Pode ser, mas justifica esta minha recomendação de ex-tabelião e ex-escrivão judicial: notário, passe a estudar o processamento de um inventário. O Código de Processo Civil o disciplina. Até o momento de redigir estes relatos jocosos, eu ainda ignoro totalmente o teor da lei e de sua existência, da qual só tomei conhecimento ouvindo o programa da Rádio Bandeirantes, o “pulo do gato”, de José Paulo de Andrade. Um processo de inventário enseja efetivamente muitos “pulos de gato”, que podem até comprometer as funções notariais na execução da citada lei... que ainda não li, mas vou lê-la, até mesmo para esclarecer nos limites dos meus conhecimentos, os leitores do Diário das Leis Imobiliário e do BOLETIM CARTORÁRIO. Tão entusiasmado e eufórico fiquei pela edição da citada lei, que sem conhecer o seu teor, mas sim, unicamente suas inovações, que representam um acréscimo às atividades notariais, superficialmente a apreciei no seu valor para a classe notarial brasileira, e o fiz nestes termos. TEORIA DO MEDALHÃO Uma lei foi promulgada. Sua promulgação é de interesse dos integrantes da classe. A lei promulgada e já vigente, é a que faculta os notários a participar, através de ESCRITURA PÚBLICA, de INVENTÁRIOS e de DISSOLUÇÃO DE CASAMENTOS, mediante particularidades restritivas à ação do notário, que expressamente especifica. Como ainda não conheço o texto da citada lei, não posso expor o meu entendimento sobre seus efeitos junto ao notariado brasileiro. O BOLETIM CARTORÁRIO, identifica-se como porta voz dos cartorários pela amplitude de divulgação que tem o DIÁRIO DAS LEIS IMOBILIÁRIO. A vida ensinou-me a respeitar todas as opiniões sobre assuntos cartorários, inclusive as contrárias à minha. Quando uma opinião é contrária à minha e sendo pública, coloco-me naquela incômoda situação de dúvida, indagando: quem está certo? Eu ou aquele que tem opinião contrária à minha? Nesse instante, vem à minha mente aquele conto de Machado de Assis, cujo título é a “TEORIA DO MEDALHÃO”, no qual um personagem procura orientar um jovem a como comportar-se •••
Antonio Albergaria Pereira