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BDI Nº.31 / 2006 - Assuntos Cartorários Voltar

CANCELAMENTO DE DOAÇÃO POR MORTE DO DONATÁRIO E AVERBAÇÃO DE REVERSÃO

Pela Constituição Federal, aos Estados-membros da Federação Brasileira foi dada competência para instituir imposto sobre transmissão da propriedade imobiliária, por intermédio de ato de liberalidade denominado “DOAÇÃO de quaisquer bens” (artigo 155, item I, letra a). O termo “quaisquer”, empregado no plural, abrange, por conseguinte, bens imóveis. Dizem (e se tal comportamento efetivamente existiu, além de válido é elogiável), que o então Presidente da República, general Eurico Gaspar Dutra, quando tinha para solucionar qualquer questão ou assunto de ordem pública que para ele não estava bem colocado ou esclarecido, afirmava: “vamos consultar o livrinho”, que seria a Constituição Federal. Eu, já afastado das atividades cartorárias por imposição da “aposentadoria compulsória”, não me senti privado do direito de interessar-me por “assuntos cartorários”, nas suas múltiplas atividades, comportamento esse que confirma o axioma: “o uso do cachimbo faz a boca torta”, mormente se usado por longos anos. Apesar de não ser mais cartorário pelo “afastamento compulsório”, não me privei de continuar estudando assuntos relacionados com as atividades cartorárias. Por sugestão do Diretor do “Diário das Leis”, criei o “Boletim Cartorário” e, por meio dele, há mais de 16 anos, tenho procurado ESTIMULAR os cartorários em atividade para se valorizarem e, de certa forma, valorizar a classe. Nestes 16 anos de existência do “BOLETIM CARTORÁRIO”, sem querer, desejar ou mesmo esperar, mantive com ele uma posição de cartorário atuante e, nessa condição, sou consultado por pessoas interessadas em solucionar problemas cartorários, aos quais estão envolvidas. São cartorários, corretores de imóveis, alguns advogados e também usuários dos serviços cartorários. Aposentado pela forma compulsória, continuei exercendo atividades cartorárias, da forma mais lícita possível: tento orientar, esclarecer e, às vezes, ensinar, sem nada receber, comportamento que adoto consciente e com real satisfação. Nesse meu comportamento talvez haja, confesso, um pouco de vaidade, mas, quem não for vaidoso, que em mim atire a primeira pedra. Hoje apreciarei um assunto que já está superado, esclarecido e solucionado há muito tempo, e até mesmo de forma legal. 1. Como o Presidente Dutra fazia para dirimir suas dúvidas administrativas, vamos ao “livrinho”, que é a CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Diz ela em seu artigo 155, item I, letra “a”, que compete aos Estados integrantes da Federação Brasileira, instituir imposto sobre doação de quaisquer bens ou direitos. Doar é dar. Ato espontâneo e em certas situações, altamente elogiável, pois , como ato humano, pode ser expressão de solidariedade humana. Talvez para evitar sonegação fiscal (transmudação da venda em doação), o legislador tributou o ATO DE DOAÇÃO e deu aos Estados o poder de legislar sobre o assunto. Dar ou doar um imóvel pelo seu proprietário, é dele se despojar em favor de alguém sem nenhuma remuneração. É ato genuinamente GRATUITO. O doar, sem comprometer a essência do ato (será sempre ato de liberalidade), pode estabelecer condição ou condições que o donatário está livre para aceitá-las ou repudiá-las. Tanto no direito anterior, como no Código Civil vigente, o doador pode estipular que o bem doado (imóvel), volte ao seu patrimônio se sobreviver ao donatário (art . 547 do C.C.). É a chamada “cláusula de reversão”. REVERSÃO está no texto com o sentido de reverter ao anterior proprietário (doador), se ainda estiver ele vivo quando morrer o donatário. Por conseqüência, REVERSÃO não é DOAÇÃO. Para distinguir esses dois atos (doação/reversão) é preciso examinar as características de cada um deles. O que caracteriza a doação é a vontade do doador e do donatário, um a vontade de dar e o outro a vontade de aceitar. A característica fundamental da reversão é que, nela, o que existe é um fato (acontecimento: morte do donatário) que impõe uma conseqüência: RETORNO AUTOMÁTICO da coisa (imóvel doado) ao donatário. Essa REVERSÃO, que só pode ser estabelecida em favor exclusivo do doador (v.g. do citado artigo 547), opera-se automaticamente, o que justifica a NÃO INCIDÊNCIA DE QUALQUER TRIBUTO sobre ela. Misturar “alhos com bugalhos” é misturar coisas diferentes. É fazer confusão onde não existe confusão, mas sim clareza evidente, brilho solar, “céu de brigadeiro”. Tão claro é o assunto motivador desta exposição que me preocupei quando tomei conhecimento de que um registrador imobiliário de uma expressiva Comarca do Estado de São Paulo, recusou promover a averbação da morte da donatária na matrícula do imóvel doado, para que a doadora, por reversão do imóvel ao seu domínio pleno, pudesse vendê-lo. Causou-me espécie tal recusa e mais surpreso fiquei por ter sido ela formulada por um registrador imobiliário que ingressou no cartório do qual hoje é titular por meio de CONCURSO DE PROVAS. Pensei: teria ele durante toda a sua vida de cartorário nunca averbado o falecimento de um donatário para que a reversão do imóvel matriculado retornasse ao domínio do doador, de modo a orientar o seu sucessor? Quando da edição da Lei nº 6.015/73, ele, Dr. ELVINO SILVA FILHO, juntamente com outra autoridade, Dr. Gilberto Valente da Silva, Juiz da Vara de Registros Públicos de São Paulo, ministrou aulas (e eu, como notário, delas participei) elucidando notários e registradores como deveriam aplicar os preceitos da nova lei. Caso o registrador em questão tivesse participado dessas aulas, perguntei-me, teria ele se recusado a praticar esse primário ato de reversão do imóvel doado ao doador (antes proprietário) pela morte do donatário? O estudo para o provimento na serventia, resultante de concurso de provas, teria dado a esse registrador mais conhecimentos jurídicos para divergir daquele que foi o grande mestre em questões de alta indagação de Direito Imobiliário?, indaguei-me perplexo. A esta última indagação, se a resposta for SIM, comprometido estará o seu êxito no concurso de provas que prestou e que lhe deu a honrosa oportunidade de ser titular de um cartório de registro de imóveis. 2. Sua exigência escrita, expressa, taxativa, exigindo o recolhimento do questionado imposto que, no caso ora apreciado, não é “inter-vivos” nem “causa mortis”, levou o interessado, para a pronta execução do ato a registrar (“averbação na matrícula do imóvel do falecimento da donatária”), a procurar a repartição fiscal estadual para promover a estranha arrecadação exigida pela estranha exigência do registrador, o que, felizmente, não foi possível, porque exigiu o agente fiscal arrecadador o número do processo de inventário ou arrolamento que, por não existir (pois não poderia existir apenas para essa hipótese), inviabilizou a emissão da guia eletrônica e seu conseqüente recolhimento, em flagrante prejuízo à doadora, visto que indevida a tributação exigida na insólita nota de devolução do Oficial registrador. Quanto à essa malsinada nota de devolução, é imperioso destacar que as exigências registrárias não são numeradas, mas deveriam ser, inclusive com cópia, para que, em correições ordinárias periódicas, ou extraordinárias, fosse analisado o grau de eficiência, cultura e dedicação do oficial registrador à prestação de serviços a ele subordinada. Quiçá, se essa simples providência aqui sugerida for adotada, muitas exigências esdrúxulas e estapafúrdias deixarão de ser formuladas, até para a valorização dos serviços cartorários registrais e atenuação de exigências para cuja solução demanda a intervenção desnecessária do magistrado, aumentando seus serviços com a apreciação de dúvidas impertinentes, irrelevantes, muitas delas jocosas ou ridículas e, de plano, manifestamente improcedentes. Com o respeito devido, não pode ter outra conotação a exigência contida em nota de devolução que recusa apreciação de pedido de averbação do óbito do donatário para ser efetivada a reversão do imóvel ao doador, a pretexto de ser exigível o recolhimento de imposto de transmissão “causa mortis” e doação (ITCMD) à Fazenda do Estado. Ora, ora, ora! A reversão é fato jurídico claramente previsto no artigo 246 da Lei de Registros Públicos, pois, a ocorrência da morte do donatário, em cuja doação foi estabelecido o direito de reversão do domínio do imóvel ao doador, nada mais é do que uma “ocorrência que altera o registro”. O item II do artigo 167 da Lei nº 6.015/73 é específico aos atos que determinam a averbação. O ato do artigo 246 da mesma lei é genérico, porque envolve atos não relacionados no preceito anterior, mas que, ocorrendo, impõe a necessária averbação. O legislador foi casuístico ao estabelecer a prática dos atos registrários e averbatórios para a abertura de matrículas e averbações no artigo 167, itens I e II e com relação a estas averbações, corretamente, foi genérico, supondo estar incluída nesse dispositivo expresso a averbação do óbito do donatário, fato jurídico que, por força do estipulado no título que formalizou a liberalidade, a reversão do imóvel ao doador pela ocorrência de evento futuro incerto - morte do donatário -, cláusula resolutiva expressa no título, ocorrida e comprovada, insere-se entre as ocorrências que alteram o registro. O fato ora analisado é grave porque o ato a ser praticado (averbação da morte do donatário) é privativo de um só profissional: o registrador em cuja serventia o imóvel está matriculado. Isto dá a uma só pessoa, o oficial registrador, um privilégio que, todavia, pode se transformar num ridículo ato de recusa que não apenas o compromete como profissional, mas, também, compromete toda a classe à qual pertence. Segundo fui informado, ante a impossibilidade do interessado no ato de averbação de promover o “recolhimento do imposto”, obteve ele do registrador o propósito de consultar o seu órgão de classe sediado em São Paulo, isto é, o IRIB. Por intermédio do IRIB, por informação de seu Presidente, obteve o oficial registrador o esclarecimento de que a averbação postulada pelo interessado, sem o recolhimento de qualquer imposto de transmissão (“inter-vivos” ou “causa-mortis”/doação) era válida e legítima, inclusive •••

Antonio Albergaria Pereira