ATA NOTARIAL. AINDA PELA UTILIZAÇÃO COM UTILIDADE
“Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal chega a manhã.” (Carlos Drummond de Andrade). No artigo “Ata Notarial. Utilização x Utilidade” (DLI nº 14, 2006), ressalvei desde logo a amplidão do tema e as controvérsias subsistentes no nosso Direito acerca do mesmo, restringindo-me a uma consideração do assunto, ainda que breve, num enfoque ético-profissional na lavratura de atas notariais, citando, a esse propósito, um exemplo extraído de um artigo de Felipe Leonardo (DLI nº 24, 2004), exatamente pela sua expressiva atuação na abordagem do assunto, e, ainda, na certeza que o articulista nutre grande zelo pelo instituto e pela atividade que representa. No artigo, “Reapreciando a Ata Notarial. Utilização x Utilidade” (DLI nº 24, 2006), Felipe Leonardo procurou combater pontos básicos que apresentei como nortes do uso com utilidade da Ata Notarial e sua definição, e defender o indefensável, e, evidentemente, desprovido de utilidade, seja na defesa do interesse dos usuários dos serviços notariais seja na defesa do instituto. Sinto não haver encontrado fundamentos suficientes na réplica apresentada, ainda que propedêuticos, para uma mudança no entendimento por mim esposado no artigo combatido. Teria reapreciado minhas ponderações se houvesse sido demonstrado: (1) a possibilidade da ata notarial ser formalizada simultaneamente à ocorrência do fato, hipótese que só vislumbro se a ata notarial fosse um registro psicografado, pois, do contrário, o tabelião terá sempre que primeiro constatar o fato (muitas vezes em etapas e momentos diferentes) para depois registrá-lo, e aí não vejo como se referir ao que foi constatado (passado) usando verbos no presente; ou, (2) não ser o auto de aprovação do testamento cerrado supedâneo para validade do testamento cerrado, ou que este não representa expressa manifestação de vontade do testador de que “aquele é o seu testamento e que quer que seja aprovado”; ou, (3) que a ata notarial reúne os requisitos de “documento autêntico” para nomeação de tutor, envolvendo manifestação de vontade dos genitores; ou, finalmente, (4) que a assinatura do interessado (pois não seria parte) é (ou possa ser) requisito de validade da ata notarial diante da soberba conceituação da ata notarial na doutrina pátria. Isso não tendo sido feito, e até que seja feito, mantenho inalterada a minha exposição do assunto. Todavia, para uma melhor configuração do instituto no Direito pátrio e para espancar com mais intensidade o uso inadequado das atas notariais, continuemos. A ata notarial no Direito pátrio é a mesma do Direito estrangeiro? Muito do que se tem entendido sobre ata notarial no Brasil tem como influência concepções do Direito estrangeiro sobre o assunto, sobretudo das “escolas notariais Argentinas, Espanholas, Uruguaias e Paraguaias”, como nos informa Celso Rezende (Rezende, 2004, pp. 147 e 148) esclarecendo, inclusive, que para esses notários “o reconhecimento de firmas é uma ata notarial, pois é a constatação de um fato”, e, ainda que, “para esses notários, o que conhecemos por auto de lavratura de testamento cerrado, é igualmente tratado como uma ata notarial”. Contudo, como já destacou Carvalho Rego, “o direito comparado, no tocante às Atas Notariais não pode ser aplicado no Brasil” (2002), pois a distinção da ata notarial em relação aos demais atos notariais de competência do notariado brasileiro “é bastante clara em nossa Lei nº 8.935/94, art. 7º”, como esclarece Celso Rezende (Rezende, 2004, p. 148). Vejamos! Da competência genérica dos notários e específica dos tabeliães de notas A Lei nº 8.935/94 define a competência dos notários de duas maneiras: de forma genérica e de forma específica, com exclusividade. A competência genérica está definida no artigo 6º, e a competência específica, e exclusiva, no artigo 7º. A competência genérica dos notários, muitas vezes criticada na doutrina (Orlandi Neto, 2004, p. 20), refere-se à atuação dos tabeliães de modo geral, e restringe-se a esses, incluindo, a toda evidência, o de notas, e diz respeito a toda a atuação dos tabeliães no exercício da sua atribuição, envolvendo não somente a prática direta dos atos de sua competência, como também os acessórios desses atos, de caráter instrumental e técnico, antes, durante e após a prática dos atos que lhe são cometidos, e consiste, nos termos do art. 6 º, em: I - formalizar jurídicamente a vontade das partes; II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo; III – Autenticar fatos. Por outro lado, a competência específica, e exclusiva, dos tabeliães de notas (excluindo-se, portanto, os demais tabeliães)2, diz respeito aos atos que aqueles podem praticar, tendo cada ato, ou espécie de ato, naturalmente, uma finalidade distinta dos demais, pois não se justifica ter diferentes atos para uma mesma finalidade. Aliás, a competência exclusiva dos tabeliães de notas para lavrar atas notariais resulta na impossibilidade do tabelião de protesto lavrar “ata de protesto de títulos”, como vislumbra Felipe Leonardo (DLI 24, 2004), tanto por não ser possível a analogia do termo, dada a exclusividade da competência, como porque a lei não conferiu ao tabelião de protesto competência para lavrar atas desse tipo (art. 11 da Lei 8.935/94). Diz o Art. 7º - Aos tabeliães de notas compete com exclusividade: I – Lavrar escrituras e procurações públicas; II - lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados; III - lavrar atas notariais; IV - reconhecer firmas; V - autenticar cópias. Tendo a lei classificado os diferentes atos de competência do tabelião de notas, há de se concluir que cada ato tem conteúdo próprio e que deve ser praticado para a finalidade que se destina, tendo em mira as conseqüências jurídicas que pretende produzir no campo das obrigações, dos direitos reais, do tributário, do sucessório, da prova, enfim. Assim, o ato notarial de constituição, transmissão e/ou extinção de bens ou direitos entre vivos é a escritura pública, adjetivada pelo tipo do negócio; o de constituição, transmissão e/ou extinção de bens ou direitos para após a morte é o testamento público, ou a aprovação do testamento cerrado; o de constituir representante para alguma finalidade a procuração pública; o de “afirmar a autoria de uma assinatura” (Orlandi Neto, 2004, p. 24), por semelhança ou por autenticidade, o reconhecimento de firma; o de “emprestar à reprodução o mesmo valor do documento original” (Orlandi Neto, 2004, p. 25) a autenticação de cópias; o de autenticar fatos a ata notarial. Aliás, se não houvesse campo específico para incidência de cada um dos atos de competência exclusiva dos tabeliães, seria dispensável a competência que lhes foi atribuída no artigo 6º da Lei nº 8.935/94, no sentido de assessorar as partes na instrumentação dos negócios jurídicos que lhe são apresentados, pautados pelos princípios “gerais, próprios e reais” (Richter, 2004, pp. 202 e 203) do Direito Notarial. Deste modo havemos de entender que escritura pública, procuração pública, testamento público, auto de aprovação de testamento cerrado, ata notarial, reconhecimento de firma e autenticação de cópia têm cada qual sua finalidade, e, como consectário, utilização exclusiva aos fins a que se destina. Tanto é assim que não se tem notícia de confusão na utilização de um ato por outro, ressalvado, apenas, o uso inadequado das atas notariais para os fins destinados às escrituras públicas. Aquelas, destinadas a autenticar fatos; estas, a registrar as manifestações de vontades e declarações das partes; coisas distintas. “Autenticar fatos é comprovar alguma coisa, [...] um acontecimento, um fato – jurídico, seja ele natural ou voluntário, [...] que acarreta conseqüência jurídica”. (Albergaria, 1995, p. 31) Walter Ceneviva, explicando o art. 6º da Lei 8.935/94, diz que “... autenticar é aqui vinculado ao termo fatos. Significa a confirmação, pelo ... notário ... da existência e das circunstâncias que caracterizam o fato, enquanto acontecimento juridicamente relevante” (Ceneviva, 1996, p. 43) (Original sem grifos). Compreendendo a especificidade da ata notarial o Provimento nº 02/2003-CGJRS (DJ nº 2542, de 11.01.2003, fls. 1) deu ao art. 640 da Consolidação Normativa a seguinte redação: “A ata Notarial será lavrada em livro próprio”. Distinção entre ata notarial e escritura pública Ângelo Volpi, citado por Celso Rezende (2004, p. 148), diz que “para qualquer estudo referente ao tema é importante definir bem a linha divisória entre ata notarial e escritura pública”. José Enrique Goma Salcedo, citado por Brandelli (2004, p. 55), diz que “a principal classificação dos instrumentos públicos notariais é a que distingue entre escrituras públicas e atas”. As observações acima apontam desde logo para a ata notarial como instituto autônomo, distinto da escritura pública, e não espécie de escritura pública. As distinções são várias. Segundo Jose Antonio Escartin Ipien, Notário de Madrid, citado por diversos autores brasileiros e estrangeiros, “Ata Notarial é instrumento público autorizado por notário competente, a requerimento de uma pessoa [...] que, fundamentada nos princípios da função imparcial e independente [...], tem por objeto constatar a realidade ou verdade de um fato que o notário vê, ouve ou percebe [...]” (grifamos). “Ata é instrumento destinado ao registro de fatos jurídicos, sejam eles naturais ou voluntários, com conseqüências ou possíveis conseqüências jurídicas”. (Albergaria, DLI nº 6, 1996). Justino Adriano Farias da Silva, abordando sobre a Evolução Histórica da Ata Notarial, diz que “Ata Notarial é o documento passado pelo tabelião, ou por outrem, que suas vezes fizer, mediante solicitação, no qual são relatados fatos, atos, acontecimentos, estado ou situação de coisas, que ele presencia, ouve ou constata”. (2004, p. 129). Entendo que Ata Notarial é documento público que registra e perpetua a existência de um fato juridicamente relevante constatado pessoalmente pelo tabelião de notas, e que não perece com o perecimento do fato. Assim, as diferenças – conceitos, elementos e aplicação – entre as Escrituras Públicas e a Ata Notarial são evidentes. Vejamos algumas: “A ata notarial distingue-se •••
Valestan Milhomem da Costa (*)