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BDI Nº.23 / 2006 - Assuntos Cartorários Voltar

O PRINCÍPIO DA CINDIBILIDADE DOS TÍTULOS E SEUS EFEITOS NO REGISTRO DE IMÓVEIS

INTRODUÇÃO O presente trabalho aborda um tema de altíssima importância para todos os registradores de imóveis, visto que os princípios de Direito Registral, entre eles o Princípio da Cindibilidade, representam a estrutura mestra de todo o sistema de comandos, ou seja, são os alicerces do conjunto de atos realizados pelos delegados no âmbito de suas serventias. Este estudo busca dar maior publicidade ao Princípio da Cindibilidade dos títulos, tendo em vista tratar-se de um princípio que nenhum registrador imobiliário deve ignorar, ao deparar-se com um título, no qual vários imóveis são alienados e alguns deles não apresentam condições de serem registrados. Com o advento da Lei Federal nº 6.015/73, que estabelece que todo imóvel deve estar matriculado, permitiu-se a cisão do título, para registro daqueles imóveis que podem ser inscritos. Como objetivo específico, pretende-se demonstrar, com clareza, a aplicabilidade e os efeitos da cindibilidade na atividade registral imobiliária, indicando os títulos capazes de sofrerem incidência, bem como as exceções existentes. Por fim, pretende-se fazer uma análise da jurisprudência atual. A escolha do presente tema tem como justificativa a escassa doutrina e rara jurisprudência relacionada em nossos Tribunais, bem como os relevantes efeitos decorrentes da aplicação do princípio da cindibilidade dos títulos na atual sistemática registral. Hodiernamente, o registrador imobiliário deixou de ser mero copista de títulos, para posicionar-se como profissional do direito, dotado de capacidade intelectual e independência, capaz de exercer um juízo de admissibilidade dos títulos apresentados ao registro, acolhendo do título o que validamente pode ser inscrito e recusando aquilo que, no seu entender, não pode ser registrado. 1. A ORIGEM DO PRINCÍPIO DA CINDIBILIDADE O princípio da cindibilidade surgiu com o sistema matricial, por meio da Lei Federal n.º 6.015/73, ao estabelecer que todo o imóvel objeto de título a ser registrado deve estar matriculado no Livro n. 2, consoante a previsão contida no art. 227 da citada lei. Também, cumpre frisar que está expresso no art. 176, §1º, item I, do mesmo diploma legal, que cada imóvel terá matrícula própria, ou seja, uma só matrícula para cada imóvel. Portanto, verifica-se que o princípio da cindibilidade decorre da unitaridade da matrícula. É com base na unitaridade que se viabiliza a divisão do título para efeito de registro, onde cada matrícula só poderá corresponder a um único imóvel. É importante lembrar que no Direito anterior (Decreto Federal nº 4.857, de 9 de novembro de 1939) a base para o registro dos imóveis alienados era o próprio título, sendo que em um título vários imóveis podiam ser transmitidos. Por isso, o título formalizava a transmissão de um ou de vários imóveis, e uma só transcrição imobiliária podia ter vários imóveis nela registrados, desde que todos eles estivessem na circunscrição territorial do cartório. Acrescente-se, também, que no direito anterior registrava-se o próprio título. Ocorre que o ato primacial da vetusta sistemática registral consubstanciava-se na transcrição dos instrumentos apresentados por inteiro. Com o advento da Lei Federal nº 6.015/73 e o surgimento do sistema matricial, juntamente com o princípio da unitaridade da matrícula, não há mais qualquer fundamento para a manutenção do princípio pretoriano da incindibilidade do título. Com a nova sistemática o registro é do imóvel matriculado e não do título como ocorria no sistema anterior. O título, no direito vigente, é meio para o registro e não o fim da transcrição como ocorria no direito pretérito. Assim resta, indene de dúvidas, que no vigente sistema de registro imobiliário, fundado no cadastramento do corpo físico, a que se vinculam os fatos, atos e negócios jurídicos correspondentes, a cindibilidade do título passou a ser perfeitamente possível e admitida. Com isso, o ato de registro deixou de ser a reprodução integral dos instrumentos recepcionados no fólio real, para permitir que o título reflita, apenas, aquilo que for possível ter ingresso no cadastro imobiliário. Ademais, é certo afirmar que o sistema vigente, introduzido pela Lei Federal nº 6.015/73, caracteriza-se pela transformação radical do ato básico do registro imobiliário, que, deixando de ser a reprodução textual dos títulos, passou ao cadastramento ou retrato físico do imóvel, por meio do inovador sistema matricial (matrícula). Nesse sentido, manifestou-se o Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, na Apelação Cível nº 285.948, de 17 de dezembro de 1979. Como se pode do todo inferir, a grande modificação introduzida pela nova sistemática registral foi, sem dúvida, a matrícula, que modificou radicalmente o regime e a técnica de escrituração. A matrícula é a expressão da individualidade da coisa, enquanto centro de todas as demais referências da história de suas mutações objetivas e subjetivas. O conteúdo do título é o meio de transmissão daquelas características que a lei reputa essenciais aos fins a que se presta a matrícula. Ainda, cumpre ressaltar, que um eficiente registrador de imóveis é aquele que domina plenamente os princípios do Direito Registral Imobiliário, no que tange aos conceitos e a sua aplicabilidade, haja vista que os princípios representam a estrutura mestra de todo o sistema registral imobiliário. Nesse sentido, ensina o mestre CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO. Vejamos: “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema., subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.”1 Incontestável, pois, que o princípio da cindibilidade não só deve ser conhecido pelo registrador imobiliário, na atual sistemática registral, como também deve ser aplicado nas condições permitidas e não excepcionadas. Ademais, é importante lembrar que ao registrador cabe o dever de registrar os títulos sempre que possível, sendo essa a essência da própria atividade. 2. A CINDIBILIDADE DO TÍTULO E SEUS EFEITOS NO REGISTRO DE IMÓVEIS No vigente sistema de registro imobiliário, alicerçado em ato básico de cadastramento do corpo físico (matrícula), é plenamente admitida a aplicação do princípio da cindibilidade do título. Pelo referido princípio extrai-se do título somente o que comporta inscrição, permitindo que o registrador, valendo-se de sua independência funcional, aproveite o título, embora falho, para realização do ato registral naquilo que estiver correto, registrando parcialmente o instrumento. Portanto, vale dizer que, hoje, é possível extrair só o que comporta inscrição, afastando-se aquilo que não puder constar do registro. O título pode conter, assim, vários imóveis, estando só alguns deles em condições de serem registrados. Também, cumpre salientar que é possível a cindibilidade de atos jurídicos dissociados concernentes a um mesmo imóvel, ou seja, registra-se o ato jurídico legal e recusa-se o registro do ato jurídico ilegal, visto que o oficial registrador, ao qualificar o título para a sua admissão (juízo de admissibilidade), registra todos os atos que o título contém em consonância com os princípios registrários e recusa aqueles atos que não se ajustam à realidade legal. Claro está, pois, que ao registrador imobiliário, dotado de autonomia na qualificação registral, caberá a atenta aplicação do princípio da cindibilidade do título apresentado ao registro, quando ele contiver vários imóveis ou vários atos jurídicos dissociados. Contudo, o registrador deverá analisar cuidadosamente cada caso, visto que a cindibilidade do título não pode ser observada como regra geral, uma vez que admite exceções. Por isso, a cindibilidade somente não incidirá por razões específicas, identificadas pelo douto registrador imobiliário. Portanto, restando demonstrada a plena aplicação da cindibilidade do título, de acordo com o sistema matricial contemporâneo, passamos a analisar os efeitos de tal cisão, com base na jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo. Observemos a transcrição de parte do voto do Corregedor Geral e relator ANTÔNIO CARLOS ALVES BRAGA, na apelação cível n.º 21.841-0/1 (CSM): “Atualmente o princípio pretoriano da incindibilidade dos títulos, construído sob a égide do anterior sistema registral, já não vigora. Nesse sentido já se posicionou o C. Conselho Superior da Magistratura, conforme, v.g., ap. cível da Comarca de São Paulo, recurso 2.642-0, in DOJ de 24.11.93. Isso porque só aquele sistema da transcrição dos títulos justificaria não se admitisse a cisão do título, para considerá-lo apenas no que interessa. Na verdade, com o advento da Lei •••

Guilherme Fanti (*)