DA EXTENSÃO DA FIANÇA NA LOCAÇÃO URBANA
Em palestra ministrada pelo Desembargador Sylvio Capanema de Souza1, sob o tema “Exoneração de Fiança”, o mesmo iniciou seu discurso afirmando que “a fiança é o primeiro passo para o rompimento de uma amizade”, do que não se ousa discordar. Em que pese a previsão de outras modalidades de garantias, elencadas no artigo 37 da Lei do Inquilinato, a fiança continua sendo a forma mais utilizada de garantia nas locações, provavelmente por ser a menos gravosa ao locatário. A obrigação do fiador consiste, basicamente, em adimplir o débito locatício, caso o locatário não o faça, resguardado o seu direito de regresso. Prefacialmente, abordar-se-ão algumas noções elementares do contrato de fiança para, na seqüência, enfocar a prorrogação do contrato de locação e, por derradeiro, da sua extensão na fiança locatícia. A polêmica a ser tratada por este artigo reside na possibilidade da prorrogação do contrato de locação se estender ao contrato de fiança que garante a locação, ou seja, a questão é saber qual é a extensão dos efeitos da prorrogação perante o contrato de fiança. Baseada na consulta doutrinária, na prática das atividades e, fundamentalmente, na troca de idéias ao longo das aulas de Especialização em Direito Imobiliário, não tem esta escrita a pretensão de pacificar tão palpitante discussão, mas simplesmente expor algumas idéias, de modo a auxiliar aqueles que militam na área do direito imobiliário. DO CONTRATO DE FIANÇA O conceito do contrato de fiança vem expresso no artigo 818 do Código Civil, que reza: “Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra”. O enunciado da norma basta por si só, revelando a fiança como uma modalidade de garantia, em que o fiador promete o adimplemento da obrigação pelo devedor principal, e se obriga diretamente a pagar, caso este não o faça. Definição completa é proposta por Pontes de Miranda, A fiança é promessa de ato-fato jurídico ou de outro ato jurídico, porque o que se promete é o adimplemento do contrato, ou do negócio jurídico unilateral, ou de outra fonte de dívida, de que se irradiou, ou se irradia, ou vai irradiar-se a divida de outrem2. Ora, se, porventura, o devedor principal não cumprir sua obrigação, observados prazos e formas legais, perante o credor, é obrigação do fiador fazê-lo. Nesse sentido, Arnaldo Marmitt acrescenta à matéria ao dispor que A fiança envolve o cumprimento de obrigação convencional, oriunda de pacto escrito, e assegurada por terceiro, que responde pelo inadim-plente. Significa responsabilidade, garantia, abonação, confiança, caução, segurança3. E mais, o dispositivo 818 do Código Civil aponta a fiança como um pacto acessório, benéfico e de interpretação restritiva, já que pressupõe a existência da obrigação principal de que é garantia e objetiva beneficiar o destinatário. Na verdade, a natureza jurídica do contrato de fiança apresenta os seguintes caracteres: acessório, unilateral, personalíssimo, de regra gratuito e solene. A acessoriedade da fiança admite que o contrato sempre seguirá uma obrigação principal, ocorrendo um vínculo de correlação entre o acessório e o principal4. O contrato de fiança só vincula aquele que a presta, sendo que se alguém receber algo para prestá-la tratar-se-á de outro negócio jurídico, que não fiança. Dada sua acessoriedade, importa ressaltar que o fiador deverá anuir expressamente sempre que houver qualquer alteração no contrato principal, sob pena de não se obrigar pelas modificações efetuadas que possam vir a onerar a sua obrigação. Ademais, conclui-se que a obrigação fidejussória se extingue com a obrigação principal. Também é considerada a fiança um contrato unilateral, porque cria obrigações tão-somente para o fiador em relação ao credor, não obstante ser ajustado entre ambos, ou seja, a relação contratual vincula fiador e credor, a ela ficando alheio o afiançado, tanto assim que a fiança pode ser avençada mesmo à revelia ou contra a vontade do devedor5. Outra peculiaridade da fiança é seu caráter personalíssimo, ou intuito personae, como queiram, especialmente considerando a relação de confiança estabelecida entre fiador e afiançado. Até porque, o vocábulo “fiança”, do verbo fiar, remete ao confiar, abonar, acreditar ou afiançar6. Logo, o elemento confiança é indispensável para a celebração da avença, sendo que não se admite que a obrigação do fiador se estenda a outra pessoa, que venha a suceder o afiançado na obrigação principal, a não ser que a lei assim determine, ou que haja novo pacto entre as partes. Desta forma, também os herdeiros do fiador falecido não o sucedem na obrigação, extinguindo-se esta com a morte. A gratuidade da fiança decorre da liberalidade do fiador em prestar a garantia, vez que cria vantagens somente para uma das partes, razão pela qual deve ser interpretada restritivamente, para impedir que se aumente a garantia do garante, além do que o mesmo admitiu7. Não admite contraprestação. É classificado, por fim, como um contrato de forma solene, exigência decorrente do artigo 819 do Código Civil que prevê a forma escrita do mesmo, não se admitindo a existência de contrato verbal, podendo ser celebrado por instrumento particular ou público. Nessa esteira, a exemplo de qualquer outra modalidade contratual, importa enumerar os elementos essenciais do contrato de fiança, quais sejam: a capacidade das partes, o consentimento, a forma e o objeto, tendo em vista que a presença dos mesmos confere validade e eficácia ao contrato de fiança. A capacidade da partes pressupõe que o contrato seja celebrado entre maiores de 18 anos, que não se enquadrem nas hipóteses dos artigos 3º e 4º do Código Civil. A forma do contrato de fiança, já abordada anteriormente, deve ser sempre por escrito, permitida, inclusive, no corpo do contrato principal. O objeto, por sua vez, deve ser lícito e não defeso em lei, podendo recair sobre qualquer espécie de obrigação. Tais elementos são indispensáveis à validade e eficácia do contrato de fiança, sob pena de, não respeitados, descons-tituir •••
Cristiane Regina Birk (*)