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BDI Nº.35 / 2005 - Comentários & Doutrina Voltar

COMPÊNDIO SOBRE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE PELO DIREITO HEREDITÁRIO

I. Droit de Saisine e a conseqüência do registro do formal de partilha Uma das formas de aquisição da propriedade imobiliária se dá através da sucessão hereditária legítima ou ab intestato (todo o patrimônio do falecido é transmitido às pessoas elencadas na lei civil conforme a ordem de vocação hereditária) ou através da sucessão hereditária testamentária (o patrimônio é transmitido às pessoas conforme o disposto em testamento, respeitando a legítima dos herdeiros necessários). Essa aquisição se dá independente de qualquer ato por parte dos herdeiros, ocorrendo tão somente em virtude da morte do titular da propriedade, momento em que cessa a sua personalidade (art. 6, CC), passando desde então a ser considerado o autor da herança, também chamado de cujus (abreviatura da locução de cujus hereditatis agitur). É o que se infere do artigo 1.784 do Código Civil: aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. No mesmo sentido dispunha o artigo 1.572 do Código Civil de 1916. Trata-se do princípio da saisine (droit de saisine ou saesina juris), uma ficção jurídica, que conforme os ensinamen-tos de Maria Helena Diniz foi introduzido no direito português através do Alvará de 1754, donde passou para o direito das sucessões pátrio. Nas palavras da jurista, esse princípio determina que a transmissão do domínio e da posse da herança ao herdeiro se dê no momento da morte do “de cujus” independentemente de quaisquer formalidades. Essa situação expressa pelo brocardo “le mort saisit le vif”, encontra-se no art. 724 do Código Civil francês...”(1). A tradução do brocardo é “o morto institui o vivo” e seus princípios encontram raízes na Gewere do direito alemão medieval (2). Em decorrência do direito de saisina, a propriedade e a posse dos bens do falecido são automaticamente transmitidos aos herdeiros legítimos e testamentários, sendo inclusive desnecessária a apreensão corpórea de tais bens ou mesmo o conhecimento da morte por parte dos herdeiros. Por conseqüência, podem desde então utilizar-se de todos os mecanismos legais para defesa da posse ou reivindicação da propriedade, sendo desnecessária a propositura do processo de inventário ou arrolamento, pois não é este ato que tem o poder de transmitir os direitos e obrigações do falecido aos seus sucessores. Adverte o jurista Sílvio de Salvo Venosa que o patrimônio não fica sem titular. Ainda que não formalizado o inventário, não concluída ou não registrada a partilha no cartório imobiliário, os herdeiros são proprietários. O fato da morte é que os tornou tal. O registro do formal de partilha serve apenas para manter sua continuidade, possibilitando o “ius disponendi”, a exemplo do usucapião. Até a partilha os herdeiros mantém a universalidade que lhes foi transmitida (3). Corroborando os preceitos doutrinários anteriores, Orlando Gomes também acentua que aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. A “sucessão hereditária” é, pois, um dos modos de aquisição da propriedade. O herdeiro adquire a propriedade da herança independentemente de transcrição, que seria modo de aquisição “inter vivos”. Tem-se entendido que deve ser “registrado”, para o fim de “disponibilidade” dos imóveis, o “formal de partilha”, em aplicação de certos preceitos do registro imobiliário. Antes de proferida a sentença de “partilha”, não se pode saber que bens encherão o quinhão de cada herdeiro. O espólio é uma comunhão incidente; indivisão forçada que finda exatamente quando se determina que esse ou aquele bem toca, em propriedade exclusiva, a esse ou àquele herdeiro. Compreensível, pois que o “formal de partilha” deva ser registrado, mas não é esse “registro” que transfere a propriedade, pois os bens herdados já pertenciam, em comunhão, aos sucessores, desde a abertura da sucessão. Exige-se o registro para manter a continuidade da “matrícula, formando a cadeia sucessória”. O herdeiro não poderá alienar o bem herdado se não registrar o formal de partilha, eis que continuaria matriculado em nome do autor da herança, quando é, dele, herdeiro, que deve passar ao adquirente” (4). Complementando tais considerações, acrescento que em determinadas circunstâncias os herdeiros podem dispor da totalidade ou de um percentual de seu patrimônio antes mesmo do registro do formal de partilha como veremos mais adiante. Vale ainda mencionar que com relação aos legatários, a aquisição da posse e propriedade é regulada pelo artigo 1.923 e seguintes do Código Civil. De acordo com a normatividade do art. 1.923, desde a abertura da sucessão pertence ao legatário a coisa certa, existente no acervo, salvo se o •••

Iuli Ratzka Formiga (*)