Aguarde, carregando...

BDI Nº.26 / 2005 - Comentários & Doutrina Voltar

AS RAZÕES PARA A MODIFICAÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA EM DECORRÊNCIA DE ALTERAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE PREÇO NO MERCADO

INTRODUÇÃO Não se pretende, nestas breves e modestas linhas, esgotar-se o tema e as infindáveis questões dele consectárias e subjacentes, pois isto seria de todo impossível, não só pela finalidade deste trabalho, mas, principalmente, pelas limitações desta articulista. À vista disso, o trabalho se restringirá em abordar algumas nuanças de princípios contratuais e atrelar seus reflexos à chance de modificação do contrato em face da alteração das condições de preço no mercado. 1. UMA NOVA ROUPAGEM DOS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS Merece especial destaque o fato de que o princípio da autonomia da vontade sempre trouxe como característica o individualismo nas relações contratuais. Hoje, não é mais assim. É que dois importantes princípios, além de outros, estão agora inseridos na codificação civil de 2002: o da justiça social do contrato calcado na sobreposição do interesse social sobre o individual sempre que haja conflito e o da boa-fé objetiva como norma de conduta, os quais devem ser obrigatoriamente observados na lex contractus. O princípio da boa-fé contratual, já anteriormente encampado pelo Código de Defesa do Consumidor, em sede de obrigações, espraiou-se para o Código Civil com nova roupagem, destituída apenas de seu caráter subjetivo, apresentando-se objetivamente, isto é, primando pela transparência absoluta em todas as relações jurídicas com respeito aos reais interesses suscitados entre os contratantes. Assim, os interesses individuais devem ser sobrepujados em virtude dos da coletividade, trazendo relativismo ao princípio do pacta sunt servanda. É certo que a autonomia privada, em sede de direito contratual, fez emergir outros princípios, em especial o da força obrigatória e o da relatividade, os quais estão vinculados intimamente com aquele primeiro. O primeiro, segundo lição de Gomes (1996, p. 36), “Consubstancia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes. Celebrado que seja, com observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos. O contrato obriga os contratantes, sejam quais forem as circunstâncias em que tenha de ser cumprido. Estipulado validamente seu conteúdo, vale dizer, definidos direitos e obrigações de cada parte, as respectivas cláusulas têm, para os contratantes, força obrigatória.” (1) O segundo, contempla a regra de que o contrato não aproveita nem prejudica terceiros, vinculando exclusivamente as partes que nele intervieram. Cumpre observar, entretanto, que também esses princípios, em razão da nova concepção dos contratos, acabam de certa forma, abalados. 2. UMA NOVA CONCEPÇÃO DOS CONTRATOS O contrato tem como lastro o equilíbrio entre os contratantes e sobrevindo fatos que levem a um desequilíbrio, impondo a uma das partes riscos e prejuízos inimagináveis por ocasião da realização do negócio e que conduzam à inviabilidade deste no atingimento do fim para o qual se destinava, ele pode ser revisto. Essa é a tendência atual do nosso ordenamento jurídico e um dos seus principais pilares é, sem dúvida, a teoria da imprevisão, que tem inteira aplicação, a teor do artigo 478 do Novo Código Civil, na presente análise acerca da possibilidade de modificação do contrato, quando estiver patente a onerosidade excessiva para uma das partes, o que daria azo, no nosso sentir, à revisão contratual judicial para se buscar a justiça contratual. Nesse sentido Darcy Bessone de Oliveira Andrade, em 1949, já ensinava que a cláusula rebus sic stantibus “considerada ínsita nos contratos, significaria, portanto, que, nas convenções que gerassem obrigações sucessivas ou dependentes do futuro, o seu cumprimento ficaria condicionado à permanência do estado de fato contemporâneo da formação do vínculo. Se esse estado se alterasse, criando situação imprevisível ao tempo da celebração do ajuste, o contratante que, em conseqüência, visse os seus encargos excessivamente majorados, poderia ser desvinculado de sua obrigação.” (2) Neste cenário, por sua vez, Lopes (1991, p. 99/100) leciona: “A teoria jurídica da imprevisão tende a fazer admitir que, em toda matéria, a parte lesada por um contrato pode ser desligada de suas obrigações, quando acontecimentos extraordinários, escapando a qualquer previsão no momento do nascimento do contrato, lhe alteram tão profundamente a economia que se torna fora de qualquer dúvida que a parte não teria consentido em assumir a agravação do ônus dela resultante, se tivesse podido prever os acontecimentos posteriores determinadores dessa agravação”. E em outra passagem, conclui: “A imprevisão consiste, assim, no desequilíbrio das prestações recíprocas, nos contratos de prestações sucessivas ou diferidas, em conseqüência de acontecimentos ulteriores à formação do contrato, independentemente da vontade das partes, de tal forma extraordinários e anormais que impossível se tornava prevê-los razoável e antecedentemente. São acontecimentos superiores supervenientes que alteram profundamente a economia do contrato, por tal forma perturbado o seu equilíbrio, como inicialmente estava fixado, que se torna certo que as partes jamais contratariam se pudessem ter podido antever esses fatos. Se, em tais circunstâncias, o contrato fosse mantido, redundaria num enriquecimento anormal, em benefício do credor, determinando um empobrecimento da mesma natureza, em relação ao devedor. Conseqüentemente, a imprevisão tende a alterar ou a excluir a força dos contratos” (3) A jurisprudência pátria, ainda que de maneira tímida, há várias décadas, tem aplicado essa teoria para manter o equilíbrio dos contratantes. Para ilustrar esta assertiva é de ser examinado os seguintes acórdãos: “Teoria da imprevisão - Amplo abrigo na jurisprudência brasileira - Derrogação do princípio ‘pacta sunt servanda’. Escapa de qualquer previsibilidade o desordenado e galopante aumento de preços, principalmente dos materiais de construção, de forma que o cumprimento de uma empreitada pela normal estimativa à época da convenção traduziria enriquecimento de outra. Se inexiste no contrato cláusula expressa de renúncia ao direito de reajustamento este deve ser amparado” (RT, 305:847). “Compromisso de compra •••

Sônia Regina Negrão (*)