ESCRITURA DE CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS E O NCC
Fernando Pereira do Nascimento (*) Introdução O Novo Código Civil Brasileiro - NCC, Lei 10.406/2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, trouxe importantes inovações em vários institutos do direito civil. Como consectário de um processo de substituição de tão importante diploma jurídico, muitas dessas inovações precisam ser interpretadas para se descubra seu real sentido e alcance, objetivando sua correta aplicação pelos profissionais do direito e pelo povo em geral. O Direito das Sucessões, disciplinado no Livro V do referido diploma legal, como não poderia deixar de ser, apresenta também várias inovações. Uma questão que especificamente urge esclarecimentos diz respeito à formalização de negócios jurídicos através de Escritura de Cessão de Direitos Hereditários, face aos novos dispositivos legais trazidos pelo artigo 1793 e seus parágrafos do NCC, dispositivos que não possuem correspondente no Código Civil de 1916 ora revogado. Neste trabalho abordaremos uma análise basicamente doutrinária, uma vez que ainda não existem decisões judiciais relacionadas a tão novo dispositivo legal. Sucinta Análise sobre a Escritura de Cessão de Direitos Hereditários na vigência do Código Civil de 1916. Sabe-se que aberta a sucessão, por força do princípio da saisine, inserto no artigo 1784 do NCC (1572 do anterior), a herança transmite-se desde logo aos herdeiros. Ainda que haja pluralidade de herdeiros, a herança defere-se como um todo unitário e, até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto ao domínio e à posse dos bens hereditários, é indivisível, regulando-se seus direitos pelas normas relativas ao condomínio, podendo qualquer dos co-herdeiros exercer seus direitos compatibilizando-os com a indivisão. Na vigência do Código Civil de 1916 era muito comum nos tabelionatos de notas o comparecimento de usuários, depois de aberta a sucessão, na condição de herdeiros, solicitando ao tabelião, ou seu preposto, um documento público com o intuito de formalizar juridicamente a disposição de determinado bem imóvel componente de acervo hereditário, enquanto pendente processo de inventário. O tabelião, então, lavrava uma Escritura Pública de Cessão de Direitos Hereditários, singularizando o imóvel objeto do negócio jurídico realizado. De posse dessa escritura o cessionário assumia a posição jurídica do cedente, com relação ao imóvel adquirido, situação em que, sem ser herdeiro, ingressava no inventário e requeria a adjudicação de referido imóvel em seu nome. O juiz, assim, na decisão ou homologação da partilha dos bens, deferia a pretendida adjudicação, determinando a expedição de carta de adjudicação em nome do cessionário, documento que, por si só, constituía título hábil para ingresso no registro de imóveis, baseado no artigo 221 da Lei de Registros Públicos. Essa forma de aquisição de bens imóveis de espólio através da escritura de cessão de direitos hereditários vinha, de forma comum sendo admitida pela doutrina e pela jurisprudência, não obstante o princípio da indivisibilidade da herança inserto no artigo 1.580 do Código anterior, que dispunha ser a herança indivisível quanto à posse e ao domínio, até se ultimar a partilha, quando chamadas simultaneamente duas ou mais pessoas. A Cessão de Direitos Hereditários na vigência do Código Civil de 2002. Disposição correlata ao artigo 1580 do Código Civil anterior, referente ao princípio da indivisibilidade da herança, foi mantida no NCC pelo parágrafo único do artigo 1791, nos seguintes termos: Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros. Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio. Esse princípio da indivisibilidade, por si só, autoriza a afirmação de que, enquanto não ocorrer a partilha, persiste a indivisão e cada herdeiro tem direito a uma cota-parte ideal nos bens deixados pelo de cujus. Somente com a partilha pode-se afirmar que determinado bem pertence ao co-herdeiro para que possa livremente dele dispor. Corroborando com esse princípio da indivisibilidade da herança e suprindo uma ausência no ordenamento jurídico anterior, o NCC dispõe expressamente sobre normas disciplinadoras da cessão de Direitos Hereditários no artigo 1793 abaixo transcrito e que não possui correspondente no Código Civil revogado: Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública. § 1º. Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente. § 2º. É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente. § 3º. Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade. Da Necessária Formalização da Cessão de Direitos Hereditários por Escritura Pública. Depreende-se da interpretação do caput do artigo 1793 que o co-herdeiro está autorizado a transmitir o seu direito à sucessão, ou seja, o quinhão de que disponha, que é considerado bem imóvel por disposição legal (art.80, II NCC), exigindo, para tanto, forma especial e solene: a escritura pública. O caput do referido art. 1793 estabeleceu, pois, a condição primeira de validade da cessão de direitos hereditários, qual seja, a formalização do negócio através de escritura pública, impondo um requisito ad solemnitatem. Sabe-se que o negócio jurídico é uma emissão volitiva dirigida a um determinado fim. Mas este não se lhe segue, e aquela se frustra, se o ordenamento jurídico lhe denega as conseqüências desejadas, por considerar o negócio jurídico realizado inválido ou ineficaz. Para ser válido é necessário que o negócio jurídico revista certos requisitos essenciais dispostos no artigo 104 do NCC, quais sejam: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e forma prescrita ou não defesa em lei. Portanto, a cessão de direito hereditário que não for feita por escritura pública é inválida por infringir um requisito essencial à sua efetivação, qual seja, não ter sido lavrada na forma prescrita pela lei. Dessa forma o referido artigo atribui ao notário a função de •••
Fernando Pereira do Nascimento (*)