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BDI Nº.14 / 2005 - Assuntos Cartorários Voltar

A DESNECESSIDADE DA OUTORGA UXÓRIA NO REGIME DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS

Valestan Milhomem da Costa – Notário preposto em Cabo Frio, RJ O novo Código Civil trouxe inúmeras alterações ao direito privado, todas elas de inegável interesse para notários e registradores em virtude da repercussão que têm sobre as suas atribuições. Dentre elas, encontra-se a des-necessidade da outorga uxória no regime da separação convencional de bens, que era exigida no Código anterior. A questão já mereceu a apreciação de notórias personalidades da área notarial e de registro, a exemplo dos Drs. Antonio Albergaria Pereira e de João Pedro Lamana Paiva - os quais entendem que a dispensa da outorga, trazida pelo novo Código, não se aplica quanto aos casamentos realizados na égide do Código de 1916 -, e o Dr. Paulo Roberto Ramos, tabelião sorocabano, que defende a nova regra para todos os casos, havendo a seu favor decisão judicial administrativa do Juiz de Direito Titular da 1ª Vara de Registros Públicos da Comarca de São Paulo, Dr. Venício Antonio de Paula Salles, em expediente de dúvida. As opiniões desse seleto painel de debatedores foram registradas no Boletim Cartório, integrante do Diário das Leis Imobiliário, 3º Decêndio Setembro/2004, nº 27, pp. 32/33; 3º Decêndio Fevereiro/2005, nº 6, pp. 29/30, e 1º Decêndio Dezembro/2004, nº 34, respectivamente, tendo sido a decisão judicial administrativa publicada no Jornal ANOREG SP, nº 11, novembro/2004, páginas 30/39, e no Boletim Eletrônico do IRIB, no endereço eletrônico http://www.irib.org.br, de 21/01/05. Anteriormente à salutar discussão do tema nas páginas do Boletim Cartorário, imaginávamos que poderíamos concluir simplesmente pela aplicação do novo direito sem maiores indagações. Ledo engano. Os embasados argumentos apresentados num e noutro sentido mostraram a necessidade de um aprofundamento no tema para só depois adotarmos uma posição, mantendo ou modificando nosso entendimento preliminar. Iniciamos nosso estudo a partir dos próprios fundamentos dos debatedores, ou seja, da questão do “direito subjetivo” e, portanto, “direito adquirido” do cônjuge anuente; do teor do art. 2.039 do novo Código; das questões envolvendo a aplicação da lei no tempo, e da possibilidade da outorga uxória ser uma “faculdade legal”. Deixamos de lado questões jurídico-sociológicas acerca de eventual desprestígio que a nova norma trouxe à família, uma vez que, se esse for o caso, alcançará não apenas as famílias constituídas na vigência do Código anterior, mas também as famílias constituídas na vigência do Código atual. Assim, seria o caso de questionar-se a própria novidade da lei, e não o tempo de sua aplicabilidade. A fim de podermos concentrar atenção nas questões mais complexas, apresentamos desde logo nossa conclusão de não ser a outorga uxória regulada no Código anterior mera “faculdade legal”, pois esta tem ínsita um poder dispor, uma conveniência, um arbítrio do seu titular em utilizar-se ou não da mesma, nas hipóteses previstas em lei, como é o caso da emancipação. Alcançando-se o filho a idade mínima de 16 anos, poderão os pais emancipá-lo. Poderão, em vez de deverão, por ser uma faculdade legal. Porém, tratando-se de alienação de imóvel do patrimônio particular do cônjuge casado sob o regime da separação de bens no Direito anterior, a outorga uxória não era dispensável, tanto que, a ausência da outorga uxória ou do suprimento judicial, tornava o ato inválido, podendo essa invalidade ser alegada pelo cônjuge, a quem coubesse dar a outorga, até dois anos após o término da sociedade conjugal (art. 252). Era, portanto, uma exigência e não uma faculdade. As questões relativas aos limites da incidência do art. 2.039 do novo Código Civil, ao DIREITO SUBJETIVO adquirido e à aplicação da lei no tempo, em face da nova regra trazida pelo art. 1.647, I, do atual Código Civil, todas atinentes ao deslinde do tema, merecem, porém, uma consideração mais acurada. Antes disso, parece-nos oportuna uma breve explanação sobre o casamento e sua relação com os regimes de bens. O casamento e os regimes de bens Dentre as correntes doutrinárias acerca da natureza jurídica do casamento, filiamo-nos à que entende ser o casamento uma instituição (CAIO MÁRIO, MARIA HELENA DINIZ), pois todas as regras relativas a direitos, deveres e patrimônio dos cônjuges são aquelas minudenciadas na lei, de caráter público, e, portanto, indisponíveis. Permite-se aos nubentes tão somente manifestar se querem ou não se casar e, querendo, sob qual regime. Afora isso, não lhes é lícito modificar, para mais ou para menos, direitos ou deveres matrimoniais ou regras patrimoniais no casamento, já estabelecidas pelo direito, nem tampouco lhes é permitido recusar regime de bens ao casamento, de sorte que, podendo os nubentes optar por algum regime de bens (comunhão total de bens, separação absoluta de bens ou, atualmente, participação final nos aqüestos - regimes optativos), e não o fazendo, ser-lhes-á atribuído o regime da comunhão parcial de bens (regime presuntivo). Hipóteses, há, porém, em que aos nubentes não se permite optar nem é cabível presumir o regime de bens, posto que, dadas condições especiais, a lei impõe que o regime seja o da separação obrigatória de bens (regime obrigatório). O Direito anterior ao assegurar, aos nubentes, liberdade para escolher o regime de bens a vigorar no seu casamento quis que as questões patrimoniais ficassem ao arbítrio dos contraentes das núpcias (art. 256). O mesmo se dá no Direito atual (art. 1.639 NCC). Para assegurar o respeito à convenção dos cônjuges nessa questão, impôs regras impeditivas à violação do ajuste, de sorte que, se o regime escolhido fosse comunhão de bens, nenhum dos cônjuges poderia, como não pode, alienar bem imóvel sem o outro. E não se trata de outorga uxória, que tem o sentido de consentimento, autorização ou permissão de um cônjuge ao outro, mas de verdadeira manifestação de vontade de ambos os cônjuges em alienar (transferir), seja qual for a forma da alienação (venda, doação, dação, permuta, etc), e •••

Valestan Milhomem da Costa – Notário preposto em Cabo Frio, RJ