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BDI Nº.9 / 2005 - Comentários & Doutrina Voltar

O INSTITUTO DA COLAÇÃO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

Fernanda Souza Rabello (*) 1) NOÇÕES GERAIS: O procedimento através do qual os herdeiros necessários restituem à herança os bens que receberam em vida do de cujus denomina-se colação. Nosso ordenamento não afastou, com a edição do Código Civil de 2002, o princípio da igualdade dos quinhões hereditários o qual vem expresso através do artigo 18461. Conforme ensina Maria Beatriz Perez Câmara: “Neste sentido, presume-se que as doações e vantagens feitas em vida pelo ascendente aos seus herdeiros necessários são antecipações das respectivas quotas hereditárias, ou seja, adiantamento das legítimas, que devem reverter ao acervo2 Já nos primórdios do direito romano a colattio tinha por fundamento a busca da igualdade social. Segundo Zeno Veloso3 há parecer generalizado entre a doutrina no sentido de que a colação se baseia na vontade presumida do de cujus de não estabelecer uma desigualdade sucessória. O étimo colação é proveniente do latim co + latio, que significa ajuntamento, encontro, do supino collatum do verbo conferre (reunir, trazer, ajuntar, agregar)4. Ney de Mello Almada arrola como requisitos do instituto: a) doação feita pelo de cujus em favor do descendente; 2) ostentar o descendente tal qualidade no momento da abertura da sucessão; 3) defender a liberalidade e igualdade das legítimas; 4) concorrer à herança pluralidade de descendentes do mesmo grau; 5) não ter havido dispensa pelo doador.5 2) NATUREZA JURÍDICA: Almada6 refere que três correntes se apresentam quanto à natureza jurídica da colação: “ A primeira, devida a Cicu, entrevê um estado de sujeição do colacionante; outra, divisa na colação uma obrigação (Goyena Copello); há quem identifique no instituto um cargo (Messineo); finalmente, uma situação jurídica (Barbero)”. A colação é uma obrigação exigível legalmente entre os herdeiros necessários, quer dizer daqueles que tenham uma porção hereditária garantida pela lei e da qual o autor da herança não pode privá-los, senão através de deserdação. Presume, historicamente, duas finalidades: - a presunção de vontade do autor da herança de não beneficiar a mais, - a igualdade entre todos os herdeiros necessários. É, enfim, a devolução, pelos herdeiros necessários, ao acervo hereditário dos bens recebidos por doação, quando ainda em vida, do autor da herança, para inclusão na partilha, a fim de que esta se realize dentro da maior igualdade possível. 3) PREVISÃO LEGAL E ABRANGÊNCIA: O instituto da colação vinha definido pelo artigo 1786 do Código Civil de 1916 como sendo “o ato mediante o qual o co-herdeiro, para assegurar a igualdade das legítimas dos demais, devolve à massa hereditária, em espécie ou em valor, as doações ou dotes com que foi contemplado pelo autor da herança”. Conforme ensina Arnaldo Rizzardo7, não se objetiva encontrar aquilo que poderia dispor o falecido . Não se leva à colação, em outras palavras, unicamente aquilo que excedeu o montante disponível, mas tudo o que constituiu objeto de doação. No entanto, com a previsão contida no artigo 544 do Código Civil em vigor, a abrangência do instituto restou alterada, alcançando, agora, o cônjuge quando este se apresenta na qualidade de concorrente (artigo 1832 CC)8. Ora, o referido artigo considera como antecipação da legítima (adiantamento de herança) além das doações de ascendentes para descendentes, ainda, as doações de um cônjuge ao outro. No direito anterior, o adiantamento da legítima restringia-se somente as doações de pais para filhos. Entende-se que outra não foi a intenção do legislador, pelo que se pode extrair da leitura dos artigos 544 e 20039, em estabelecer a obrigação do cônjuge de conferir os bens recebidos por adiantamento de herança. O Projeto de Lei nº 6960/2002, apresentado pelo Deputado Ricardo Fiuzza prevê, expressamente, a obrigação de colacionar os bens recebidos em doação de seu consorte. Assim, não se pode aceitar a interpretação realizada no sentido de que em não havendo determinação expressa de que o cônjuge deva colacionar esteja o mesmo dispensado de fazê-lo, isto porque o instituto exige a dispensa expressa. Ademais, se o cônjuge é herdeiro necessário e se recebeu doação em vida, concorrendo com outros herdeiros necessários deverá, obrigatoriamente, colacionar sob pena de, em não o fazendo, ferir o princípio maior do instituto da colação qual seja, o da maior igualdade da legítima dos herdeiros necessários. O resultado da colação sempre importará em aumento na parte correspondente à legítima, isto é, a conferência por parte dos herdeiros necessários não importará aumento da herança e sim, apenas da legítima dos herdeiros necessários. Como bem assevera Mario Roberto Carvalho de Faria10, “a colação não traz o bem para o espólio, nem aumenta a parte disponível do testador. As liberalidades já feitas em vida constituem negócios jurídicos perfeitos e que já produziram seus efeitos legais. Por conseguinte, os frutos dos bens doados não são objeto de colação, pertencem ao donatário” que, por certeza, não deverá restituir tais valores ao monte. Cabe, ainda, ser destacado o fato de que em não sendo aumentada a parte disponível, não poderão os eventuais credores, seja do “de cujus”, seja do espólio, exercer qualquer pretensão quanto ao referido bem colacionado. Conforme já salientado, a doação é negócio jurídico perfeito, de eficácia imediata. Logo, não pertence tal bem ao acervo e não poderá nele ser computado. A doação deverá “voltar” apenas para a efetiva composição da legítima. Assim, se o falecido na data da abertura não possuia herança para deixar a seus herdeiros, mas, no entanto, havia doado um bem a um de seus filhos, tal valor deverá ser conferido apenas para que os herdeiros necessários concorrentes possam dividir de igual forma a legítima sem prejuízo a qualquer deles. Logo, como não há um aumento da parte disponível, como não há herança, os credores não poderão exercer qualquer pretensão quanto aos valores trazidos pelo herdeiro beneficiado em vida. O código atual retrocede, quando copia os dispositivos contidos no Código de 1916 sem atentar ao fato de que o artigo 1014 – parágrafo único do CPC11 de 1973, preocupando-se em efetivamente atingir o fim do instituto, previu que o valor trazido a colação fosse àquele atribuído ao bem quando da abertura da sucessão. E, em momento posterior, o próprio STF entendeu que além de ser o valor o da abertura da sucessão deveria ser corrigido monetariamente à data do inventário. 4) OBJETO: É considerado objeto da colação o valor das doações12 que o herdeiro necessário tenha recebido, em vida, do autor da herança (artigo 2002)13. Há, na doutrina, quem apresente distinção entre atos a título gratuito e liberalidades (Serpa Lopes)14 Entendendo que nas liberalidades existe, necessariamente, a translatividade de um bem ou de um direito real sobre um bem, configurando-se o enriquecimento do donatário e o empobrecimento do doador. Assim, em nosso ordenamento são colacionáveis doações feitas (conforme artigo 2002 pelos ascendentes aos descendentes) aos herdeiros necessários (deverá ser inclusa a figura do cônjuge), as dívidas pagas pelo autor da herança, as doações indiretas ou simuladas. As quantias •••

Fernanda Souza Rabello (*)